It’s a man’s world

O título da publicação é sugestivo mas refere-se ao filme que vi na semana passada com a Dianne Wiest e Whoopi Goldberg. “O sócio” (1996, dirigido por Donald Petrie ) é uma adaptação da produção francesa de 1979, “L’Associé” que conta a história de Laurel Ayres, uma mulher imagesnegra especialista em mercado financeiro que apesar do talento, não consegue ascender na carreira. Depois de perder um cargo importante para um colega golpista e menos competente que ela, Laurel pede demissão e decide abrir uma empresa e para isso, recebe ajuda de Sally (Wiest), uma super secretária.  Mesmo com tanto talento e dedicação, Laurel não consegue encontrar um sócio para sua empresa (primeiro porque ela é mulher e segundo porque é negra). A empresária então, decide inventar um sócio (um homem, mais velho e branco) que lhe garante visibilidade aos negócios, mas que lhe traz sérios problemas.

Há dois aspectos que me chamaram atenção logo no início do filme. A música ‘It’s a man’s world, criada e mundialmente conhecida na voz do James Brown é cantada por uma mulher. Outro ponto interessante é que o trabalho gráfico da abertura é uma referência aos monitores de computador de fósforo verde. É engraçado ver todo aquele aparelhamento, que provavelmente na época eram de última geração e que hoje estão totalmente ultrapassados. Os computadores ainda tinham aquelas letrinhas verdes subindo pela tela e os celulares eram enormes.

 DiannewiestO filme é leve e carrega alguns clichês, mas nada que comprometa o efeito surpresa da trama. Logo no início, acompanhamos o desgaste que Laurel enfrenta para conseguir um acordo com sócios importantes da empresa para a qual trabalha. Ironicamente, seu colega de trabalho, burla as regras e leva o mérito de ter conseguido novos parceiros. Há uma conversa interessante que acontece quando Laurel vai atrás dele e pergunta qual foi o motivo de tê-la passado para trás. Ele então responde: “Você nunca seria vice-presidente e sabe muito bem porque”. É nesse momento que Laurel se demite da empresa e resolve abrir seu próprio negócio. Outro aspecto interessante é que, desde a primeira cena, Sally está presente na tela. No entanto, sua figura é tão secundária que ela aparece de relance, com poucas falas, arrumando as mesas ou a gravata do chefe. Ninguém lhe dá o devido valor ali, nem mesmo Laurel.

Laurel abre a empresa e encontra conflitos usuais. Ninguém quer ser seu sócio, independente da sua capacidade. Tudo porque ela não possui nome, ou seja, não é conhecida na área. Inesperadamente, Laurel recebe uma visita de Sally. Ela tenta fingir que está tudo sobre controle, mas Sally logo percebe o problema da colega. Ainda descrente que Sally poderia ajudá-la, Laurel pede que Sally vá embora. A secretária então diz: “O feminismo ainda não chegou em Wall Street”. Sally liga para uma amiga, a secretária de um importante empresário e consegue marcar um horário para Laurel com ele. Só então Laurel percebe o valor da doce secretária e então a convida para trabalhar com ela.

o sócioOutra passagem que eu gosto muito no filme acontece quando Laurel chega em casa devastada pelo insucesso da primeira tentativa da empresa. Sua vizinha bate em sua porta e pergunta: “Você tem sua carreira, mas quando chega em casa o que tem?” e Laurel responde: eu tenho Independência. Mas para isso ela teve que mentir: teve que dizer que sua empresa também é administrada por um homem (que não existe) chamado “Cuty”. Sua credibilidade agora depende dele e ela passa a burlar os encontros, fingindo que o Senhor Cuty está viajando ou que ele tem pavor de ser visto publicamente. Enquanto acompanhamos o crescimento da sua empresa, o colega de Laurel (aquele que a passou para trás) começa a enfrentar problemas no serviço. Na teoria ele é um ótimo especialista, mas na prática, não dá conta.

