No terceiro capítulo do livro ‘Cinema, Vídeo, Godard’, Philippe Dubois realiza uma profunda reflexão sobre a identidade do vídeo. De acordo com o autor, o vídeo é um sistema de imagens que surgiu entre o cinema (que o precedeu) e o infográfico (que o superou) . Apesar da importância, o vídeo possui um problema complexo pois é um “pequeno objeto” mal determinado. Os únicos terrenos em que foi verdadeiramente explorado foram no meio artístico (através da videoarte) e na intimidade particular (nos vídeos caseiros e familiares).
Para Dubois, o próprio nome (o termo “vídeo”), carrega consigo uma ambiguidade já que constantemente é usado como um sufixo, ou seja, como um complemento (ex: videogame, videocassete) e não como um fixo. O termo parece paradoxal e precisa de uma especificidade. Em latim video significa “eu vejo”, portanto é um verbo genérico que engloba todas as artes visuais. ‘Video é o ato do olhar’ e apesar de não ter um corpo próprio, ele é o fundador de todos os outros corpos que perpassam pela imagem.
A ambiguidade do vídeo está presente em sua própria natureza. Quando nos referimos a ele é difícil definir do que exatamente estamos falando (um meio de comunicação ou uma arte?, uma imagem ou um dispositivo?, uma técnica ou uma linguagem?). Dubois afirma que o vídeo é da ordem da imagem, que possui uma linguagem relativamente conhecida e uma identidade mais ou menos assumida. Porém é importante observar que o vídeo também é um sistema de circulação de informações e de conteúdo, independente do resultado visual. Para o autor, essa natureza paradoxal não é uma deficiência e sim uma força.
Nos discursos sobre o vídeo é comum importarmos termos de outros domínios. Termos do universo cinematográfico, por exemplo, são utilizados para se referir ao vídeo como se não houvesse diferença entre eles. Dubois questiona: “ Ora, as imagens em movimento funcionam do mesmo modo?”, “A operação de montar os planos no cinema é a mesma de editar imagens em vídeo? As questões em jogo são as mesmas em ambos os casos?” Para responder tais questionamentos, Dubois catacteriza noções sobre plano e montagem.
O plano é um bloco de espaço e de tempo, necessariamente unitário e homogênio, indivisível, incontestável, que funciona como núcleo de todo o filme e se constitui, dentre outros processos, de quadro, campo, espaço off e perspectiva. A montagem cinematográfica é aquela que permite perceber o filme como um corpo global e unitário, portanto exige algumas funções que garantem o efeito de continuidade (o filme se elabora tijolo por tijolo).

Dubois chama atenção para o fato de que a a existência de uma narrativa (uma ficção com personagens, ações e organização do tempo) não representa o modo discursivo dominante do vídeo, essa estrutura está adequada ao cinema. No vídeo, a linguagem de representação que predomina são o modo documental, experimental e plástico. Essa é uma estética particular, mas não exclusiva.
Existem três procedimentos que reinam no terreno do vídeo. A sobreimpressão é o efeito de sobrepor duas ou mais imagens e cria a sensação de multiplicação de visão. As janelas permitem uma divisão da imagem e ao contrário da sobreimpressão (onde uma é colocada sobre a outra), há uma divisão, um recorte (são, por exemplo, colocadas uma do lado da outra). A incrustação (textura vazada e espessura da imagem) é um dos procedimentos mais importantes e mais específicos do vídeo. Trata-se da mescla de imagens que possuem origens distintas.