Geração Prozac

 

No Filmow, vários usuários classificaram Geração Prozac como uma versão mais leve de Garota Interrompida (filme de 1999, com Winona Ryder e Angelina Jolie ). Ao meu ver, os dois filmes se desencontram em muitas partes, principalmente porque possuem abordagens diferentes. Pra mim Geração Prozac está muito mais próximo de Réquiem por um Sonho (filme de 2000, com Ellen Burstyn) que também possui cortes secos e transições de lente subjetiva que levam o espectador a entrar no mundo do personagem.

Geração Prozac não aborda nenhum tema fora do comum. A trama envolve dramas muito próximos da realidade: Elizabeth (Lizzie, interpretada por Christina Ricci) é uma menina que vê os seus pais divorciarem muito cedo e cresce sob a proteção da mãe. Aos dezenove anos, ela consegue uma vaga no curso de Jornalismo na conceituada universidade de Harvard. Porém Lizzie acaba entrando em profunda depressão e se dedica a noites incansáveis de trabalho, sempre regadas de drogas e bebidas. Sua instabilidade emocional afasta seus entes mais queridos. Assim, ela decide procurar uma psiquiatra: Dra. Diana Sterling (Anne Heche), que lhe receita o antidepressivo Prozac

O filme me cativou na primeira cena, onde Lizzie sentada nua na cama, com feições e postura de desânimo explica um de seus dilemas:

 “Meus pais se divorciaram antes de eu fazer dois anos. E desde então, meu pai quase não participou da minha vida. E minha mãe participou demais. Ela queria corrigir todos os seus erros através de mm”.

A câmera gira entorno daquele corpo magro e quase desfalecido quando de repente, o pequeno momento de silêncio (onde Lizzie encara a câmera) é interrompido pela entrada da Senhora Wurtzel (mãe de Lizze, interpretada por Jéssica Lange).  Ela não consegue esconder o contentamento de ter uma filha bolsista em Harvard. Abre as cortinas, empacota as coisas, liga para a mãe avisando que aquele era o primeiro dia de faculdade da filha. Parecia que era ela que estava indo estudar: – educação e oportunidade: palavras que ela repete incansavelmente, reafirmando que seus desejos e perspectivas foram canalizados na filha.

Ainda que com certa frieza, Lizzie se levanta para arrumar suas coisas. No caminho para a faculdade, mãe e filha conversam sobre as perspectivas do curso de jornalismo e esse diálogo é essencial, é o recurso mais rico que o diretor utiliza para deixar claro o grau de complexidade daquela relação. Através das falas (linguagem emotiva) a mãe revela suas frustrações:

 

E pensar que na sua idade eu já era mãe e dona de casa. Eu ficava tão entediada que comprei um macaco, só para ter alguém com quem conversar. Mas aí você chegou.

Existe um momento no filme que me chamou atenção: Lizzie diz que a mãe vive tentando arrumar um namorado e sempre pergunta a filha se seus pretendes eram bons partidos. Ela conheceu de perto todos os namorados da mãe, menos o que ela mais queria: o pai. A primeira idéia que se tem é de que a mãe é uma solteirona enxuta e carente.

Na cena em que chegam na faculdade, um homem se aproxima e oferece ajuda. A mãe logo pergunta: “Você acha que ele seria um bom pai?” Logo ocorre uma pequena inversão, entende-se que mãe se culpa pela ausência da figura paterna na vida da filha e sua preocupação não é só encontrar um namorado e sim: a de encontrar um pai. Ela não é uma mãe tão má quanto em princío Lizzie nos leva a achar, se preocupa com a alimentação, higiene e educação da filha.

Quando se despedem, a Senhora Wurtzel sai chorando pelo corredor e Lizzie logo pensa: “sempre estivemos juntas, só nos duas: e minha mãe achou um jeito de se aproveitar disso.” Aquele era no imaginário de Lizzie um momento de ruptura (logo se percebe que  ela precisa da mãe muito mais do que imagina).

Na faculdade Lizzie pode ser o que não conseguiu na escola. Encontrou amigos, chamava atenção dos garotos, bebia, fumava, falava palavrões. Estava longe de casa e deixou seu desejo mais intimo aflorar: o desejo de não ser tratada como estranha (mesmo se sentindo assim). Lá ela conhece Ruby (interpretada por Michelle Williams), que se torna sua melhor amiga: “Se ela fosse homem, me casaria com ela”.  Freqüentam festas, falam sobre os mesmos filmes e músicas – a faculdade simboliza a libertação.

Um dia, passeando pela faculdade avista seu pai: era aquele, o homem que não via há cerca de quatro anos, ele estava justamente ali na sua frente, fotografando uma jovem que provavelmente possuía idade próxima a dela. “Como ele pôde nos trocar por isso?” Ela recorda de quando ainda era criança quando ele a fotografava: “Quando você vai voltar papai? Mamãe disse que se você quiser, ela quer também.” Com um enquadramento em seus olhos subtende-se que essa é uma lacuna que não foi preenchida. E assim ela mente pra si mesma: “Eu não o vejo há quatro anos, não preciso dele mais.”

Lizzie tem uma personalidade forte, mas totalmente susceptível. A sua iniciação no mundo das drogas e da bebida mostram a sua fragilidade. Na primeira vez que utiliza o ecstasy tem alucinações com Lou Reed. Imagina que ele canta pra ela. Seus olhos se enchem lágrimas. As drogas não são um caminho sem volta, mas sem dúvidas, é um caminho terrivelmente dolorido para os envolvidos e no caso representado no filme: ainda mais doloroso para a usuária.

