A Imagem Virtual, Mental e Instrumental

Em A Imagem Virtual Mental e Instrumental, Paul Virilio analisa os efeitos da “videônica” em que a câmera está subordinada ao computador. A imagem percebida pela câmera, ao invés de ser enviada a um telespectador, é enviada a um computador para ser analisada.  A interpretação e a capacidade de análise humana se subordinam a robótica. O autor afirma que a imagem mental, aquela elaborada a partir de conhecimentos individuais, com base em análises e opiniões pessoais está desaparecendo. Essa imagem deu lugar a uma imagem instrumental.

Imagem do Documentário "Câmera-olho", o projeto cinematográfico mais ambicioso do diretor Dziga Vertov
Imagem do Documentário “Câmera-olho”, o projeto cinematográfico mais ambicioso do diretor Dziga Vertov

O desenvolvimento das imagens virtuais, como explica Virilio, está diretamente ligada ao desenvolvimento audiovisual. A industrialização da visão (e o surgimento de novas tecnologias) molda e influencia comportamentos sociais. Temos como exemplo, as câmeras de controle de vigilância. Através de instrumentos cada vez mais modernos de reprodução de imagens, o ser humano está tendo acesso mais fácil e rápido às imagens produzidas tecnologicamente e com conceitos pré-definidos. Dessa forma, graças a essa facilidade de acesso, os homens tem sido induzidos a trocar a análise mental das imagens pela simples aceitação da mensagem que lhe é transmitida, sem questionamentos.

“Agora os objetos me percebem”, a citação de Paul Klee se refere às câmeras de vídeos instaladas em praticamente todos os lugares comuns acompanhando e vigiando as pessoas, através de uma visão artificial.  Com inteligência artificial a máquina tem a capacidade de reter e reproduzir imagens, além de transmitir sensações que estamos sendo observados. A memória visual mental seria uma realidade subjetiva ou objetiva da própria visão cerebral, o sujeito. Já a instrumental precisa de um suporte, uma extensão dos olhos para captar a imagem, ou seja, a máquina, o objeto.

Antes a percepção da imagem era apenas com os olhos, e elas não podiam ser reproduzidas ou projetadas, como acontece agora com o cinema e a fotografia. A digitalização trouxe para a fotografia a efemeridade. Com uma câmera é possível registrar fotos instantâneas, visualizá-las na tela, gerar grande quantidade de imagens e enviá-las a outras pessoas que se encontram em lugares distintos. Neste caso, o autor explica que este desenvolvimento tecnológico também se caracteriza por uma superficialidade.

 O texto aborda o paradoxo da representação do espaço real, a virtualidade e a realidade dos fatos andando praticamente juntos, ou seja, as notícia quase ao mesmo tempo que a realidade. Outra ressalta do autor, é que as máquinas de produção de imagens estão cada vez mais em transformação, ficando obsoletos rapidamente e dando lugar a outros tipos de concepção de imagem.

A industrialização da visão induziu os indivíduos a uma interpretação automática do sentido dos acontecimentos; das imagens que representam esses acontecimentos. Dessa forma, as imagens virtuais instrumentais foram, cada vez mais, substituindo as imagens virtuais mentais, ocasionando que a sociedade se tornasse escrava da imagem.

Essa questão também é abordada no filme que vimos em sala de aula, Ensaio sobre a cegueira. O filme também mostra essa sociedade que é escrava da imagem e que recebe diariamente uma overdose de informações pré-estabelecidas a partir dessas imagens. A cegueira é provocada devido a esse excesso e também devido à incapacidade gerada nessa sociedade de se selecionar e analisar as imagens com base em conceitos pessoais.  A sociedade não só se tornou refém da imagem como também se tornou incapaz de formar opiniões diferentes daquelas que são fortemente induzidas por elas, a sociedade perde o senso crítico.

Essa perda do senso crítico que deixa as pessoas vivendo num mundo de representações é relatada também por Susan Sontag, no texto Na caverna de Platão. Em seu texto, Susan resgata as sombras da alegoria da caverna de Platão para dizer que a banalização da imagem fez com que os indivíduos retornassem a viver em uma caverna. A banalização referida é também causada por esse fácil acesso às imagens que as deixou destituídas de sentido. Ao passo que, por outro lado, as imagens se tornaram tão presentes na vida dos indivíduos que passou a ser confundida com a realidade. Assim, as imagens, que são uma mera representação da realidade, construíram uma sociedade distorcida da real, onde os seres humanos se tornaram cegos e não questionam aquilo que vêem, bem como na caverna descrita por Platão.

A conclusão que se tira é que, a tecnologia trouxe também fatores negativos. O excesso, o imediatismo e esse automatismo banalizaram a imagem e fizeram com que a sociedade passasse a se basear apenas nessas imagens para a construção de sentidos. Sem senso crítico, sem questionamento sobre as mensagens transmitidas, o que caracteriza tanto a cegueira quanto esse retorno à caverna. Ora o indivíduo se vê sem rumo caso afastado das imagens, ora se vê conformado com qualquer sentido que elas vieram impor.

