Dolores é um nome que vem do latim e significa dor/lamentações. Foi esse que Stephen King escolheu para o personagem vivido por Kathy Bates em “Eclipse total”, filme de 1995, dirigido por Taylor Hackford. King ficou tão impressionado com a atuação de Kathy Bates em “Louca Obsessão”, que escreveu o livro tendo a atriz em mente. Não há como uma obra dessa profundidade dramática passar despercebida. O filme traz um forte time de atores (entre eles: Jennifer Jason Leigh, Judy Parfitt e Christopher Plummer) envolvidos em uma trama muito bem elaborada e de uma destreza técnica admirável.
Dolores Claiborne é uma empregada doméstica que trabalha para Vera Donovan (uma senhora extremamente rica e detestável). Um dia, Vera é encontrada morta na escada de casa e Dolores é considerada a principal suspeita. Sua filha, a jornalista Selena Claiborne (Jennifer Jason Leigh), retorna a pequena cidade para tentar ajudar a mãe. O problema é que Dolores já havia se envolvido com um assassinato há quinze anos antes e a volta da filha a cidade traz lembranças e revelações drásticas.
Em princípio, Dolores parece uma mulher detestável, que vive em uma casa suja e escura e está totalmente desnorteada. Selena, por outro lado, não é apenas jovem e bonita: é uma mulher bem sucedida e extremamente equilibrada. Quando as duas se encontram na delegacia (onde Dolores não reconhece a filha, já que não a encontra há anos) a narrativa se inverte. Apesar da velhice e do descuido, Dolores é uma mulher lúcida e sabe perfeitamente os riscos que corre se for julgada culpada pela morte da patroa. Selena, por outro lado mostra um completo desconforto por estar naquele lugar e principalmente, por estar perto da mãe.
É dentro da casa suja e escura que entendemos todo o passado que assombra Dolores. Suas memórias são confidenciadas aos poucos ao espectador que, de alguma forma, é conquistado por aquela mulher tão sofredora. Através da sua percepção, descobrimos que Dolores apanhava do marido e era constantemente humilhada por ele. Ela relembra que recebeu uma paulada nas costas do homem completamente bêbado. Sua dor física e moral eram tão grandes que Dolores resolveu findar todo aquele pesadelo: prometeu ao marido que se a cena se repetisse, um dos dois morreria.
É também através de suas memórias que entendemos porque ficou tanto tempo exercendo um trabalho exaustivo. Vera, sua patroa, tinha manias que nem mesmo sabia explicar. Dolores precisava lavar os lençóis todos os dias e pendurá-los em um varal distante da casa. Além da limpeza dos móveis e do chão, tinha que dar conta da comida. O mísero dinheiro que juntava seria usado para fugir da cidade com a filha.
Dolores iria fugir no dia do eclipse, em sua percepção, as pessoas estariam distraídas e não iriam sentir sua falta. Mas algo dá errado e ela se vê presa naquela lugar pelo resto da vida. Ainda resistente, Dolores (que havia perdido o marido recentemente), continua trabalhando para Vera com o objetivo de financiar os estudos da filha, longe daquele lugar.
Eclipse Total não é um filme que se limita a um pequeno suspense sobre assassinatos. É, para além do que nos apresenta inicialmente, um drama sobre dor, solidão, tristeza e arrependimento. Porque Selena foi embora? Porque ela se sente tão mal perto da mãe? Conforme Dolores se lembra, Selena foi uma das testemunhas dos maus tratos que sofria do marido. Então, porque sente tanta admiração pelo pai? O filme nos responde a todos esses questionamentos e de maneira sensível, nos mostra como é difícil lidar com um passado obscuro.
Há uma cena belíssima que Selena olha para as mãos machucadas da mãe e pergunta: o que você fez com a sua mão? E Dolores responde: Se você quer saber como é a vida da pessoa, é só olhar para a mão dela.