American Horror Story

Aproveitando o embalo das minhas pseudo-férias, acabei de ver ontem a primeira temporada e os dois primeiros episódios da segunda temporada de American Horror Story. Eu que não escondo que sempre fui medrosa, fiquei apaixonada pela série que na realidade tem um tom de suspense e de drama muito maior do que de terror.

O que me deixou encantada foi a qualidade do trabalho dos produtores e diretores, que exploraram os velhos clichês de filmes de terror sem parecer pedante. E naturalmente, há duas atrizes que me deixaram sem fala: Jessica Lange e Frances Conroy – dois pólos de personagens diferentes que ajudaram (e muito) a sustentar a trama.  De fato, foi mesmo a Jessica Lange que me chamou atenção para a série, porque já tinha um carinho antigo por ela: desde Cabo do Medo.

American Horror Story oferece todas as bizarrices que um espectador pode querer: homens queimados, loucos acorrentados, estupro, sexo, anticristo, exorcismo, assassinato e muito sangue. Além disso, há um tom politicamente incorreto que dão graça e fluidez aos diálogos: a maioria deles, fica por responsabilidade de Constance, personagem de Lange.

A primeira temporada é brilhante e não dá vontade de parar de assistir. A história complexa, mas muito interessante: A família Harmon decide mudar de casa depois que Vivian (Connie Britton) sofre um aborto e descobre que Ben (Dylan McDermott) tinha uma relação extraconjugal com uma aluna. Os dois têm uma filha adolescente problemática: Violet (Taissa Farmiga) que não consegue se estabelecer bem no colégio.  Então se mudam para Los Angeles – para uma casa onde  ocorrem acontecimentos bizarros.

(Moira, a governanta)

No desenrolar da trama aparecem pessoas muito estranhas, todas com uma ligação forte a casa.  Uma delas é Moira, ótima personagem! A governanta vem de “pacote” com a residência já que não pode deixá-la (foi assassinada ali mesmo, com um tiro no olho há anos atrás). Moira é realmente estranha, mas tem um coração bom.

 O que acho incrível mesmo é que ela morreu jovem, quando era linda e sedutora – ao longo do tempo a sua alma foi envelhecendo, ela foi se cansando daquele ambiente ao qual se encontra presa. Mas a grande sacada é o seguinte: Os homens a vêem com uma mulher gostosona, mas as mulheres enxergam a sua alma, logo a vêem como uma senhora cega. E essa discrepância fica muito clara na seqüência de cenas.

E tem também Tate, o psicopata que matou vários colegas na escola. Personagem bem popular – sempre que procuro algo sobre a série encontro gifs e imagens e fãs e todas aquelas coisas. Já Constance Langdon… Ah Constance! Sem papas na língua já falo: Jessica Lange mereceu o prêmio de Globo de Ouro 2012 para melhor atriz coadjuvante, sem dúvidas. Ela é cruel, é louca, é engraçada e está se fudendo pro mundo. O que ela quer é ficar perto da família, custe o que custar.

Como sou muito lerda, demorei para entender algumas coisas. No começo ficava na dúvida que estava morto ou quem estava vivo, porque a relação entre eles é muito forte – os vivos e os mortos se tocam, conversam e até transam.  Fiquei pensando também na cabeça da Jamie Brewer, atriz que interpreta a Adelaide, filha da Constance. Deve ter todo um preparo, um acompanhamento psicológico não é? A Constance vive dizendo que a menina é feia, que é um monstro e que dá trabalho há mais de anos… péssima.

Bom, o que eu tenho a dizer é: não percam, é bom demais. A segunda temporada é ainda melhor. Pelo que li, foi especialmente projetada para Jessica Lange (como um agradecimento dos diretores a atriz, que trouxe visibilidade para a série). Ela e o diretor conversaram muito sobre os personagens que ela sonhava em fazer e daí nasceu: a Irmã Jude (FODÁSTICA).

Na segunda temporada a série ganha o subtítulo de: Asylum.  Os episódios que chegaram ao Brasil ontem (30/10) pelo canal Fox brincam ainda mais com os clichês, mas tem um gostinho ainda melhor: perversões sexuais. O elenco é praticamente o mesmo, mas o cenário muda totalmente.