Escada para protagonista

Dianne wiest Ontem encontrei um site americano dedicado ao trabalho teatral da Dianne Wiest. Há inúmeras entrevistas e críticas jornalísticas disponíveis onde ela fala sobre aspectos da carreira e da vida particular. Encontrei também no Google Books um livro escrito por Rosemarie Tichler e Barry Jay Kaplan “Actors at Work’, onde ela fala como decidiu seguir a carreira e quais foram os seus melhores desempenhos. Em um dos artigos do site, bastante descritivo aliás, Wiest comenta sobre Helen Sinclair, personagem que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1995. A jornalista descreve o enorme apartamento de Dianne no Upper West Side em NY e conta que a atriz apareceu para a entrevista com o cabelo escuro, estilo anos 30. Com seu marcante tom de voz, Dianne conta para a entrevistadora que pensou em desistir do papel (escrito por Woody Allen, especialmente para ela), por que não conseguia fazer o que ele exigia: falar alto. Ela reuniu-se com Allen e disse que não se importaria se fosse dispensada. Ele então insistiu docemente e disse que nenhuma faria aquele papel se não fosse ela.

A entrevista foi realizada pouco tempo depois que Dianne ganhou o Oscar e pela quantidade de matérias disponíveis  no site (realizadas na época) fica muito claro o assédio que o ator sofre depois que ganha um prêmio desses. Dentre inúmeras coisas, Wiest disse foi bailarina até os 19 anos, quando decidiu se tornar atriz. Ela já havia feito alguns trabalhos no teatro, mas foi exatamente Woody Allen que trouxe visibilidade para sua carreira já que ele a escalou para A Rosa Púrpura do Cairo, seu primeiro trabalho no cinema. Gosto especialmente o que ela revela sobre Tiros da Brodway pois há uma admiração muito grande em suas palavras.

Para ela, Helen Sinclair foi um desafio inigualável: tanto de entonação, quanto corporal. Ela brinca que o beijo de John Cusack é muito bom, apesar de estranhar sua pouca idade.Wiest estava com 47 anos e Cusack com 28. Ela revelou que Allen intencionalmente a fez parecer mais velha na trama, para evidenciar a diferença de idade entre os personagens.  Cusack mais tarde afirmou que sempre achou Dianne Wiest belíssima e atraente, portanto, não teve nenhum problema em beijá-la. Ele chegou a brincar que nada se iguala ao beijo em que deu em Anjélica Huston em Os Imorais (filme em que ela interpretava sua mãe e, depois do beijo, cortava sua garganta). Dianne então conta que a entonação que usava no filme quase estouravam os microfones, era como transpor o teatro para um pequeno cenário.

Dianne Wiest e Woody Allen

A jornalista então pergunta sobre planos futuros e ela diz que não há nada em mente além de ser mãe em tempo integral. Dianne, na época, viva com suas duas filhas (uma de sete e outra de três anos) e dizia que tudo mudara depois de tê-las adotado. A jornalista a chama de mãe solteira e Wiest reforça que essa foi a melhor escolha da sua vida. Na entrevista, a atriz reflete sobre um ponto que me chamou atenção (e que inclusive é ao que se refere o título dessa publicação). Ela dizia que não nutria mais ilusões de receber um trabalho de destaque e que se sentia muito feliz e orgulhosa pelo papel que Hollywood lhe reservara: o de coadjuvante. Para Wiest, na idade em que ela se encontrava, nunca iriam contratá-la para atuar em um filme de ação ou um filme sensual, mas que ela se contentava com isso (e que se sentia grata).

No livro “Actors at Work” há também um belo trabalho descritivo: os autores contam que a aguardavam em um pequeno e chique restaurante de Nova York e que ela chegou perfeitamente na hora marcada. A atriz sentou-se em uma enorme mesa preta e logo foi contando que havia se acidentado no set de filmagens do filme “Dedication”, de 2007, onde ela fazia o papel da mãe da atriz Mandy Moore. Dianne aceitou as uvas que o garçom lhe oferecera e disse que só iria comer depois da entrevista. Ela também se desculpou inúmeras vezes por não ser muito boa em dar entrevistas.

No decorrer da conversa, Dianne conta como começou a trabalhar em Law & Order e porque decidiu sair. Dianne participou de 48 episódios entre 2000 e 2001 onde fazia o papel de Nora Lewin, uma promotora de justiça. Ela dizia que aceitou o convite de Dick Wolf sem saber exatamente onde estava se metendo. O início do trabalho já foi desestimulante pois ninguém lhe explicou direito qual a origem do personagem, suas motivações: tudo era automatizado e repetitivo. Em um episódio a promotora decide sentenciar um menor de idade a pena de morte. Dianne negou filmar essa cena porque sabia do peso de uma narrativa como aquela, sendo transmitida para milhões de pessoas. Ela também afirmou que chegaram a dizer que ela tinha um caso com Samuel Waterston e que dentre vários murmúrios, diziam que ela estava sendo beneficiada por ser amante do ator. Decidiu então, largar o programa.

Os autores voltam a lhe fazer uma pergunta recorrente: o que ela sente quando lhe chamam de atriz coadjuvante. Dianne brinca que nunca foi sexualmente atraente. O autor a corrige e diz: “você não é uma Marilyn Monroe, mas é muito bonita”. Ela então volta a comentar que essa pretensão de ser destaque já saiu de sua mente faz tempo. Hoje Dianne pode escolher onde, como e com quem quer atuar e esse, sem dúvidas, é um beneficio de poucos.

Em suma, o que me levou a escrever essa publicação é que desde que comecei a acompanhar o trabalho de Wiest, fiquei inquieta ao perceber o quanto ela foi deixada de lado. O único filme em que me lembro de vê-la como protagonista foi “Obrigada, Doutor Rey” de 2002, ainda assim dificílimo de achar (e pouco divulgado). O fato de ser coadjuvante não a incomoda o que de alguma forma, é um alívio. Acho que uma atriz com um repertório como o dela, não pode (de jeito nenhum) cair no esquecimento.