In Treatment: Paul e Gina

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“Um psicanalista, cinco casos, uma sessão por noite.”

A série: In Treatment é uma série da HBO baseada em uma produção da TV Israelense, BeTipul. Produzida por Mark Whalberg e roteirizada por Rodrigo García (filho do escritor Gabriel García Márquez), foi exibida em 43 episódios de janeiro a março de 2008. Em In Treatment acompanhamos o trabalho do psicanalista Paul Weston (Gabriel Byrne) que está passando por uma séria crise. Weston não tolera mais o seu trabalho e é atormentado por diversos questionamentos sobre suas habilidades como terapeuta. Ele busca ajuda na sua amiga e antiga professora Gina, a qual não vê há anos. Cada episódio centra-se em um paciente.

“Segunda é dia de atender Laura, uma bela anestesista que atravessa uma imensa crise emocional e não sabe se termina com o namorado ou casa com ele. As terças, ele atende Alex, um piloto arrogante que participou de uma missão caótica no Iraque, quase morreu por lá e acha que isto não o afeta. Quarta é a vez de Sophie, uma ginasta que, depois de sofrer um acidente, quer que Paul analise seu estado e ateste que ela está bem para manter sua classificação na equipe olímpica. Nas quintas, o psicanalista recebe Jake e Amy, um casal que atravessa uma crise. Jake tem verdadeiros ataques de raiva e, quando Amy não lhe conta o que faz, ele imagina o pior. Mas Weston vem se tornando intolerante e suas reações podem afetar sua carreira. Por isso, às sextas é ele quem vai para o divã e faz terapia com Gina (Diane Wiest).”

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Paul e Gina, 1ª Temporada: A relação entre Paul e Gina é a que mais me interessa na série, primeiro é claro, porque traz Dianne Wiest em um papel incrível e segundo porque é o momento em que o espectador pode entender o ponto de vista de Paul sobre os seus pacientes. Gina foi professora de Paul na faculdade, ela realizou durante anos o trabalho de supervisão de Weston e também foi sua terapeuta. De repente, Paul decidiu interromper suas sessões e deixou de encontrá-la. Passaram-se oito anos desde então. Paul resolveu procurar Gina porque está sofrendo ataques de raiva e intolerância com seus pacientes. Em uma das sessões de Jake e Amy, por exemplo, Paul é questionado pelo casal se deveriam seguir a gravidez ou fazer um aborto. Em resposta, Paul afirma com agressividade que deveriam fazer um aborto, contrariando assim um dos princípios da psicoterapia: não influenciar as decisões dos pacientes.

Paul liga para Gina e marca um horário, quando chega a seu escritório, senta-se em sua cadeira e Gina pede que ele se levante: “essa cadeira é minha”. Há uma deliciosa brincadeira para enganar o espectador: em princípio, como não sabemos quem é Gina, pensamos que ela é uma das pacientes. Gina repete inúmeras vezes que está aposentada e que agora dedica seu trabalho para escrever um livro, portanto não lhe parece muito claro qual é a intenção da visita de Paul. Ironicamente, nem ele mesmo parece saber, mas o que ele deixa evidente é que precisa de ajuda. Gina relembra a última vez que viu Paul, ele estava com tanta raiva que não voltou mais, nem mesmo para o funeral do seu marido, David. Já no primeiro encontro, os dois se desentendem. Paul relata as dificuldades que está encontrando com os pacientes, uma delas: Laura.

Paul descreve Laura como uma ninfomaníaca que constantemente, diz que está apaixonada por ele. De imediato, Gina entende o que se passa e pede para que Paul se afaste dela. Ela pergunta se os dois já tiveram algum contato físico e Paul se ofende, dizendo que sabe perfeitamente que essa é uma barreira eticamente intransponível. Com raiva, Paul xinga Gina, dizendo que ela está tão preocupada com suas teorias que não está escutando o que ele tem a dizer. Em contrapartida, Gina diz que é muito comum diagnosticar casos de transferência erótica em terapeutas que passam por transtornos em seus casamentos (ou seja, terapeutas que se apaixonam pelo paciente). Paul sente-se ofendido e questiona as habilidades de Gina como terapeuta, ela também fica com raiva e diz que não sabe o que ele está fazendo ali: “você quer ajuda mas eu sinto que estou falhando, não sei se você quer uma direção, um conselho de amiga ou de uma colega”. Esse tipo de discussão entre os dois volta a se repetir inúmeras vezes, mas em cada uma delas, descobrimos um pouco mais da relação dos dois.

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Paul irrita-se toda vez que Gina sugere que ele esteja apaixonado por sua paciente. Gina pede que Paul transfira Laura para outro terapeuta e ele diz que só o faria se ela a atendesse. Gina se nega. Com raiva, Paul desenterra o caso de Charlie, um antigo paciente de Gina. “Se me lembro bem você já passou pela mesma situação. Talvez, isso não seja sobre meu pai, mas seja sobre você Gina. Não se esqueça que fui eu que indiquei o Charlie para você. Lembro de ele ter me ligado depois de uma das suas seções e confessou que estava apaixonado por você. Foi mais longe, disse que vocês estavam apaixonados um pelo outro, mas você  não enfrentou isso, você fugiu para a Inglaterra”.