Conta a história da Instituição Mental Briarcliff, onde médicos e freiras tratam pacientes criminosos com problemas mentais.  O local é chefiado pela Irmã Jude, que tenta controlar a vida de cada um dos pacientes, mas é limitada pela presença do Dr. Arthut Arden (James Crowwell) que faz experiências secretas com os doentes e funcionários da instituição. Parece até que há uma tensão sexual entre os dois.

Jessica Lange dessa vez é a protagonista e vilã da história e justifica todas as suas horríveis e sádicas ações como sendo: “missões divinas”.  Mas debaixo do hábito da irmã, se esconde uma “prostituta pervertida”, que usa lingerie vermelha e coleciona porretes que usa para torturar os pacientes. A história do hospício atrai a atenção da jornalista Lana Banana Winters (Sarah Paulson), que ao confrontar a Irmã Jude, acaba sendo trancafiada – seu “desvio” de comportamento precisa ser tratado com eletrochoque (ela é lésbica).

– A série conta com a presença de Adam Levine, vocalista da banda Maroon 5, que além de ator atua também como produtor da série.

Confira a Promo da Segunda Temporada:

Tradição curiosa

1988

Tudo começou com uma brincadeira que acabou se transformando em uma tradição.  Dois irmãos e duas irmãs da família Kinsella se encontram há vinte e cinco anos para serem fotografados na mesma posição. A primeira foto, feita em 1988 passou a se repetir em 1990 e assim: repetida em diversas atividades da família como casamento, aniversários (e até em funerais). Em 2011, fizeram uma tatuagem em homenagem as fotografias, confira:

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2001

2002

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

digamos que….

Digamos que essa é a primeira vez que você me viu

que esse é o  nosso encontro,

num lugar que você nunca pisou antes

Longe da sua casa, da sua família, dos seus amigos

Longe de tudo.

Digamos que tivéssemos a oportunidade de fazer de novo

de começar do zero.

E que não escutássemos nada além do burburinho ambiente

Como se estivéssemos com os ouvidos imersos n’água

O que você ouve é a batida do meu coração

Batendo por você

Pedindo pra ficar

E que você com alívio dissesse:

não vou desistir

A semiótica de Ozon – Oito Mulheres

-Cuidado com Spoilers!

Baseada em uma peça homônima de Robert Thomas – escritor famoso no teatro popular dos anos 70, a história se passa na década de 1950, em uma residência francesa, onde uma família se reúne para comemorar o Natal. A tempestade de neve que cai na cidade impede que as moradoras saiam. Isoladas, as oito mulheres se vêem envolvidas em um mistério, já que o único homem da casa, Marcel, é assassinado. Cada uma delas tem suas razões para matar Marcel e por isso, buscam pistas e trocam acusações. Tem-se aí o início de um longo dia de investigação que faz com que muitos segredos sejam revelados.

Observa-se desde o início do filme, nos diversos diálogos entre as personagens, que a figura masculina de Marcel apesar de se mostrar praticamente ausente (já que aparece em duas cenas, sem mostrar o rosto e sem falas), serve como uma referência e encontra-se presente no discurso, nas reflexões e nas imagens construídas nos diálogos. Em 8 Mulheres a figura masculina é um signo e um significante.  Para compreender melhor o conceito de signo, Santaella explica que:

 O signo é uma coisa que representa uma outra coisa:  seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo a uma certa capacidade.  (SANTAELLA, p.58, 1983)

O signo faz parte de um processo de comunicação já que permite transmitir informações. Uma mensagem, por exemplo, possui um conjunto de signos e segundo Santaella (1983, p.59) “a relação de representação que o signo mantém com o seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro.”

As produções cinematográficas possuem grande potencialidade ao transmitir uma mensagem ao telespectador e podem fazê-lo através da aproximação da realidade do receptor. Segundo Lotman (1978), no cinema, quanto maior for a analogia entre a arte e a vida e a sua semelhança, maior e mais imediata será a recepção por parte do espectador. No caso de 8 mulheres, a obra é uma descrição de um mundo fantástico e por isso, o diretor permite-se abusar de cenários teatrais.