Suas emoções são bem instáveis. Depois que ganha o prêmio de melhor aluna de jornalismo e recebe um convite de trabalho da Revista Rolling Stones, perde o rumo. Parece que tem medo de não conseguir produzir nada interessante então passa a viver disso: de escrever. Não come, não tom banho: só escreve. Gosto muito de quando ela fala: “Escrevo desde sempre, eu preciso”. Mas essa necessidade se torna tão grande, que começa a consumi-la. Ela é grossa com os amigos, não liga para a mãe.

Quando encontra-se em um cerco fechado, Lizzie é convencida a procurar a Dra. Diana Sterling. Ela se questiona inúmeras vezes se aqueles encontram realmente vão ajudá-la. Na primeira consulta, ela diz: “Eu sei que você vai dizer que tenho medo de rejeição por causa da minha relação com o meu pai. Só quero que você saiba que mesmo assim, continuo querendo me encontrar com ele”.

Há uma cena belíssima produzida por Erick Skjoldbaerg, onde ela está sentada, tentando escrever. Em um fade, aparece um disco do Lou Reed rodando e a sala onde ela se encontra, começa a rodar junto. Tomada por um desespero ela entende que teve um bloqueio: não consegue escrever. “Eu quero explicar como estou exausta. Até nos meus sonhos, eu acordo cansada.”

É ai que a Senhora Wurtzel entra novamente na história encenando uma dos diálogos do filme que mais mexeram comigo. Ela se desespera ao perceber que a filha voltou a ter depressão, começa a gritar e a chorar. Lizze recorda da infância e das discussões que a mãe tinha com o pai por telefone: Na cena, aparece a mãe gritando com o pai, enquanto ela rabiscava um desenho, fingindo não ouvir: “Eu a criei sozinha. O que você fez por ela? Eu a criei sem sua ajuda, dei alimentação, roupa, educação. Você nem veio visitá-la ou levá-la pra passear”A mãe quase quebra o telefone e de repente, solta um grito que parecia abafado há anos. Grito de cansaço, de tristeza.

Lizzie promete que vai passar o aniversário junto a mãe. Assim, a Senhora Wurtzel prepara todo um jantar e convida os pais. Mas Lizzie não parece tão animada. Antes mesmo dos seus avôs chegarem, ela bebe e rouba cigarros da mãe. Durante o jantar, a mãe tenta manter as aparências, mostrar para os pais que fez o ‘dever de casa todo e que criou uma boa filha, comenta dos prêmios que ela ganhou: faz uma propaganda da menina.

Mas Lizzie mal se senta a mesa e quando o faz, humilha a mãe. Diz que ela não chegou a ler nenhum de seus trabalhos e que por isso, não tem direito nenhum de falar sobre isso. Os avôs se assustam, perguntam se ela está se drogando. E ela diz: Sim! Eu uso drogas. Depois, adormece no sofá.

A mãe está acabada, ainda assim, cobre e faz um carinho na filha. Em Off, Lizzie diz algo emocionante: ‘Mãe, me desculpe. Me ajude. Eu sei que eu não tenho o direito de me comportar assim.  “Sonhei que tinha dito o contrário do que saiu da minha boca.” Quando se encontram pela manhã o embate acontece.

Lizzie diz que a mãe não paga as suas contas. Isso choca tanto a Senhora Wurtzel que ela pega todas as contas que paga para a consulta da filha e mostra os papéis acumulados. Com os olhos arregalados, revela que está exausta de tanto trabalho extra, só para manter o tratamento de Lizzie. A menina, depois que cai na real chora sem parar, sentindo-se naturalmente culpada.

A trama sofre algumas alterações. Lizzie começa um namoro e mostra ainda mais o seu descontrole emocional. Liga para o namorado sem parar, vai a seu encontro (mesmo quando ele pede um tempo). Ela fica devastada, aquele término de relação faz com que se sinta péssima – ela não sabe (ou simplesmente não consegue) controlar seu ciúme. É aí que a Dra Diana Sterling entra com o Prozac.

Quando a Senhora Wurtzel vai visitar a filha no hospital, acaba sendo assaltada. Leva socos e pontapés no rosto, tem o braço machucado e fica internada. A situação das duas  se inverte mais uma vez. “E assustador pensar que alguém precisa de mim”. Quem já esteve em uma situação como essa, com um pai ou uma mãe internado, deve entender que realmente é assustador. Falando agora por mim: parece que não vai se dar conta, que parte de você fica ali fingindo agüentar quando a outra, quer mergulhar a cabeça no travesseiro e chorar.

Lizzie não é uma má pessoa, apenas não aprendeu a controlar seus sentimentos (ou não consegue). Sua mãe, no final das contas é uma heroína: Está ali para segurar a filha a todo o momento, não se importando em como fazê-lo.

Acho que não preciso escrever mais nada (e acredite, eu ainda teria muito mais o que falar – às vezes eu não consigo deixar de ser prolixa). Na verdade, foquei na relação entre mãe e filha, na complexidade desse amor – foi onde o filme mais me tocou. Termino o Post então, com uma fala que a Senhora Wurtzel emite para a filha, quando as conversam na mesa da sala sobre o fim do namoro de Lizzie.

Quando seu pai me deixou

Você me trouxe de volta a vida.

Você precisava de mim

Você era tudo pra mim.

Confira o trailer: