Não sei por que, mas nunca fui muito fã dos filmes de Woody Allen. Dois deles em especial me pareceram muito bons. São justamente os que foram classificados pelos críticos como filmes trágicos, produções que vão em contraponto ao costume de Allen conhecido por realizar comédias românticas e satíricas.
O primeiro é “A outra”, filme de 1988 estrelado por Mia Farrow e Gena Rowlands. O segundo, “Setembro” de 1987. Desde que assisti “A estranha vida de Timothy Green” senti uma vontade imensa de rever os filmes com a Dianne Wiest e por isso, não tive como fugir de Woody Allen. Comprei doze de seus filmes sendo que cinco deles são do diretor.

Comecei ontem por “Setembro”. Ironicamente, o filme que me encantou pela proposta cenográfica e pelos diálogos é um dos mais rejeitados e esquecidos. Setembro traz Mia Farrow como Lane, uma mulher emocionalmente fragilizada que não consegue se livrar das marcas dolorosas do passado. Lane sofre um colapso emocional e decide se mudar para a casa onde passou a maior parte da infância.
Lá ela conhece e começa a se relacionar com Peter (Sam Waterston), um escritor em crise. Toda a história se passa dentro da casa da mãe de Lane que também é ambientada por Stephanie (Dianne Wiest), melhor amiga de Lane, Howard (Denholm Elliott) um velho professor aposentado, Diane (Elaine Stritch) mãe de Lane e Lloyd (Jack Warde), seu namorado.
Gostei do filme porque é melancólico, mas com um tom realista. Os diálogos são tão teatrais quanto literários e a previsibilidade não é, de forma alguma, um ponto negativo. Allen trabalha bem os conflitos humanos e representa a realidade crua, sem floreamentos. É interessante como ele cria uma teia de relacionamento entre os personagens que quase transborda pela tela. Lane está tão emocionalmente frágil quanto às outras pessoas daquela casa, o problema é que ela se esvai enquanto eles se reprimem.
Há três vertentes importantes no filme, a primeira é o relacionamento entre Lane e Diane. Depois de abandonar o marido, Diane começou a se relacionar com um “bandido”. O homem era um alcoólatra e constantemente batia nela. Após presenciar toda aquela situação doentia que envolvia a mãe, Lane (aos quatorze anos) decide matá-lo. Desde então, sua vida não foi a mesma.
Todo o sentimento de culpa é ainda agravado por uma sensação constante: Lane chegou aos cinquenta anos e não teve uma vida de sucesso. Diante desse turbilhão de emoções, a presença da mãe a incomoda cada vez mais. Diane, por outro lado, parece não se importar tanto com a dor da filha. Seu maior aborrecimento é a velhice, sente-se como uma jovem de 21 anos aprisionada no corpo de uma idosa.

A segunda é a relação entre Peter e Stephie. Peter manteve um relacionamento com Lane, deixando-a completamente apaixonada. Mas a chegada de Stephie muda a situação. Peter se encanta por Stephie e passa a assediá-la. Ela, por outro lado, é uma mulher casada e com filhos e se esquiva de Peter o tempo todo, principalmente porque Lane, sua melhor amiga, se apaixonou por ele.
Achei belíssima a forma em que Stephie foi se entregando a Peter. Após uma discussão acalorada com o marido pelo telefone, Peter a procura e ela veemente se nega a sair com ele, até que de repente, fecha a porta e o beija.
Desde então, os dois passam a se encontrar escondido. Peter propõe que fujam juntos para Paris. Apesar de toda paixão, Stephie sabe que não consegue abandonar os filhos e o marido. Quando os dois são descobertos por Lane, Stephie confessa que sabia do interesse de Peter e que o alimentava. Ela ficou encantada por sua inteligência e queria se sentir desejada.
O problema é que Stephie se apaixonou de verdade e ficou atraída pela enorme fragilidade do escritor. Peter, por outro lado, também confessa que só namorou Lane porque estava inseguro, precisava de alguém que o estimulasse a escrever o livro. Os três acabam submersos por uma destrutiva teia de paixão e manipulação.
A terceira vertente é o sentimento não correspondido que Howard, o professor aposentado, nutre por Lane. Howard se apaixonou cegamente por ela, mas tinha medo de se declarar porque não queria fragilizá-la ainda mais. Mas Lane não sente nada, simplesmente nada. Ele chega a perguntar se a idade a incomoda já que é mais velho do que ela. Lane explica que não é isso, o problema é que está apaixonada por outra pessoa: Peter.
Toda a ação acontece tendo como pano de fundo muita dor, desejo, decepção e medo. A decisão de Lane de vender a casa faz daquele momento o único e o último entre aquelas pessoas. Mas apesar de todo o drama, de toda angústia que sentem, não há como parar de viver. Como Stephie diria: Setembro está chegando e é preciso seguir em frente, manter-se ocupada te fará esquecer os problemas.