Gina diz que quando Paul sugere passar seus pacientes para ela, inconscientemente quer passar os seus problemas para ela, quer que ela encontre uma solução.  Metaforicamente, em cada sessão, Paul descreve seus pacientes para Gina, como se fosse possível chegar um dia e dizer “Toma, eles são seus agora”. Depois de muito insistir, Gina consegue que Paul confesse sua paixão por Laura. Confuso, ele usa como metáfora a relação de um ginecologista e sua paciente. Para Paul, o ginecologista precisa ter uma enfermeira por perto para garantir que ele não passe dos limites, Gina é sua enfermeira. Com uma dose de bom senso, Gina diz que a relação de um ginecologista com sua paciente é muito mais complicada e que essa não é uma comparação correta. Ele então sugere: O namoro entre um professor e um aluno. Ela reforça: são situações diferentes. Um psicoterapeuta não pode se relacionar com seu paciente, é antiético. “O paciente está completamente desprovido de uma situação emocional equilibrada e o terapeuta sabe muito bem quais portas usar para se aproveitar disso.

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Durante alguns episódios eu fiquei tentando entender porque Paul age com tanta agressividade quando está com Gina. Em um episódio ele a chama de aranha sonolenta, fria e que não se importa com seus pacientes. Ele então relembra de uma carta. Paul concorria para ser o presidente do Instituto, mas precisava da aprovação da terapeuta. Gina escreveu uma carta (que Paul guardou durante meses no bolso), onde ela dizia que ele não estava preparado para assumir o cargo. Paul conta que nunca esqueceu o que foi dito por ela: “Os pacientes consideravam positivas, suas sessões com o Paul. Contudo, tornou-se claro que Paul alimentava às suas expectativas. E sua forma de fazer terapia é errada, por causa de seu desejo de agradar…”

Por fim, há um momento muito delicado entre os dois que deve ser relembrado. Paul praticamente “joga” na cara de Gina o caso de Charlie. Ele estava apaixonado por ela e ligava para o amigo todos os dias dizendo que não conseguia entender porque Gina não o correspondia. Finalmente, Gina responde Paul à altura. “Depois de todos esses anos você não me conhece.” Gina conta que é uma mulher extremamente emocional e por isso se controla em relação aos pacientes. Ela diz que estava apaixonada por Charlie e por muitas vezes, chegou a afirmar para ele que não podia se relacionar, pois ele era seu paciente. Então, Gina revela que não era isso que a prendia. Seu amor por David era muito maior, ela queria ser a “Gina do David” e não abria mão disso. Ela sabia que David a traia e mesmo assim, escolheu ser fiel a ele. No seu enterro, Gina pensou: “eu o escolheria de novo, de novo e de novo…”

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Normalmente alteramos nossas memórias, elas podem ser muito enganadoras. Gostaríamos de pensar que as memórias estão no passado, mas toda vez que puxamos uma cena acrescentamos algo mais antes de colocar no lugar. Se odiamos nosso marido agora, lembramos do nosso casamento como uma data menos feliz. Constantemente alteramos nossa memória para que o passado não entre em conflito com o nosso presente.

In Treatment: Paul e Gina

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Paul e Gina, 2ª Temporada: Na segunda temporada, o surgimento de Paul no escritório de Gina é tão inesperado quanto na primeira. Mas dessa vez, o enfoque da relação dos dois está ainda mais interessante. Paul surge pedindo que Gina aceite depor em seu favor. Um de seus pacientes cometeu suicídio e ele foi processado por negligência. Na verdade, o processo é um grande risco para Paul: caso seja julgado como culpado precisará pagar uma fortuna e ainda, perde a licença. Ele afirma diversas vezes que está cansado dos pacientes e que não quer continuar com o trabalho. Seus questionamentos são diretamente jogados sobre Gina, como se ele buscasse nela, a solução para os seus problemas. Os diálogos, como na primeira temporada, são carregados de um coloquialismo muito interessante que reforça a ideia de familiaridade entre os dois. Além disso, o clima fica ainda mais empolgante com o encontro de Paul com Tammy Kent. (Tammy foi uma antiga namorada de Paul e “coincidentemente” é paciente de Gina).