O HOMEM

Há quem estabeleça uma ligação entre o filme de Ozon com “The Women” (de George Cukor, 1933) e com os mistérios de Agatha Christie. Na verdade, cada personagem, representado por carismáticas e populares atrizes francesas (entre elas Catherine Deneuve, Isabelle Huppert e Fanny Ardant), possui uma relação complicada com Marcel que alimenta o confronto entre elas.

No entanto, como o personagem não possui falas nem rosto, é possível dizer que sua figura é praticamente construída através do discurso de cada mulher. Suas características são evocadas por meio de histórias que Augustine (cunhada, apaixonada por Marcel) conta, por casos do passado que Piarrete (irmã de Marcel) relembra ou por presentes caros que Gaby (mulher de Marcel) exibe.

A figura do homem é um signo ideológico que reflete a realidade de todas as personagens: uma mulher apaixonada pelo marido da irmã, uma mulher que engravidou do próprio padrasto, uma filha que ama o pai, uma mulher que chantageia o irmão para conseguir dinheiro, uma mulher que decide abandonar o marido, duas empregadas que odeiam o chefe e uma senhora que precisa que sua filha continue casada para manter seu padrão social.

O personagem de Marcel (e o símbolo que ele representa na construção da trama) cumpre diversas funções, ele é marido, irmão, chefe e pai, sem que seja necessário defini-lo como um homem bom ou ruim, afinal, uma delas (ou todas) está mentindo. Marcel foi assassinado com uma faca nas costas e não é possível ouvir sua versão da história. O mistério em relação a sua personalidade fica mais forte através da linguagem de cada mulher utiliza. Vale lembrar que cada uma delas possui um quadro musical dentro da trama e todas as músicas representam o que cada mulher sente em relação aquele homem.

Sua figura representa certa fragilidade afinal, nas duas cenas que aparece, apesar de estar de costas, está visivelmente triste e cansado. E em uma delas, o homem tenta se expressar, porém sua mulher não o escuta. O personagem não tem voz, não tem rosto e mesmo assim, assume uma posição crucial dentro da trama, isso porque as mulheres o caracterizam com tal importância.

 O FIGURINO E AS CORES

“Porque Augustine usa uma roupa marrom e esses óculos com lentes escondendo aqueles olhos azuis tão bonitos?”, pergunta Piarrete em um dos momentos do filme.  Se François Ozon fosse responder, provavelmente diria que a roupa de cada personagem é um reflexo de suas personalidades. No caso de Augustine, por exemplo, que é uma das personagens mais caricatas da trama, o seu vestuário exprime toda a sua excentricidade. Ela é uma mulher frívola, hipocondríaca e solteirona.

Um de seus momentos mais marcantes é quando descobrem o amor secreto que nutria por Marcel. Augustine resolve então tirar toda aquele vestuário e passa a vestir roupas tão bonitas quanto as das outras personagens, além disso, solta dos cabelos, abandona os óculos e passa a usar maquiagem. Nesse caso, a o vestido era apenas um signo representando o seu objeto.

Tanto os figurinos, quanto os cenários, são marcados por cores fortes. Percebe-se a predominância de tons vermelhos, azuis e amarelos.  Em determinadas cenas a presença da iluminação determina e nos indica sensações. Quando Gaby e Pierrete discutem na sala, começam a lutar fisicamente e caem sobre um enorme tapete vermelho, o cenário fica mais escuro, a música até então agitada se acalma, e as mulheres se beijam.  No momento em que as outras mulheres que estavam rondando a casa em busca de uma saída chegam, a iluminação do ambiente volta a ficar mais clara.

As sombras que acompanham os corpos de Gaby e Piarrete, em contraste com a neve que cai sobre a janela, sugerem certo erotismo na cena que se confirma com o beijo. Piarrete, que usa um vestido vermelho é uma prostituta que mantinha uma relação secreta com a empregada da casa do irmão (Marcel) e Gaby, que usa um vestido azul é a mulher de Marcel. Desde o início do filme, as duas possuem uma relação de rivalidade.

