Crimes do Coração

Na minha ânsia de assistir os filmes de Jessica Lange e correr para comentar no LA AMORA, vi o trailer de “Crimes do Coração” de 1986 pelo Youtube. Em um dos comentários diziam: “Fuja dos filmes dirigidos por Bruce Beresford”. Bom, foi uma pena não ter dado ouvidos ao comentário – não vou generalizar, até porque não vi outro filme de Beresford (nem mesmo Conduzindo Miss Daisy – mas digo com toda veemência que “Crimes do Coração” é um filme mediano.

Crimes do Coração

Antes mesmo de toda essa história de gostar da atriz, esse era um dos filmes que estavam na minha lista. Sempre achei que um longa que junta Jessica Lange, Sissy Spacek e Diane Keaton teria todas as disposições para se tornar um clássico, principalmente por apresentar a possibilidade mais sublime de dramatização.

A história em si é bem interessante e o roteiro (ainda que fraco) possui pontos que chamam a atenção: o problema é o resultado, a junção que não deu certo – ficou inacabado, com um ar de quero mais. Em suma, a sensação que tive no final foi de que perdi meu tempo. A história é a seguinte:

“Lennora Josephine Magrath (Diane Keaton), Margaret Magrath (Jessica Lange) e Rebeca Magrath Botrelle (Sissy Spacek) são irmãs com personalidades e modos de vida bem diferentes. Elas se reúnem quando a mais jovem, Rebeca, atirou no marido dela, Zackery (Beeson Carroll). A irmã mais velha, Lennora, cuida do avô delas e está se transformando em uma empregada, enquanto Margaret tenta fazer carreira em Hollywood como atriz e cantora e teve uma vida intensa, preenchida por muitos homens. O encontro delas causa muita alegria, mas também muitas tensões.”

Algumas coisas vão se encaixando ainda que vagarosamente. Aos poucos você entende que o comportamento agressivo de Margaret é reflexo do trauma profundo que sentiu ao encontrar a mãe morta (enforcada, junto com um gato amarelo).  E que essa morte provocou marcas em todas as três, mas de formas e intensidades bem diferentes. É absolutamente normal que a personalidade das três sejam diferentes, afinal: são idades e perspectivas distintas.  As atuações são ótimas, um aplauso especial para Keaton.

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Desde que vi “O Clube das Desquitadas” ligo Diane Keaton a uma mulher tímida, insegura e problemática: parece que essas características ficaram tão marcadas que se repetiram inúmeras vezes na carreira dela.  Ok, Lennora veio bem antes do Clube, mas ela guarda os mesmos resquícios e para mim é uma das personagens mais interessantes. Por que ficou em casa cuidando do avô? Por que não namora? Lennora tem uma solidão que esvai pelos olhos, se refugia nas velhas manias da avó de cuidar do jardim. {Talvez} Por ser a mais velha, poderia ser o ponto de equilíbrio da família, mas diante das situações: está muito longe disso.

 Só não me digam, por favor, que esse é um “drama feminista” (foi o que eu li no Filmow e discordo bastante). Conta a história de mulheres, mas não é um longa feminista. Ele retrata uma mulher desiludida com a vida porque não casou, outra que é infiel (e que merece ir a cadeia) porque tentou matar o marido e depois foi fazer limonada e de outra que é uma mulher linda, porra-louca e que encanta os homens e depois os abandona. Durante todo o filme, o diretor nos dá motivo para culpá-las, entende?

Se me permitem uma última observação, fiquei surpresa em um dos momentos do filme. Rebeca conta para a irmã mais velha que traiu o marido com jovem de 15 anos. A resposta de Margaret é tão surpreendente que quase me fez cair da cadeira: “Mas ele é negro! Já pensou no que isso pode representar para você?” Na boa, eu achei que ela diria: Ele é menor de idade, isso é pedofilia! hahaha… Mas não, a reação foi totalmente diferente.

O Pediatra

Nelson Rodrigues

O PEDIATRA , NELSON
Saiu do telefone e anunciou para todo o escritório:

— Topou! Topou!

Foi envolvido, cercado por três ou quatro companheiros. O Meireles cutuca:

— Batata?

Menezes abre o colarinho: — “Batatíssima!”. Outro insiste:

— Vale? Justifica?

Fez um escândalo:

— Se vale? Se justifica? Ó rapaz! É a melhor mulher do Rio de Janeiro! Casada e te digo mais: séria pra chuchu!

Alguém insinuou: — “Séria e trai o marido?”. Então, o Menezes improvisou um comício em defesa da bem-amada:

— Rapaz! Gosta de mim, entende? De mais a mais, escuta: o marido é uma fera! O marido é uma besta!

Ao lado, o Meireles, impressionado, rosna:

— Você dá sorte com mulher! Como você nunca vi! — E repetia, ralado de inveja: — Você tem uma estrela miserável!


O AMOR IMORTAL


Há três ou quatro semanas que o Menezes falava num novo amor imortal. Contava, para os companheiros embasbacados: — “Mulher de um pediatra, mas olha: — um colosso! “. Queriam saber: — “Topa ou não topa?”. Esfregava as mãos, radiante:

— Estou dando em cima, salivando. Está indo.

Todas as manhãs, quando o Menezes pisava no escritório, os companheiros o recebiam com a pergunta: — “E a cara?”. Tirando o paletó, feliz da vida, respondia:

— Está quase. Ontem, falamos no telefone quatro horas! Os colegas pasmavam para esse desperdício: – “Isso não é mais cantada, é …E o vento levou”. Meireles sustentava o princípio que nem a Ava Gardner, nem a Cleópatra justificam quatro horas de telefone. Menezes protestava:

— Essa vale! Vale, sim senhor! Perfeitamente, vale! E, além disso, nunca fez isso! É de uma fidelidade mórbida! Compreendeu? Doentia!

E ele, que tinha filhos naturais em vários bairros do Rio de Janeiro, abandonara todos os outros casos e dava plena e total exclusividade à esposa do pediatra. Abria o coração no escritório:

— Sempre tive a tara da mulher séria! Só acho graça em mulher séria!

Finalmente, após quarenta e cinco dias de telefonemas desvairados, eis que a moça capitula. Toda a firma exulta. E o Menezes, passando o lenço no suor da testa, admitia: — “Custou, puxa vida! Nunca uma mulher me resistiu tanto!”. E, súbito, o Menezes bate na testa:

— É mesmo! Está faltando um detalhe! O apartamento! Agarra o Meireles pelo braço: — “Tu emprestas o teu?”. O outro tem um repelão pânico:

— Você é besta, rapaz! Minha mãe mora lá! Sossega o periquito!

Mas o Menezes era teimoso. Argumenta:

— Escuta, escuta! Deixa eu falar. A moça é séria. Séria pra burro. Nunca vi tanta virtude na minha vida. E eu não posso levar para uma baiúca. Tem que ser,olha: — apartamento residencial e familiar. É um favor de mãe pra filho caçula.

O outro reagia: — “E minha mãe? Mora lá, rapaz!”. Durante umas duas horas, pediu por tudo:

— Só essa vez. Faz o seguinte: — manda a tua mãe dar uma volta. Eu passo lá duas horas no máximo!

Tanto insistiu que, finalmente, o amigo bufa:

— Vá lá! Mas escuta: — pela primeira e última vez! Aperta a mão do companheiro:

— És uma mãe!


DECISÃO


Pouco depois, Menezes ligava para o ser amado: — Arranjei um apartamento genial.

Do outro lado, aflita, ela queria saber tudinho: “Mas é como, hein?”. Febril de desejo, deu todas as explicações: — “Um edifício residencial, na rua Voluntários. Inclusive, mora lá a mãe de um amigo. Do apartamento, ouve-se a algazarra das crianças”. Ela, que se chamava Ieda, suspira:

— Tenho medo! Tenho medo!

Ficou tudo combinado para o dia seguinte, às quatro da tarde. No escritório, perguntaram:

— E o pediatra?

Menezes chegou a tomar um susto. De tanto desejar a mulher, esquecera completamente o marido. E havia qualquer coisa de pungente, de tocante, na especialidade do traído, do enganado. Fosse médico de nariz e garganta, ou simplesmente de clínica geral, ou tisiólogo, vá lá. Mas pediatra! O próprio Menezes pensava: — “Enquanto o desgraçado trata de criancinhas, é passado pra trás!”. E, por um momento, ele teve remorso de fazer aquele papel com um pediatra. Na manhã seguinte, com a conivência de todo o escritório, não foi ao trabalho. Os colegas fizeram apenas uma exigência: — que ele contasse tudo, todas as reações da moça. Ele queria se concentrar para a tarde de amor. Tomou, como diria mais tarde, textualmente, “um banho de Cleópatra”. A mãe, que era uma santa, emprestou-lhe o perfume. Cerca do meio-dia, já pronto e de branco, cheiroso como um bebê, liga para o Meireles:

— Como é? Combinaste tudo com a velha?

— Combinei. Mamãe vai passar a tarde em Realengo. Menezes trata de almoçar. “Preciso me alimentar bem”, era o que pensava. Comeu e reforçou o almoço com uma gemada. Antes de sair de casa, ligou para Ieda:

— Meu amor, escuta. Vou pra lá. E ela:

— Já?