Como todo bom filme de comédia dos anos 90, O Sócio tem lá seus clichês. O primeiro e inevitável é a secretária gostosa que dorme com os homens por interesse. “Querem levar a gente pra cama e essa é a nossa força”.  O outro é a jornalista interesseira e irresponsável que não mede esforços para conseguir uma entrevista com o senhor Cuty. “Para escrever sobre a Laurel, a imprensa precisa conhecer o Cuty”

WhoopidiannewiestLaurel faz de tudo para esconder a inexistência do Cuty, mas a situação fica da vez mais insustentável. Ela descobre que Sally já sabia que Cuty era uma invenção e então conta com a sua ajuda para forjar a morte do sócio. As duas (em uma cena divertida e surreal) colocam uma caveira de mentira em um carro com um explosivo. O feitiço acaba virando contra o feiticeiro e elas são acusadas de matá-lo.

Brilhantemente, para fugir das acusações, Laurel resolve dar vida a Cuty e se traveste de um homem branco. Sem duvidas, seu surgimento é um dos momentos mais agradáveis da trama. Há uma premiação que acontece em um clube onde só é permitida a entrada de homens. Laurel entra no clube, mas ninguém a reconhece. O grande vencedor do premio é o Senhor Cuty e ela, sem pensar duas vezes, vai recebê-lo. Já no inicio do discurso ela diz uma frase que me agrada muito: “O termo exclusivo significa excluir”. Outra coisa que eu gosto muito é que no bar, todos os garçons são negros e são eles que começam a aplaudi-la.

Ficha técnica:

O Sócio / The Associate
Direção: Donald Petrie
Elenco: Whoopi Goldberg, Dianne Wiest e Eli Wallach
Gênero: Comédia
Duração: 108 min.

Whoppi Goldberg totalmente travestida e irreconhecível como Cuty,
Whoppi Goldberg totalmente travestida e irreconhecível como Cuty,

Dias melhores virão

dias-melhores-virao-291Infelizmente não estou familiarizada com produções nacionais da década de 80. Há aspectos técnicos e contextuais que desconheço. Ainda assim, gostaria de comentar um pouco sobre o filme que revi na noite passada e que como sei, foi importante para o fortalecimento da identidade do cinema brasileiro.

“Dias melhores virão”, de 1989, é um filme dirigido por Cacá Dieguez – que traz Marília Pêra, José Wilker, Lília Cabral, Zezé Motta, Rita Lee e Paulo José no elenco. Na história, acompanhamos o cotidiano de Marynalva Matos (Pêra), uma dubladora que sonha em ser atriz de Hollywood. Apesar dos figurinos vibrantes e de uma aparente alegria, Marynalva ou Mary, como prefere ser chamada, é uma mulher marcada por uma vida solitária e infeliz.

Mary transfere seus profundos desejos (e fantasias) para os personagens e para as histórias dos filmes americanos que dubla. Como cortina, conhecemos os pequenos dramas dos colegas (também dubladores) que trabalham com Marinalva, entre eles Dalila (Zezé Motta), uma mulher negra que mora um senhor de idade maluco e que, ao contrário da personagem principal, é extremamente realística.

País vagabundo, povo fodido:

Dias melhores virãoPeço desculpas pelo subtítulo, mas é que não consegui pensar em outro mais adequado. “Dias melhores virão”, apesar de ser extremamente caricato, carrega consigo o que o brasileiro sentia no início dos anos 90 (e que de alguma forma, ainda sente). Marynalva é pobre, vive no subúrbio, toma sua cervejinha no final de semana e vive como amante de um homem, que nunca abandonará a mulher para ficar com ela. Para Marynalva, não há nada mais bonito do que a língua inglesa e seu sonho, é igualar-se à estrelas do cinema americano. Aliás, Marynalva não é nome de estrela, por isso, ela troca decide mudá-lo para Mary Matos.

Sua vizinha Dalila é negra, pobre e trabalha duro para conseguir sobreviver (ela brinca várias vezes que não pode ser vista pela polícia conversando com um branco porque será confundida com bandido). Sua outra colega trabalha vendendo rendas para ter umDias melhores virão Rita Lee dinheiro extra no final do mês. Pompeu (Paulo José) é um cineasta sem sucesso que nunca conseguiu verba para realizar um filme.

Como todo mundo sabe, a autoestima do brasileiro estava baixa, não tinha dinheiro, nem confiança e tudo que era vinha do estrangeiro, era melhor. O próprio titulo do longa é muito sugestivo: ‘Dias melhores virão’, uma síntese do próprio país (um país do futuro, uma promessa – que nunca se concretiza).