Em análise de secundidade, o sentimento (ou a impressão) em relação a esta cena pode variar de pessoa para pessoa, criando ou não um laço de identificação com os personagens que dialogam. O fato é que esta cena contou com um grande trabalho do diretor, dos produtores e das atrizes, que se dedicaram a criar elementos que envolvessem o telespectador, principalmente como explica Ozon, através de inserções musicais mais fortes

AS MÚSICAS

Cada uma das oito mulheres da trama possuem uma cena musical. Todas as músicas têm uma ligação com o relacionamento com Marcel. A música na trama se transforma em um instrumento para dar significado às emoções que as mulheres sentem no momento e é utilizada como uma linguagem que permite uma interação entre as personagens e os telespectadores, afinal, todas elas encaram as câmeras, como se cantassem diretamente para o público.

Além disso, a ambientação de cada cena é crucial para que o receptor possa estabelecer uma interpretação do que elas querem dizer. O cenário, as cores e a iluminação enriquecem o trabalho de cada atriz e permite que interajam entre si. Em todos os momentos musicais, as mulheres cantam ou são assistidas pelas outras.

 

Toi Jamais: A música interpretada por Catherine Deneuve demonstra a infelicidade de Gaby (mulher de Marcel) em relação ao seu casamento. Gaby, no final da trama confessa que pretendia abandonar o marido para viver com outro homem.

Car homme,                               Para o homem

Tu n’es qu’un homme             Você é um homem

Comme les autres                     À semelhança de outros

Je le sais                                    Eu sei

Tu es mon homme                   Você é meu homem

Je te pardonne                           Eu te perdôo

Et toi jamais                              E você nunca

Message Personnel:

 A música interpretada por Isabelle Huppert exprime o desejo contido de Augustine em relação a Marcel. Neste momento da trama, a personagem confessa que ele é sua paixão há muitos anos, no entanto, ela não tinha como dizer, afinal era sustentada por sua irmã e tinha que cuidar de sua mãe.

Et il y a des mots que je ne dirai pas               E há palavras que não digo

Tous ces mots qui font peur quand ils ne font pas rire

Todas essas palavras estão com medo quando não rir

Qui sont dans trop de films, de chansons et de livres

Quem está em muitos filmes, músicas e livros

Je voudrais vous les dire         Eu diria a você

Et je voudrais les vivre            E eu quero viver

Je ne le ferai pas,            Eu não vou,

Je veux, je ne peux pas                    Eu quero, eu não posso

Je suis seule à crever, et je sais où vous êtes

Estou morrendo sozinho, e eu sei onde você está

SIGNOS

 Para facilitar a interpretação dos signos disponíveis no filme, é necessário ter conhecimento sobre os três conceitos abaixo. De acordo com SANTOS:

 “Peirce desenvolveu a semiótica, que para ele é a mesma coisa que lógica, ou  a ‘ciência das leis necessárias gerais dos signos e, especialmente dos símbolos’, num nível de abrangência muito grande. Ele formulou uma fenomenologia com base em três categorias. “Analiso a experiência, que é a resultante cognitiva de nossas vidas, e nela encontro três elementos (PEICE, CP.  84). Fenômeno, para ele é tudo que aparece para nos em todos os momentos de nossa vida”. (SANTOS, p. 1)

Primeiridade: é a categoria do ser, da pura qualidade e está relacionada com o presente absoluto, com aqui e agora. “(…) e aquilo que é sem reverência a qualquer outra coisa dentro ou fora dele” (PEIRCE, CP 85). Ele a denomina também de oriência. “O mundo está cheio deste elemento de originalidade irresponsável, livre”.

Secundidade: Categoria do existir, do acaso, da “força bruta”, da ação do passado sobre o presente. É uma categoria binária, também chamada de obsistência e consistirá na ausência de qualquer razão, regularidade ou norma. “O mercador das ‘Mil e Uma Noites’ jogou fora um caroço de tâmara que feriu o olho de um demônio. Este ato foi puramente mecânico, e não houve uma triplicidade genuína. (PEIRCE, CP 86).