Explica:

— Tenho que chegar primeiro. E olha: vou deixar a porta apenas encostada. Você chega e empurra. Não precisa bater. Basta empurrar.

Geme: — “Estou nervosíssima!”.

E ele, com o coração aos pinotes:

— Um beijo bem molhado nesta boquinha.

— Pra ti também.


ESPANTO


Às três e meia, ele estava no apartamento, fumando um cigarro atrás do outro. Às quatro, estava junto à porta, esperando. Ieda só apareceu às quatro e meia. Ela põe a bolsa em cima da mesa e vai explicando:

— Demorei porque meu marido se atrasou.

Menezes não entende: — “Teu marido?”, e ela:

— Ele veio me trazer e se atrasou. Meu filho, vamos que eu não posso ficar mais de meia hora. Meu marido está lá embaixo, esperando.

Assombrado, puxa a pequena: — “Escuta aqui. Teu marido? Que negócio é esse? Está lá embaixo! Diz pra mim: — teu marido sabe?”. Ela começou:

— Desabotoa aqui nas costas. Meu marido sabe, sim. Desabotoa. Sabe, claro.

Desatinado, apertava a cabeça entre as mãos: — “Não é possível! Não pode ser! Ou é piada tua?”. Já impaciente, Ieda teve de levá-lo até a janela. Ele olha e vê, embaixo, obeso e careca, o pediatra. Desesperado, Menezes gagueja: — “Quer dizer que…”. E, continua: “Olha aqui. Acho melhor a gente desistir. Melhor, entende? Não convém. Assim não quero”.

Então, aquela moça bonita, de seio farto, estende a mão:

— Dois mil cruzeiros. É quanto cobra o meu marido. Meu marido é quem trata dos preços. Dois mil cruzeiros.

Menezes desatou a chorar.


O texto acima foi extraído do livro “
A vida como ela é…”, Companhia das Letras- São Paulo, 1992, pág. 12.

um fim de semana qualquer…

Só um comentário sobre o meu fim de semana:

Nem todo mundo gosta de conversar de cinema comigo, sou bem chata na maioria das vezes. Ou me empolgo demais por alguma coisa ou faço o inferno por outra que não gosto. Num desses dias, conversei com uma amiga do emprego sobre uma das funções do cinema: ENTRETENIMENTO.  De qualquer forma, eu não consegui discordar do que ela dizia por que tinha toda a razão quando falava que o cinema não serve só para provocar reflexões sobre algum tema complexo. Tive que concordar que é muito bom ir ao cinema descompromissado, sentar e ver um filme qualquer que te faça esquecer por alguns minutos os problemas da vida.

No final das conAmanhercertas, a conversa chegou exatamente ao ponto em que ela queria: Amanhecer (aquele de vampiros com Kristen Stewart e Edward Cullen). Fã incondicional da série, falava com a boca cheia da beleza e do romantismo entre dois vampiros. Minha língua coçava para dizer que a percepção que eu tenho de vampiro é bem diferente. Algo próximo a Nosferatu ou Lestat… Na verdade não tive nem tempo de indicar um dos meus  favoritos sobre o tema: “Fome de Viver” (com Susan Sarandon e Catherine Deneuve).

Naquele dia fiquei sabendo de toda a história, do começo ao fim. Não vou esconder: já li o primeiro livro por indicação de um ex-namorado. Mas não era o que eu gostava, não mesmo. Saí do emprego, resmungando comigo: Como é que essa mulher perde esse tempo com essas bobeiras? Pensei em voltar inúmeras vezes para falar que existe filmes melhores do que aquele (e todas aquelas coisas que a gente faz, quando tem certeza que esta certo).

Fila no Shopping Cidade para ver Amanhecer.
Fila no Shopping Cidade para ver Amanhecer.

Acontece que no final de semana passado, saí com algumas amigas e todas elas resolveram que queriam ver o tal filme dos vampiros. Eu não iria e nem poderia ser desagradável num momento tão gostoso daquele. “O que importa é a companhia”, pensei. E fui para a sala de cinema. O que vi, foi uma fila subindo as escadas, as pessoas entupiam o lugar de espera justamente para ver o mesmo filme que eu.

Comecei a ver o filme com as mãos na bochecha mostrando todo o meu tédio de estar ali. Tudo bem que Amanhecer peca em alguns quesitos: um bebê computadorizado, vampiras brasileiras desconectas (e toda aquela coisa).  Mas o filme foi segurando a minha atenção: não conseguia nem piscar na hora da luta final e achei um máximo a jogada da autora.  Quer dizer, no fim da conta: não saí fã da Saga Crepúsculo, mas imensamente satisfeita em ENTRETER o meu domingo.  E saí, me sentindo um pouco culpada, quer dizer: Por quê não? Porque julgar antes de conhecer né?