Viva Elis

Com a correria do novo emprego e com as vésperas de provas na faculdade, acabei sumindo do La Amora. Não foi de propósito, eu juro. Acho até que isso vai acontecer outras vezes porque o meu cotidiano anda me consumindo muito: graças a Deus.  Mas hoje, entre uma matéria e outra feita para a TV, tentei conseguir um tempo para escrever sobre a experiência maravilhosa que tive. Deixei minha chefe acreditar que estava fazendo uma matéria só pra falar sobre a exposição que chegou hoje a Belo Horizonte, no Palácio das Artes da minha cantora favorita: Elis Regina.

O projeto Viva Elis, promovido pela Nívea já não é uma novidade para os fãs da cantora.  Mas eu confesso que eu não me agüentava mais de vontade de ver as imagens, os vídeos e os áudios que trazem uma retrospectiva da carreira dela. Fiquei sabendo que a exposição vinha para Belo Horizonte em Abril e desde aí, não consigo me segurar de tanta vontade.

A mostra passou por várias cidades, dentre elas: São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Fico feliz que tenha chegado até aqui. BH nunca foi um pólo cultural (já perdemos boas peças por isso). Em São Paulo, a exposição recebeu cerca de 200 mil visitas e acho que Belo Horizonte não vai ficar atrás. O engraçado foi que ontem à noite, eu pensava: eu quero ser a primeira a entrar na exposição. Uma pena, não deu… fui a décima.

Acontece que hoje eu respirei Elis e nada vai me tirar do sério até o final do dia (nem mesmo saber que minha pauta caiu). Quando eu sai da faculdade, as pressas para chegar no centro de BH e ver a exposição, me deparei com uma foto da Elis na capa do Jornal O Tempo, já é meu costume comprar, mas hoje comprei com ainda mais gosto.

No texto, o jornalista Daniel Toledo que assina pela matéria comenta uma passagem no mínimo interessante: “Foi sentada como um índio – e não com as pernas elegantemente cruzadas – que a cantora Elis Regina concedeu uma entrevista na televisão, ao vivo. Por conta desse detalhe, alguns espectadores da emissora que transmitia a atração ligaram à produção do programa, pedindo que a cantora se portasse de modo menos agressivo. Com a presença de espírito que lhe era costumeira, Elis aproveitou a deixa para falar sobre os modos de índios, hindus, budistas e cristãos, reivindicando antes de qualquer outra coisa, o direito de se sentar como queria.”

Pronto, já não precisa dizer mais nada. Gosto da Elis Regina desde que me entendo por gente e se tem um motivo pra isso são esses três aspectos: a voz, as musicas que escolhia e a personalidade. Estava lembrando hoje de quando a professora de artes pediu para que os alunos interpretassem seus ídolos. Lembro-me que três meninas se vestiram de Ana Maria Braga (acho que era estouro na época). Eu: cantei Arrastão.

Eu cheguei esbaforida na exposição, porque (talvez pela ansiedade) acabei descendo no ponto errado. – acontece. E na medida em que eu ia entrando, me emocionava ainda mais. Vi fotos de Elis pequena, de Elis aos quinze, vinte anos. Fiquei sentada, vendo aquele vídeo maravilhoso em que ela canta “Cinema Olympia” de Caetano e me deslumbrei  com as réplicas das roupas que ela usou no show Transversal.

Sabe, eu fiquei não surpresa, mas extasiada. E eu estava tão satisfeita de encontrar outras pessoas, que assim como eu, adoram Elis e gostam da música, do trabalho dela. E de saber que ela desperta curiosidade nas pessoas: alguns ali nem sabiam quem eram Elis e foram para ouvi-la, para conhecê-la.

O mais engraçado é que quando eu fui almoçar fiquei pensando: como seria se Elis Regina estivesse viva. O que ela acharia das redes sociais, de Lady Gaga. O que ela diria sobre os Biossenssores, sobre a primeira mulher a ser presidente, sobre o casamento gay ou sobre o Obama e coisa e tal. E fiquei me perguntando o que seria Elis viva, o que fariam com ela (e dela). Será que ela se tornaria um Milton ou uma Maria Bethânia, endeusados pela mídia mas em linhas completamente alternativas. Uma velha linda e louca como a Rita Lee ou uma piada pronta como a Vanusa (eu adoro a Vanusa, mas tem hora que ela vira piada pronta, não tem jeito).

Então, de fato: a morte de Elis contribuiu para a construção do mito. Assim com Cássia Eller ou John Lennon (claro, que cada um com suas próprias dimensões). – Não há nada de novo no que eu estou falando não é? Sei lá, só que eu penso muito nisso sabe. Será que uma hora ela iria desandar como aconteceu com Wilson Simonal? Que morreu completamente no limbo? – Bom… na história não se cabe suposições:  Foi ou não foi. E no caso da Élice (como era carinhosamente chamada), foi assim e pronto.

Caramba, olha só o que virou esse post!. Me desculpem, acho que estou cansada e por isso só estou escrevendo asneiras. Bom… pelo menos, confiram as fotos:

Delicatessen

(Hilda Hilst)

Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, ”tá quentinho, comprei agora”. Conversamos uns quinze minutos, era a hora do almoço, parecia tão meiga, convidei-a para almoçar, agradeceu muito, disse-me que eu era sua ”ídala”, mas ia almoçar com alguém e não podia perder esse almoço. Alguém especial?, perguntei. Respondeu nítida: ”pé-de-porco”. Não entendi. Como? ”Adoro pé-de-porco, pé-de-boi também”. Ahn… interessante, respondi. E ela se foi apressada no seu Fusquinha. Não sei por que não perguntei se ela gostava também de cu de leão. Enfim, fiquei pasma. Surpresas logo de manhã.

Olga, uma querida amiga passando alguns dias aqui conosco, me diz: pois você sabe que me trouxeram uma noite um pé-perna de porco, todo recheado de inverossímeis, como uma delicadeza para o jantar? Parecia uma bota. Do demo, naturalmente. E lendo uma entrevista com W. H. Auden, um inglês muito sofisticado, o entrevistador pergunta-lhe: ”O que aconteceu com seus gatos?” Resposta: ”Tivemos que matá-los, pois nossa governanta faleceu”. Auden também gostava de miolo, língua, dobradinha, chouriços e achava que ”bife” era uma coisa para as classes mais baixas, ”de um mau gosto terrível”, ele enfatiza. E um outro cara que eu conheci, todo tímido, parecia sempre um urso triste, também gostava de poesia… Uma tarde veio se despedir, ia morar em Minas… Perguntei: ”E todos aqueles gatos de que você gostava tanto?” Resposta: ”Tive de matá-los”. ”Mas por quê?!” Resposta: ”Porque gatos gostam da casa e a dona que comprou minha casa não queria os gatos”. ”Você não podia soltá-los em algum lugar, tentar dar alguns?” Olhou-me aparvalhado: ”Mas onde? Pra quem?” ”E como você os matou?” ”A pauladas”, respondeu tranqüilo, como se tivesse dado uma morte feliz a todos eles. E por aí a gente pode ir, ao infinito. Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin(?????) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz? A gente nunca sabe nada sobre o outro. E aquele lá de cima, o Incognoscível, em que centésima carreira de pó cintilante sua bela narina se encontrava quando teve a idéia de criar criaturas e juntá-las? Oscar, traga os meus sais.