Terceiridade: Categoria do ser em futuro, da representação, significação e comunicação. Um futuro que influencia o presente de modo triádico, não dualista, como o passado influencia o presente. “Mas se ele (o mercador) houvesse feito mira no olho do demônio, teria havido algo mais que o simples jogar do caroço (…). Aqui teria intervido a intenção, a ação da mente. A triplicidade intelectual, ou mediação, e minha terceira categoria” (PEIRCE, CP 86).

O quadro seguir sintetiza os trechos selecionados e respectivamente, o signo e significados identificados tendo como base os conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade expostos acima

O filme é marcado por uma revelação. Depois de tantos diálogos sobre o assassinato e sobre as impressões que cada personagem tinha a respeito de Marcel, Catherine (a filha mais nova) revela que seu pai está vivo. A inquietação das mulheres é clara, afinal aquela armação fez com que cada uma revelasse seus segredos mais profundos.  O discurso de Catherine em relação ao pai e aos acontecimentos deixa claro que toda aquela situação foi planejada. A menina revela que cortou os fios do telefone, sumiu com as chaves e que junto ao pai, forjou uma cena de assassinato.

É nesse momento, que cada mulher pensa na sua situação, afinal depois de tantas revelações não é possível voltar atrás. Nenhuma delas tenta mudar o discurso que criaram em relação ao homem durante o desenvolvimento da trama. Quando vão ao quarto de Marcel, para tirar satisfações, deparam-se com uma cena surpreendente. Marcel suicidou-se.  A reviravolta da trama e principalmente do papel (o símbolo e o significado) que o personagem e único homem representa se dá nesse momento. O homem se mata por não conseguir conviver com tanta hipocrisia.

FICHA TÉCNICA

  • título original:  8 Femmes
  • gênero:  Musical
  • duração: 01 hs 43 min
  • ano de lançamento: 2002
  • site oficial: http://www.8femmes-lefilm.com/
  • estúdio: Le Studio Canal+ / Centre National de la Cinématographie / Fidélité Productions / France 2 Cinéma / Gimages 5 / Mars Films
  • distribuidora: USA Films / Imovision
  • direção:  François Ozon
  • roteiro: François Ozon e Marina de Van, baseado em peça teatral de Robert Thomas
  • produção: Olivier Delbosc e Marc Missonier
  • música: Krishna Levy
  • fotografia: Jeanne Lapoirie
  • figurino: Pascaline Chavanne
  • edição:Laurence Bewedin

Elenco:

Referências Bibliográficas:

1. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 9ª edição, 1983

2. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. São Paulo, SP: Cultrix, 1977.

3. LOTMAN, Yuri. Estética e semiótica do cinema. Lisboa: Editorial Estampa 1978.

4. BONA, Rafael José. A semiótica do Cinema: O signo paterno no filme Central do Brasil. Disponível em < http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2007/resumos/R0005-1.pdf > Acesso em: 22 de nov. 2010.

5. Terra Letras. Disponível em < http://letras.terra.com.br/8-femmes/> Acesso em: 22 de nov. de 2010

6. SANTOS, José Milton. Semiótica Peirceana.

7. Adoro Cinema. Disponível em < http://www.adorocinema.com/filmes/8-mulheres/> Acesso em: 22 de nov. de 2010

Essa chuva que não para, esse calor infernal: dois motivos interessantes que não me permitem esquecer as coisas que você disse. Eu fui a sua casa, engoli todos os meus medos, minhas vergonhas e pedi para você voltar. Ficamos horas na porta.  Enquanto meu coração batia fortemente, seus olhos reviravam de preguiça. Eu não queria sair dali sem você, não podia. Falávamos do passado, de um possível futuro e você, insistia em se desculpar por não ter atendido minhas expectativas.

Eu queria sim: me casar, ter filhos, dividir as contas, discutir política e fazer amor. Teria dado certo, se você fizesse apenas uma coisa: me desse mais uma chance: será que não significa nada? Foram dois meses, eu sei. Mas dois meses intensos, meu Deus! Como você é arrogante!

Não bastasse, disse que desejava o meu bem, disse que queria que eu encontrasse um amor, alguém bem bonito, que chamasse atenção. Ora! Se me amasse mesmo, desejaria que ninguém mais passasse na minha vida, desejaria me ver sozinho, no limbo, morta – mas não com outra pessoa. E aquele suspiro! O que foi aquilo? Suspiro de “ai que porre”.

Quem é você? Onde estão as promessas que me fez? De que morreríamos juntos! Você me deixou morrer sozinha, você me deixou.

Ética, estética e Cinema

reflexão rápida, porque ninguém é de ferro.

A produção cinematográfica, assim como tantas outras produções artísticas, ocupa um papel importante na compreensão e valorização da subjetividade humana. Não sendo considerada apenas uma “forma de fazer arte”, o cinema quando realizado com um compromisso ético, cumpre a função de retratar a realidade. Em outros casos (ou, porque não dizer: quase sempre), é possível que o cineasta deixe de ser um observador para expressar os seus pontos de vista.

A narrativa do espaço fílmico assume perante os espectadores e perante os personagens, uma relação importante que propicia comportamentos e emoções. No âmbito da ética, vários aspectos precisam ser observados como: filmar só quem autoriza ser filmado, linguagem, contraste, sombras, sons, campos e cortes.

O cinema (seja na construção de documentários ou películas de entretenimento) trabalha com a interioridade das personagens (tanto nos gestos quanto na própria palavra dita) e depende também do ambiente, valoriza a história e determina como os fatos deverão ser narrados. Algumas situações, por exemplo, são menos filmadas por serem menos filmáveis (locais com espaço reduzido, pouca luz). Como reflexão sobre essas premissas, temos ainda que salientar a importância dos créditos e dos roteiros.

As discussões disponíveis neste blog não possuem o intuito de ensinar ou analisar a estética das obras audiovisuais. O texto acima, que ajuda a apresentar o tema é apenas o início de reflexões sobre a abordagem e o papel do cinema. Como proposto no post anterior, a pergunta “é possível dar conta da produção cultural das grandes cidades sem ser injusto?”

Nem gravata, nem honra

Cunha, pequena cidade situada na divisa entre o Rio de Janeiro e São Paulo é o cenário do documentário “Nem Gravata, nem honra” de Marcelo Masagão, que propõe a determinados moradores, interessantes questionamentos sobre as diferenças entre os sexos. De forma ilustrativa e divertida, o diretor permite que os personagens assistam a gravação de suas entrevistas após um ano e pede que comentem sobre elas.

Em uma das entrevistas, realizada em uma escola, uma criança (menina) diz que os homens sentem-se envergonhados de se aproximar dos filhos e conclui que justamente por serem homens, devem se portar de maneira mais fria. Por outro lado, em sua visão, a mulher possui a figura da doçura materna, é aquela em que os filhos podem confiar e descarregar seus problemas emocionais. Para reforçar essa idéia o diretor se utiliza de exemplos que enriquecem ainda mais a trama.

 Um deles é o da professora que antes de se dedicar a profissão, ficava em casa cuidando dos filhos enquanto seu marido (publicitário) saia para trabalhar e assumia as despesas da casa. O prefeito de Cunha confessa que não tinha uma relação próxima com seu pai e que também é distante dos filhos, mas de acordo com a sua concepção, é algo que contribui para a educação deles. Não muito distante, há uma frase muito repetida da qual me recordo ouvir na infância: “Os filhos são da mãe e não do pai”.

A professora, de início, só se sentiu motivada a tirar carteira, estudar e começar a trabalhar, quando viu seu marido oferecendo carona para a vizinha. Depois que venceu seus próprios preconceitos, também se viu obrigada a responder questionamentos de outras pessoas, como os da sogra, que lhe questionava se a educação dos filhos estaria em jogo em conseqüência de tal emancipação.

Neste contexto, assim como exemplifica Laraia em sua obra “Cultura, um conceito antropológico”, existem mulheres que em outros países e distintas sociedades, desempenham atividades que na nossa cultura, podem ser considerados trabalhos específicos de homens.

Por que há quem acredite que a mulher não tem condições para desempenhar a função de pedreiro, se por outro lado, em bairros mais pobres (ou sem água), carregam baldes pesados, lavam, passam e cozinham para toda a família? Tanto o livro de Laraia quanto o documentário, são obras importantes pra desmistificar o determinismo biológico, que em resumo, estabelece diferenças entre os homens tendo como base o gênero ou as raças.

O homem de um dos casais entrevistados, afirma que afigura masculina possui mais “moral”, é ele que representa a moral da família, de forma paternalista, é quem manda na casa e nos morados que nela se encontram. Mas essa moral é questionada com outro exemplo. Quando outro casal é entrevistado, o espectador se depara com uma situação incomoda.

A mulher foi traída, aceita o homem de volta e sente-se culpada por estar envelhecendo. Durante o documentário, ainda ressaltam que a mulher cede à entrevista na cozinha e o homem, na sala, delimitando o lugar a que cada um “realmente” pertence.

O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. Tendo como base esse conceito, podemos ter um dos entrevistados como exemplo que afirma que a homossexualidade é “coisa” de latino americano. Mas essa influencia geográfica, como contrapõe Laraia, também é falsa afinal, será mesmo que se uma criança recém nascida (por exemplo) for retira da França e for criada no Brasil, terá características e uma cultura muito distinta da nossa?

Dogma 95

O filme dinamarquês “Festa de Família” foi o primeiro a receber o certificado de obediência ao Dogma 95. A narrativa explora a história de Helge (interpretado por Henning Moritzen) que ao completar sessenta anos, decide reunir a família para uma comemoração. A festa transcorre sem incidentes maiores até que o seu filho mais velho diz que seu pai o estuprava (junto a sua falecida irmã gêmea) com o consentimento da mãe.

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O diretor Thomas Vinterberg, contrapondo às regras do convencionalismo, utilizou uma câmera de mão (semelhante à imagem de registro caseiro em VHS) que sempre em movimento, tornou-se uma complementação à subjetividade dos personagens envolvidos na trama. Além da luz natural, é possível perceber a reprodução dos sons do ambiente.

Em 1998, Lars Von Trier surpreendeu o público com seu filme “Os Idiotas”, sua única obra totalmente fiel ao movimento Dogma 95. Em busca da essência do cinema, o diretor realizou o filme em locações (e não em estúdios), sem efeitos especiais, iluminações ou trilhas sonoras. Assim como em “Festa de Família” a câmera ficava na mão do cinegrafista. O filme conta a história de uma mulher deprimida e solitária que se agrega a um grupo de pessoas normais que para chocar a sociedade e desestabilizar costumes, se passam por portadores de doenças mentais.

No mesmo ano, Søren Kragh-Jacobsen recebe o Urso de Prata no Festival de Berlim por seu filme “Mifune – Dogma 3”. Ao contrário dos dois filmes anteriores, a câmera não treme e a imagem é nítida. Mesmo na busca pela “inocência perdida” do cinema, o diretor realiza uma das obras mais líricas do movimento.

 A obra conta a história de Kresten que se casa com a filha do patrão e que tem a lua-de-mel interrompida pela morte de seu pai. O personagem se vê obrigado a partir para a fazenda da família para tomar decisões sobre o enterro e resolver o que fazer com seu irmão que é portador de deficiência mental. Com dificuldades para cuidar do seu irmão, coloca um anúncio no jornal e quem responde é Lívia, uma prostituta por quem Kresten se apaixona.

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Já em 2000, Kristian Levring adere ao movimento e lança o seu filme “O Rei está vivo – Dogma 4”. Nele, um grupo de pessoas (de diferentes idades, etnias, sexo e crenças) fica isolado em um deserto da Namíbia. Diante do desconforto, do calor e da fome, surgem sentimentos, frustrações e conflitos de valores.  Até que em um momento, um dos personagens, sugere a encenação de uma obra Shakespeariana, “O Rei Lear”.

O Dogma 95, com suas restrições e como voto de castidade, propõe adequar o cinema na representação da verdade. Atualmente, cerca de 80 filmes, produzidos em diversos países (como Itália, EUA, México, Canadá) já receberam o certificado.