A trama inicia-se com a chegada de um rolo de filme americano muito aguardado pelos personagens. Através de um flashback, entendemos porque aquele filme é tão esperado. Voltamos então no tempo e conhecemos a história de Marynalva que já no primeiro dia de trabalho, mostra-se encantada com o seriado pelo qual foi contratada para dublar. Na tela, uma Rita Lee quase irreconhecível, falando em inglês é apresentada como uma atriz que estrela uma série americana (ao estilo I Love Lucy).

Gosto especialmente da interpretação de Zezé Motta, que me passa uma honestidade muito grande e que se contrapõe a excentricidade de Marília Pêra. (não que essa excentricidade seja ruim). Na trama, Dalila recebe inúmeras cartas de um gringo que se apaixonou por ela quando esteve no Brasil durante o carnaval. Ele a pede em casamento e sugere que ela vá morar com ele no México. Como Dalila não fala inglês é Marynalva que traduz todas as suas cartas. A decepção de Marynalva a ver o sucesso da vida amorosa da amiga é evidente (e paradoxalmente engraçada).

A vida amorosa de Marynalva foi um desastre desde muito cedo. A personagem vive assombrada pela imagem de Gabriel, seu primeiro namorado. Ela conta a história que quando tinha dezesseis anos, os dois saíram de um baile e após uma boa transa, Gabriel queria se exibir para ela em sua moto. O rapaz não viu o caminhão de lixo se aproximar, sofreu um acidente e morreu na hora.  Marynalva se afogou em um mundo depressivo e decidiu não sair mais do apartamento, vivia lendo revistas e vendo TV.

Pompeu se apaixona imediatamente por Marynalva e divide com ela todos os seus sonhos. Ironicamente, Marynalva não nutre o mesmo amor por ele e o usa para espionar o amante.

Deboche e Plasticidade:

Há uma cena muito divertida em que Mary chega em casa, depois de um dia de trabalho, liga a TV e começa a assistir uma entrevista do Daniel Filho, falando sobre a situação do cinema brasileiro. A personagem observa um pouco a tela e depois faz uma careta, debochando das nossas produções. E não é que somos nós? De alguma forma, descrentes no cinema nacional?

Marilia pERAO longa é todo muito plastificado o que evidencia uma intencionalidade, exemplo é que quando Mary caminha para chegar em casa, é usual o surgimento de um morador de rua ou de um bandido (todos, negros mas pouco convencionais). Outra coisa interessante é que apenas Mary usa perucas, roupas exageradas e de cores fortes, portanto é o quesito identificador de sua excentricidade, afinal, diferente dos outros, Mary é um personagem absolutamente lúdico.

Mary é uma doce referencia a Carmen Miranda, uma atriz/cantora que conseguiu fazer sucesso em Hollywood. E qual é vantagem? ‘Ela ganha em dólar, responderia um dos personagens. Mas também tem que fazer todas as vontades do estudo. –E daí, se ganha em dólar? (*Marynalva consegue chegar nos EUA e fazer sucesso, mas sua personagem é uma empregada, porque é esse o lugar que Hollywood nos reserva).

Aurora: Aurora Miranda aparece pouco no filme, mas não passa despercebida. Aquela participação na trama, uma sutil homenagem a sua carreira e a carreira da irmã, Carmen Miranda é também um trabalho metalinguístico. O personagem é bastante caricato, não se sabe muito bem o que ela faz ali, às vezes ela aparece cantando, outras, dublando. Independentemente, a história de Aurora se Aurora Miranda em Dias Melhores Virão mistura com a de Carmen, com a de Marynalva e com a de tantas outras mulheres que um dia nutriram o sonho de ir para Hollywood. Como se sabe, Aurora também foi cantora e ao lado da irmã, gravou inúmeros sucessos. Pouco tempo depois que Carmen foi para Hollywood, Aurora seguiu seu passos. Moraram juntas em uma mansão em Beverly Hills. Enquanto a carreira de Carmen decolava, a de Aurora afundava. Ela decidiu se dedicar inteiramente a família e aos filhos e parou de cantar ou gravar discos. Ruy Castro conta na biografia de Carmen, que Aurora não se dava muito bem com David Sebastian (marido de Carmen) e por isso, decidiu voltar ao Brasil com os filhos. Quando chegou, teve um choque cultural grande, estava acostumada com as ruas limpas da América, com a beleza e com a vida boa. Quis voltar, mas já não tinha jeito. Aurora também tentou recomeçar a cantar no Brasil, mas suas músicas já tinham ‘saído de moda.

Ensaios sobre a Cegueira, um olhar sobre a vergonha

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Escrevi este texto no primeiro período de faculdade, muitas coisas mudaram desde que me formei, mas uma delas continua: o meu respeito e a minha admiração por José Saramago, do qual li pela primeira vez ainda com 14 anos…

A cegueira inicia-se em apenas um homem e repentinamente alastra-se a outras pessoas de maneira inexplicável. Assim o filme “Ensaio sobre a cegueira”, baseado na obra do escritor português José Saramago, aborda a história de uma epidemia que se distingue da cegueira usual, uma vez que ao invés da escuridão, os cegos possuem a percepção de uma “cegueira branca”. Os contaminados são enviados a um manicômio, e passam a viver de forma animalesca, relegados à própria sorte. Somente uma mulher consegue enxergar, e dessa forma, acaba se tornando a única testemunha ocular de tal degradação.

A obra ilustra a fragilidade das relações humanas, das imposições morais, dos preconceitos.  A cegueira (também passível de outras interpretações) pode ser entendida como uma imperfeição ética, que se encontra no âmbito das escolhas pessoais ou coletivas comuns no cotidiano.

Os artigos “Culpa e vergonha”, “Privilegiados sem Vergonha”, “Dois tipos de vergonha” e “ A vergonha de ser pobre”, do psicanalista Contardo Calligaris, também ilustram outra característica importante dos costumes ocidentais e consequentemente brasileiros; a vergonha. Assim, como os personagens do filme, que não enxergam  e não respeitam as regras básicas de convivência, tornou-se comum agir por impulso. A vergonha não é pelo ato, e sim, para o que ele possa representar na sociedade. A preocupação é pela reputação.

As identidades deixam de se basear no que se é, para se basear no que se tem. No filme, um dos grandes problemas é que as pessoas não podem ser identificadas pela aparência ou pelo nome, a falta de visão, obriga-os a se conhecerem melhor. Não distante disso, em nossa realidade, o que se percebe é a existência de relações supérfluas, criadas por interesse, pela necessidade de ostentação. Exemplo disso, são os neoprivilegiados descritos por Calligaris, que “sobrevoam a Ilha Grande em vôo rasante”.

Por fim, a relação conflitante entre dominantes e dominados, resultado não só da violência, mas também de humilhações causadas aos menos favorecidos, torna-se algo recorrente, retratada de diversas formas pela mídia e compreendida pela população como algo banal.

quem sofre…

Não aceito dividir a minha dor, nem a sugestão de que a dor pode ser divida.

A dor exige uma particularidade e não há nada que possa me convencer do contrário.

A dor é irmã da solidão, quem sofre: sofre sozinho.  

A Imagem Virtual, Mental e Instrumental

Em A Imagem Virtual Mental e Instrumental, Paul Virilio analisa os efeitos da “videônica” em que a câmera está subordinada ao computador. A imagem percebida pela câmera, ao invés de ser enviada a um telespectador, é enviada a um computador para ser analisada.  A interpretação e a capacidade de análise humana se subordinam a robótica. O autor afirma que a imagem mental, aquela elaborada a partir de conhecimentos individuais, com base em análises e opiniões pessoais está desaparecendo. Essa imagem deu lugar a uma imagem instrumental.

Imagem do Documentário "Câmera-olho", o projeto cinematográfico mais ambicioso do diretor Dziga Vertov
Imagem do Documentário “Câmera-olho”, o projeto cinematográfico mais ambicioso do diretor Dziga Vertov

O desenvolvimento das imagens virtuais, como explica Virilio, está diretamente ligada ao desenvolvimento audiovisual. A industrialização da visão (e o surgimento de novas tecnologias) molda e influencia comportamentos sociais. Temos como exemplo, as câmeras de controle de vigilância. Através de instrumentos cada vez mais modernos de reprodução de imagens, o ser humano está tendo acesso mais fácil e rápido às imagens produzidas tecnologicamente e com conceitos pré-definidos. Dessa forma, graças a essa facilidade de acesso, os homens tem sido induzidos a trocar a análise mental das imagens pela simples aceitação da mensagem que lhe é transmitida, sem questionamentos.

“Agora os objetos me percebem”, a citação de Paul Klee se refere às câmeras de vídeos instaladas em praticamente todos os lugares comuns acompanhando e vigiando as pessoas, através de uma visão artificial.  Com inteligência artificial a máquina tem a capacidade de reter e reproduzir imagens, além de transmitir sensações que estamos sendo observados. A memória visual mental seria uma realidade subjetiva ou objetiva da própria visão cerebral, o sujeito. Já a instrumental precisa de um suporte, uma extensão dos olhos para captar a imagem, ou seja, a máquina, o objeto.

Antes a percepção da imagem era apenas com os olhos, e elas não podiam ser reproduzidas ou projetadas, como acontece agora com o cinema e a fotografia. A digitalização trouxe para a fotografia a efemeridade. Com uma câmera é possível registrar fotos instantâneas, visualizá-las na tela, gerar grande quantidade de imagens e enviá-las a outras pessoas que se encontram em lugares distintos. Neste caso, o autor explica que este desenvolvimento tecnológico também se caracteriza por uma superficialidade.

 O texto aborda o paradoxo da representação do espaço real, a virtualidade e a realidade dos fatos andando praticamente juntos, ou seja, as notícia quase ao mesmo tempo que a realidade. Outra ressalta do autor, é que as máquinas de produção de imagens estão cada vez mais em transformação, ficando obsoletos rapidamente e dando lugar a outros tipos de concepção de imagem.

A industrialização da visão induziu os indivíduos a uma interpretação automática do sentido dos acontecimentos; das imagens que representam esses acontecimentos. Dessa forma, as imagens virtuais instrumentais foram, cada vez mais, substituindo as imagens virtuais mentais, ocasionando que a sociedade se tornasse escrava da imagem.

Essa questão também é abordada no filme que vimos em sala de aula, Ensaio sobre a cegueira. O filme também mostra essa sociedade que é escrava da imagem e que recebe diariamente uma overdose de informações pré-estabelecidas a partir dessas imagens. A cegueira é provocada devido a esse excesso e também devido à incapacidade gerada nessa sociedade de se selecionar e analisar as imagens com base em conceitos pessoais.  A sociedade não só se tornou refém da imagem como também se tornou incapaz de formar opiniões diferentes daquelas que são fortemente induzidas por elas, a sociedade perde o senso crítico.

Essa perda do senso crítico que deixa as pessoas vivendo num mundo de representações é relatada também por Susan Sontag, no texto Na caverna de Platão. Em seu texto, Susan resgata as sombras da alegoria da caverna de Platão para dizer que a banalização da imagem fez com que os indivíduos retornassem a viver em uma caverna. A banalização referida é também causada por esse fácil acesso às imagens que as deixou destituídas de sentido. Ao passo que, por outro lado, as imagens se tornaram tão presentes na vida dos indivíduos que passou a ser confundida com a realidade. Assim, as imagens, que são uma mera representação da realidade, construíram uma sociedade distorcida da real, onde os seres humanos se tornaram cegos e não questionam aquilo que vêem, bem como na caverna descrita por Platão.

A conclusão que se tira é que, a tecnologia trouxe também fatores negativos. O excesso, o imediatismo e esse automatismo banalizaram a imagem e fizeram com que a sociedade passasse a se basear apenas nessas imagens para a construção de sentidos. Sem senso crítico, sem questionamento sobre as mensagens transmitidas, o que caracteriza tanto a cegueira quanto esse retorno à caverna. Ora o indivíduo se vê sem rumo caso afastado das imagens, ora se vê conformado com qualquer sentido que elas vieram impor.

Escada para protagonista

Dianne wiest Ontem encontrei um site americano dedicado ao trabalho teatral da Dianne Wiest. Há inúmeras entrevistas e críticas jornalísticas disponíveis onde ela fala sobre aspectos da carreira e da vida particular. Encontrei também no Google Books um livro escrito por Rosemarie Tichler e Barry Jay Kaplan “Actors at Work’, onde ela fala como decidiu seguir a carreira e quais foram os seus melhores desempenhos. Em um dos artigos do site, bastante descritivo aliás, Wiest comenta sobre Helen Sinclair, personagem que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1995. A jornalista descreve o enorme apartamento de Dianne no Upper West Side em NY e conta que a atriz apareceu para a entrevista com o cabelo escuro, estilo anos 30. Com seu marcante tom de voz, Dianne conta para a entrevistadora que pensou em desistir do papel (escrito por Woody Allen, especialmente para ela), por que não conseguia fazer o que ele exigia: falar alto. Ela reuniu-se com Allen e disse que não se importaria se fosse dispensada. Ele então insistiu docemente e disse que nenhuma faria aquele papel se não fosse ela.