O livro de Gina foi um sucesso de crítica, mas Paul afirma que ainda não está preparado para lê-lo. O primeiro encontro dos dois é apenas amigável e mesmo assim, Paul volta a questiona-la sobre a psicologia. “Você não se cansa de escutar as pessoas?” Sua presença naquela sala, como diria momentos depois continua sendo um pedido de ajuda (ainda que repleto de arrogância). Paul revela que sua vida é um grande caos (está se separando da mulher, tem problemas com os pais e quer largar à carreira). Há uma extensa reflexão sobre a temporada anterior: Paul afirma que não entende como se deixou cegar de amor por uma paciente (Laura) e de alguma forma, se permitiu ultrapassar as barreira éticas da profissão (o que Gina ‘religiosamente’ chamava de essência).

A segunda temporada expõe discussões muito mais interessantes e é impossível não prender a atenção em cada episódio. Um conhecido meu, que inclusive indicou a série, disse uma coisa certíssima: os diálogos são à base da produção inteira e talvez, por isso, temos a impressão de ser um programa lento. Na verdade, In Treatment não é uma série pra qualquer um: as cenas são carregadas de diálogos e reflexões complexas sobre a vida, sobre a família, sobre a morte, etc…

Em um dos episódios, Paul está completamente desnorteado porque não sabe o que fazer com o pai doente. Suas lembranças o fazem recordar das diversas crises nervosas da mãe, que era bipolar. Enquanto Paul via sua mãe definhar emocionalmente, seu pai (que era médico) se encontrava com outras mulheres.  A dor reprimida pelo personagem quase transborda em seus diálogos. Ele se nega a visitar o pai, com medo de ser rejeitado novamente. Gina percebe claramente que Paul transfere esse medo para os filhos: ele teme não ser um bom pai.

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Paul: Eu sinto ódio dele.
Gina: O seu ódio nasceu para você se proteger da rejeição. Você não tinha escolha, ele era o único que tinha escolha dentro daquela casa.
 

O pai de Paul falece e todo o sentimento sobre o passado vem à tona. Com muita raiva, Paul se lembra de sua ausência e de seu descomprometimento com a família. Ele começa a se questionar se o amor que o pai tinha por ele era verdadeiro. Sabiamente, Gina o faz pensar sobre o outro lado da moeda. Um médico que não consegue curar a própria mulher percebe seu fracasso e acaba refugiando-se em outras coisas. “A morte deixa muitas perguntas sem respostas, ninguém nasceu pronto para ser pai”. Paul começa a destruir o muro sobre seus sentimentos, confessa que pediu perdão ao pai antes de vê-lo morrer. Gina então tem uma reflexão belíssima. Ela afirma: “Uma das coisas mais confusas em problemas emocionais em uma família é que pode parecer injusta e aleatória. Como um acidente em uma estrada. Todos estão no carro, mas você foi o único que atravessou o vidro”.

 Meu pai me amava, então ele fez o que pode?
-Não, seu pai te amava e ele fez o que fez… E você o amou e o odiou porque ele te ignorou. Não se pode racionalizar o amor.
 
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Na segunda temporada há também um momento marcante. Apesar das inúmeras ofensas que escuta de Paul, Gina sempre se porta com elegância e paciência. Só há um momento em que ela não consegue se segurar e acaba discutindo com ele. Paul volta a repetir que Gina é uma mulher fria, que não se preocupa com os pacientes e que não dá a mínima para o que eles estão sentindo. Ele a acusa de ser uma psicoterapeuta ortodoxa que julga seus pacientes ao invés de ajudá-los. Gina não aguenta a pressão e finalmente diz o que realmente acha de Paul. Depois de chama-lo de idiota e de “pé-no-saco”, Gina revela que a terapia dele avançou muito pouco e que seu trabalho tem interferido no seu comportamento. Por fim, conclui que Paul quer que Gina faça o papel de pai (autoritária), que Gina o rejeite para que ele possa se sentir inocente e que ela diga quem ele é e o que fazer. “Você vem aqui toda semana e despeja em mim as mesmas porcarias de sempre.’

O último encontro do dois é de uma sutileza muito grande. O episódio inicia-se com Gina lendo uma carta onde Paul renuncia a profissão e assume sua responsabilidade sobre a morte do paciente. Ela guarda a carta na gaveta e tranca como garantia de que aquelas afirmações nunca sejam publicadas. No encontro, Paul relembra os tempos de faculdade, quando ele e os colegas estavam apaixonados por Gina. Eles queriam saber onde ela morava, se era casada e se tinha filhos. Um dia, Paul encontrou Gina e seu marido em um restaurante e ficou se perguntando porque ela estava casada com ele.  Os dois se lembram de como brigavam na sala de aula. “Você discutia sobre tudo o que eu falava”, “Sim, mas você nos fazia discutir, essa era a sua técnica”. Depois de insistir muito, Paul descobre que Gina tem um encontro, que ela está tentando recomeçar.

 
Paul: Você é uma excelente terapeuta Gina, eu não sobreviveria sem você.
Gina: Obrigada. Paul, esta seria a hora em que eu deveria dizer: ‘A minha porta está sempre aberta’, mas eu não vou dizer isso.
Paul: Eu entendo…