2X1

Como sou fã alucinada de Kristin Scott Thomas, aí vai a dicas de dois filmes para “não” ver com a atriz, ou melhor: veja, mas não vá com tantas esperanças. E também a dica de um filme maravilhoso com ela, que você não pode perder:

UM CRIME DE AMOR

(Crime d’amor, de 2010 – direção: Alain Corneau)

Li algumas coisas sobre esse filme que conta a história de “crime perfeito” e fiz  download dele há alguns meses, na esperança de ser um interessante simplesmente por ter um história dessas e trazer como personagens principais ótimas atrizes como Kristin Scott Thomas e Ludivine Sagnier. Quanto à atuação delas, não há o que ser questionado, são ótimas e representativas dentro do que o roteiro permite. No entanto, se engana quem acredita que há alguma novidade nessa história. É bem possível que você termine de ver o filme se perguntando a mesma coisa que eu: acaba assim? Fiquei até um pouco decepcionada, porque o filme promete muito, mas não cumpre. A história também não é nada diferente do que estamos acostumados: Uma chefe calculista (e sedutora) versus uma funcionária tímida e competente. No início percebe-se até um “clima” entre as duas, que trocam olhares e toques e quase se beijam (será essa a justificativa do título?), mas essa relação (ligação sexual, ou seja, lá o que for) não se concretiza. O que resta é a pergunta: A chefe conseguiu seduzir a funcionária a ponto de provocar tal desejo de vingança ou são as humilhações que ela a fez passar que causou todo esse final drástico?

A MULHER DO QUINTO ANDAR

(La femme Du Vème, de 2012 – direção: Pawel Pawlikowski)

 Quando eu vejo um filme desses, com uma sinopse tão chamativa, com uma capa linda e não consigo pegar o ritmo, me sinto meio burra. As críticas nos blogs de cinema são as melhores possíveis, mas os comentários de espectadores não especializados que assim como eu, viram o filme e não gostaram – são até reconfortantes. Eu estou acostumada com filmes europeus, sem aquela explosão de acontecimentos que o formato americano traz, mas não é só isso. Ficou um vazio: um “quê” de quero mais, talvez por uma falta de seqüência ou de explicação mesmo. Não adianta jogar recortes para o público e pedir: engula! (alguns fazem isso muito bem, mas enfim). A história já é bem complexa, então, se você pegar esse filme para assistir e não ler nada precisará de uma percepção do cão para conseguir interpretar certas passagens. Tom Ricks é um escritor que possui uma restrição judicial em relação a sua filha, que mora em Paris. Depois de sair da cadeia (por crimes que não ficam claros se cometeu ou não), ele vai a França para tentar se aproximar da menina. Fica em uma pensão de segunda, rodeado de gente estranha e aceita pegar um trabalho onde é orientado a “não fazer perguntas”, só abrir a porta para quem tiver a senha. No meio dessa confusão (onde o próprio personagem se perde, sem saber o que é realidade ou não), ele vai até a festa na casa de um escritor e conhece Margit. Bom, o que seria o diferencial é justamente o que leva o filme para o ralo.

CONTRE TOI

(direção: Lola Doillon, 2010)

 

Esse filme foi uma surpresa boa, recheado de suspense e erotismo. Ainda que com o ritmo do cinema europeu (meio parado), o filme consegue transmitir essa sensação aflitiva e realista dos personagens: a do seqüestrador e da seqüestrada. Diante da dor, do íntimo e da violência os dois mundos paralelos acabam se unindo, se relacionando. Gosto da seqüência, gosto das falas, das cenas, da violência e especialmente do final (esse sim surpreende). Yann perde a esposa que morreu dando a luz. Desesperado, deixa a filha com a avó materna e resolve seqüestrar Anna, a média responsável pelo parto. Ele a prende em um quarto mal iluminado, sem banheiro e sem comida. Talvez a forma de responsabilizar alguém pela dor que sentia e fazê-la sentir o mesmo, ainda que fisicamente. Mas Anna não se sente culpada pela morte da mulher de Yann, ela não provocou aquilo. Ela esmurra a parede, se debate contra a porta até perder as forças. Há uma cena interessante: ela está com muita sede, ele então entra no quarto com uma garrafa de água. Bebe a água, joga o resto no chão e vai embora. E ela fica ali, indefesa. – É, não vou ficar descrevendo o filme, tem que ver para entender o quanto é bom.