A entrevista foi realizada pouco tempo depois que Dianne ganhou o Oscar e pela quantidade de matérias disponíveis  no site (realizadas na época) fica muito claro o assédio que o ator sofre depois que ganha um prêmio desses. Dentre inúmeras coisas, Wiest disse foi bailarina até os 19 anos, quando decidiu se tornar atriz. Ela já havia feito alguns trabalhos no teatro, mas foi exatamente Woody Allen que trouxe visibilidade para sua carreira já que ele a escalou para A Rosa Púrpura do Cairo, seu primeiro trabalho no cinema. Gosto especialmente o que ela revela sobre Tiros da Brodway pois há uma admiração muito grande em suas palavras.

Para ela, Helen Sinclair foi um desafio inigualável: tanto de entonação, quanto corporal. Ela brinca que o beijo de John Cusack é muito bom, apesar de estranhar sua pouca idade.Wiest estava com 47 anos e Cusack com 28. Ela revelou que Allen intencionalmente a fez parecer mais velha na trama, para evidenciar a diferença de idade entre os personagens.  Cusack mais tarde afirmou que sempre achou Dianne Wiest belíssima e atraente, portanto, não teve nenhum problema em beijá-la. Ele chegou a brincar que nada se iguala ao beijo em que deu em Anjélica Huston em Os Imorais (filme em que ela interpretava sua mãe e, depois do beijo, cortava sua garganta). Dianne então conta que a entonação que usava no filme quase estouravam os microfones, era como transpor o teatro para um pequeno cenário.

Dianne Wiest e Woody Allen

A jornalista então pergunta sobre planos futuros e ela diz que não há nada em mente além de ser mãe em tempo integral. Dianne, na época, viva com suas duas filhas (uma de sete e outra de três anos) e dizia que tudo mudara depois de tê-las adotado. A jornalista a chama de mãe solteira e Wiest reforça que essa foi a melhor escolha da sua vida. Na entrevista, a atriz reflete sobre um ponto que me chamou atenção (e que inclusive é ao que se refere o título dessa publicação). Ela dizia que não nutria mais ilusões de receber um trabalho de destaque e que se sentia muito feliz e orgulhosa pelo papel que Hollywood lhe reservara: o de coadjuvante. Para Wiest, na idade em que ela se encontrava, nunca iriam contratá-la para atuar em um filme de ação ou um filme sensual, mas que ela se contentava com isso (e que se sentia grata).

No livro “Actors at Work” há também um belo trabalho descritivo: os autores contam que a aguardavam em um pequeno e chique restaurante de Nova York e que ela chegou perfeitamente na hora marcada. A atriz sentou-se em uma enorme mesa preta e logo foi contando que havia se acidentado no set de filmagens do filme “Dedication”, de 2007, onde ela fazia o papel da mãe da atriz Mandy Moore. Dianne aceitou as uvas que o garçom lhe oferecera e disse que só iria comer depois da entrevista. Ela também se desculpou inúmeras vezes por não ser muito boa em dar entrevistas.

No decorrer da conversa, Dianne conta como começou a trabalhar em Law & Order e porque decidiu sair. Dianne participou de 48 episódios entre 2000 e 2001 onde fazia o papel de Nora Lewin, uma promotora de justiça. Ela dizia que aceitou o convite de Dick Wolf sem saber exatamente onde estava se metendo. O início do trabalho já foi desestimulante pois ninguém lhe explicou direito qual a origem do personagem, suas motivações: tudo era automatizado e repetitivo. Em um episódio a promotora decide sentenciar um menor de idade a pena de morte. Dianne negou filmar essa cena porque sabia do peso de uma narrativa como aquela, sendo transmitida para milhões de pessoas. Ela também afirmou que chegaram a dizer que ela tinha um caso com Samuel Waterston e que dentre vários murmúrios, diziam que ela estava sendo beneficiada por ser amante do ator. Decidiu então, largar o programa.

