Sou apaixonada com esse filme desde que o vi em 2006. Assisti novamente inúmeras vezes e sempre fiquei com a sensação de que “Notas Sobre um Escândalo” é uma produção muito bem feita. É evidente que Cate Blanchet e Judi Dench levam grande parte do mérito porque são as que aparecem na telona e dão a cara a tapa. Mas não há como ficar indiferente com a direção de Richard Eyre e com o roteiro bem elaborado de Zoe Heller e Patrick Marber. O filme, a história e os próprios personagens poderiam não ser tão interessantes se não fossem realizados com tanta destreza e detalhamento técnico.
Desde a narração em primeira pessoa ao deslocamento subjetivo da câmera: Eyre conseguiu fazer com que tudo ficasse em seu devido lugar. Outro aspecto que me chama atenção é a iluminação que parece andar de mãos dadas com o desenvolvimento dramático. Nos momentos de clímax, por exemplo, onde as personagens estão em confronto, os ambientes ficam mais escuros. Quando Sheba (personagem interpretada por Cate Blanchett) faz sexo com o aluno, a iluminação recebe um tom avermelhado e as cenas na escola são em sua maioria brancas e muito claras. É importante lembrar aqui que Judi Dench e Richard Eyre já trabalharam juntos anteriormente no aclamado “Iris”, onde Judi (ao lado de Kate Winslet, Jim Broadbent e Hugh Bonneville) contou o drama da novelista Iris Murdoch.
A trama conta a história de Bárbara (Dench) uma professora de história dominadora que vive sozinha com seu gato, Portia. Bárbara executa suas tarefas com mão de ferro dentro da escola, amedronta os alunos e os colegas (talvez, por isso, seja tão solitária). Seu cotidiano muda com a chegada da professora de artes Sheba Hart (Cate Blanchett). As duas criam uma forte relação de amizade, mas a situação fica cada vez mais perigosa quando Bárbara descobre que Sheba tem um caso amoroso com um de seus alunos.
Logo no início somos familiarizados com a narrativa de Bárbara que conta como o seu dia-a-dia na escola se tornou enfadonho e sem graça até a chegada da nova professora. Sheba roubou a atenção dos alunos e dos outros professores que também foram seduzidos por sua graciosidade. Bárbara só se aproxima dela após uma briga na sala de aula (Sheba não consegue acalmar os alunos até que a Bárbara chega e impõe a ordem). Desde então as duas passaram a almoçar juntas e a dividir os segredos. Sheba convida Bárbara para um almoço em sua casa e é assim que Bárbara conhece toda a família da colega. Aos poucos a relação das duas toma um rumo doentio já que Bárbara não gosta que outros professores se aproximem da amiga. Quando ela descobre que Sheba teve um caso com um de seus alunos ela não só provoca a amiga como faz com que ela fique em uma situação de completa dependência
Eu e um colega brincávamos outro dia e dizíamos que esse filme poderia muito bem se chamar ‘Notas de uma solitária’ pois é o que define melhor a personagem de Dench, Bárbara. Gosto especialmente da maneira em que ela aparece em tela: com um aspecto que acentua sua velhice e sua rispidez. Desde as primeiras cenas percebemos o quanto aquela odiosa senhora está submersa na necessidade de encontrar alguém para lhe fazer companhia. O fato mais interessante, sem dúvidas é que toda a sua carência, converte-se em um desejo lésbico escondido. Suas carícias, seus olhares e seu desejo não são só evidenciados pela narrativa literária, mas também pelos aspetos corporais que Dench e Blanchett o fazem muito bem. Não há uma resposta concreta em cena, mas me perguntei inúmeras vezes o que teria provocado tanta dureza na vida dessa mulher.
Se há dois momentos que me agradam diante essa perspectiva (da sexualidade reprimida de uma professora idosa) e que ficam ainda mais interessantes pela forma sarcástica em que ela dirige seus diálogos (como uma maneira de se defender e de esconder toda fraqueza emocional), são: quando o gato de Bárbara morre ela aproveita-se da bondade de Sheba, pede que a amiga feche os olhos e diz: ‘Quando estávamos tristes, eu e minha amiga tínhamos o costume de fechar os olhos e acariciar uma a outra’. Sheba o faz, mas a sensação que se tem é de completo desconforto. No segundo momento, Bárbara está sozinha em casa na banheira e começa a descrever como é terrível sentir-se só e pensa: ”Gente como ela acha que sabe o que é solidão. Mas solidão, daquelas onde uma ida à lavanderia é o máximo que pode se esperar do seu fim de semana… Onde encostar o braço no cobrador do ônibus pode descarregar um choque elétrico por seu corpo… Desse tipo de solidão, ela não sabe nada.”
Todo o mistério que ronda Bárbara (que, a meu ver, é o personagem mais interessante da trama) também envolve a personalidade paradoxal de Sheba, afinal a sua jovialidade e beleza escondem o que o espectador descobre só mais tarde: o deslize de relacionar-se com um jovem de quinze anos e a família completamente desproporcional a sua aparência. Bárbara, em uma de suas cruéis anotações, ironiza a casa de Sheba evidenciando o quanto ela todo aquele cenário não combina com sua personalidade: o marido mais velho, da filha adolescente problemática e do filho com Síndrome de Down. Inesperadamente, Sheba se apaixona pelo aluno quando ele, por sua vez, não quer mais se relacionar com ela. As situações se invertem e toda a infantilidade que se espera do garoto, passa a ser vista na professora.
Toda a trama nos traz questionamentos interessantes sobre quem realmente somos e com quem estamos nos relacionando diariamente. No âmago de cada um de nos, guardamos não só os mais profundos segredos como também desejos e temores absurdos. Moldamos uma personalidade para nos adequarmos socialmente e é em consequência a essa escolha que deixamos parte do que somos escondida. Notas sobre um escândalo é um filme imperdível, daqueles que conseguem equilibrar muito bem a narrativa fílmica. Só para ressaltar, o trabalho de Philip Glass na trilha sonora é deslumbrante.
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