Os autores voltam a lhe fazer uma pergunta recorrente: o que ela sente quando lhe chamam de atriz coadjuvante. Dianne brinca que nunca foi sexualmente atraente. O autor a corrige e diz: “você não é uma Marilyn Monroe, mas é muito bonita”. Ela então volta a comentar que essa pretensão de ser destaque já saiu de sua mente faz tempo. Hoje Dianne pode escolher onde, como e com quem quer atuar e esse, sem dúvidas, é um beneficio de poucos.

Em suma, o que me levou a escrever essa publicação é que desde que comecei a acompanhar o trabalho de Wiest, fiquei inquieta ao perceber o quanto ela foi deixada de lado. O único filme em que me lembro de vê-la como protagonista foi “Obrigada, Doutor Rey” de 2002, ainda assim dificílimo de achar (e pouco divulgado). O fato de ser coadjuvante não a incomoda o que de alguma forma, é um alívio. Acho que uma atriz com um repertório como o dela, não pode (de jeito nenhum) cair no esquecimento.

O destino de uma vida

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O Destino de uma vida (Losing Isaiah, 1995) é um daqueles dramalhões que te prendem do início ao fim. O longa conta a história de Khaila (Halle Berry), uma viciada em drogas que abandona o filho em um lixão. Por sorte, o garoto é salvo e vai parar no hospital. Lá, a assistente social Margaret (Jessica Lange) emocionalmente abalada pelo caso, decide adotá-lo. Passam-se dois anos, Khaila se reabilita e descobre que o filho, o pequeno Isaiah está vivo e então, decide recorrer à justiça por sua guarda.

É uma pena que um filme desses não seja tão fácil de encontrar para download na internet. Por sorte, volta e meia, ele é transmitido na TV a cabo pelo Telecine. O time de atores chama atenção (Samuel L. Jackson, David Strathairn, Cuba Gooding Jr.), mas o destaque da trama vai para Marc John Jefferies (o Isaiah) que garante grande parte da doçura do filme. O jovem ator nos envolve desde a primeira cena em que aparece nos ombros do pai adotivo conversando sobre futebol. A intimidade que o pequeno conquistou com os outros atores praticamente transborda pela tela e é impossível não ser cativado.

o fofo do Marc John Jeffries, no papel de Isaiah.
o fofo do Marc John Jeffries, no papel de Isaiah.

Particularmente, gosto muito do trabalho técnico realizado na abertura. A câmera em plongeé mostra toda a cidade de cima e o barulho de sirenes nos dá o indício de que algo está acontecendo. De repente, vemos uma Halle Berry irreconhecível, com o rosto ferido e cabelo desgrenhado, tentando alimentar seu pequeno bebê. A câmera subjetiva aumenta nossa inserção em seu desespero, em sua incontrolável vontade por mais uma dose. Em sua loucura provocada pelo vício, Khalia deixa o pequeno Isaiah no lixo em busca de crack. Na sequencia, o espectador fica com o coração na mão: na tela, vemos a imagem do pequeno bebê, quase sendo amassado pelo caminhão de lixo.

Margaret acompanha de perto o pesadelo vivido por Isaiah. No início tenta se distanciar, mas aos poucos cria uma relação protecionista. Depois de uma longa conversa com o marido e com a filha, decide que irá levar o bebê para casa. Um dia, sua colega de trabalho a adverte: pergunta a Margaret o que ela faria se uma assistente social se envolvesse em um dos seus casos e resolvesse adotar a criança. Sem pestanejar, Margaret responderia que a faria desistir.

Khalia, por outro lado acaba presa por roubar comida em uma loja. Todo o processo de reabilitação inicia-se naquele ambiente hostil que é a prisão. Junto a outras mulheres se vê obrigada a comparecer em sessões de terapia onde revela suas dores mais profundas. Depois de dois anos e já de volta as ruas, Kahlia começa a trabalhar como babá e visita constantemente uma assistente social. Em uma cena belíssima, a assistente pergunta a Kahlia se ela está lendo o livro que lhe foi indicado. Ela faz com que Kahlia leia em voz alta, mas aquela passagem a deixa muito emocionada, Khalia chora com muita dor e finalmente revela que perdeu um filho.

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O processo de adaptação de Isaiah à família de Margaret não é tão fácil. Em consequência as drogas que a mãe utilizava, Isaiah também ficou viciado. Conforme é informado no longa, o garoto possui grande irritabilidade e déficit de atenção. Ele exige de Margaret dedicação ‘full time o que prejudica sua relação com Hannah, a filha mais velha. Em uma apresentação escolar de Hannah, Isaiah tem um crise e Margaret precisa de ausentar. Hannah fica chateada e reclama por não conseguir se aproximar da mãe.

Nesse meio tempo, a assistente social informa a Khalia que seu filho está vivo e que se ela realmente está interessada em tê-lo de volta, algumas mudanças terão que acontecer. Khalia arruma um novo emprego, aluga uma casa, melhora a aparência e se diz pronta para uma batalha. Quando Margaret e o marido são informados de que a mãe biologia de Isaiah quer sua guarda, há uma comoção muito grande. Margaret insiste que como assistente social, seguiu todos os procedimentos corretos a procurou por algum tempo, mas não teve resposta.

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Uma mãe negra, uma mãe branca:

A luta entre as duas mães rapidamente tornou-se uma briga racial. O maquiavélico advogado de Khalia (brilhantemente interpretado por Samuel L. Jackson), pergunta a Margareth se Isaiah possui algum brinquedo da sua cor: É claro que sim, ela responde, e também possui bonecos azuis, verdes e alaranjados. Ele então retruca: E com qual dele a criança irá se identificar, como o Muppet amarelo? Em outro momento, ele pergunta ao marido de Margareth com que frequência eles recebem negros para jantar ou se por acaso, possuem amigos negros. Ele responde: O pediatra de Isaiah é negro. O advogado então pergunta: E você o convida para a sua casa? Ainda em outro momento, o advogado pergunta quais livros Margaret lê para Isaiah e se em algum deles, o herói é negro.E ela responde que nunca leu um livro para ele onde o heroi fosse de fato, negro.

Para Khalia, Isaiah precisa conviver com outros negros para aprender a se defender. Ela insiste em colocá-lo em uma escola junto a outras crianças negras e exige que ele vá viver com ela. Segundo sua percepção, viver com uma mulher branca não faria Isaiah perceber a sua ‘condição racial. Nem conhecer historicamente sua raça. No banheiro do tribunal, as duas mães acabam se esbarrando e o diálogo entre as duas ilustra perfeitamente o tom dessa discussão tão complexa. Khalia diz que Isaiah não é como um cachorrinho de estimação que pode ser adestrado. Margaret retruca: eu não sei o que há de errado com o seu povo. “Com o meu povo?” Khalia pergunta.

Brincando no banheiro, Hannah e Isaiah dão as mãos. Um sobreposta a outra evidenciando a diferença entre as cores, Hannah pergunta: ‘O que há de diferente entre as nossas mãos? E Isaiah responde: a sua é maior do que a minha.

losing isaiahO rei Salomão e as duas mães

Há uma história religiosa sobre o caso do Rei Salomão e duas mulheres. O rei pediu sabedoria e humildade a Deus para poder discernir entre o bem e o mal. Deus então lhe garantiu que o faria, sem lhe dizer quando ou como. Um dia, duas mulheres se aproximaram dele e colocaram-se a discutir. As duas moravam na mesma casa e tiveram um filho praticamente no mesmo dia. No entanto, uma delas acabou adormecendo e deitou-se sobre a criança que faleceu. A outra criança continuava viva, mas não se sabia quem era a mãe. Uma afirmava que durante a madrugada, a outra trocou os bebês. A outra, por outro lado, disse que sua criança era a que estava viva e que toda aquela história era mentira. O rei Salomão então disse: Tragam-me uma espada e dividam a criança ao meio. A primeira mulher disse: Ah, senhor meu! Dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. A outra, porém dizia: Nem meu, nem teu. Seja dividido!

Então respondeu o rei: Dai à primeira o menino vivo. De modo nenhum o mateis; esta é sua mãe.

“O destino de uma vida coloca” em jogo questões sociais complexas, mas evidencia o papel de um sentimento fundamental para uma relação familiar. Margaret questiona: Estamos falando de negros e brancos, mas e sobre o amor?

De fato, o tribunal se prendeu a uma discussão importante mas não fundamental: onde Isaiah encontraria o verdadeiro amor? Qual das duas iria lhe amar de verdade? O fato de Khaila tê-lo abandonado e depois se arrependido, significaria que ela não o amasse? Levamos para casa e para a vida esses questionamentos.