Perguntaram-me se acredito em Deus

Roubei o título do livro de Rubem Alves para falar de um assunto que tem ocupado meus pensamentos. De fato, em um encontro informal com os amigos, perguntaram-se se acredito em Deus e minha resposta imediata foi que sim, que acredito. Meu primo (nos seus poucos 17 anos), dizia que estava descrente e repleto de dúvidas quanto a sua fé. Logo ele, que frequentava a igreja semanalmente e que possui tanta intimidade com a bíblia dizia que agora já não acredita mais em nada.

Passei por um momento semelhante na vida quando cheguei a dizer, diversas vezes que se Deus existisse coisas ruins não aconteceriam.  Minhas dúvidas eram parecidas com as dele: por que as pessoas de boas ações e bom coração estão igualmente sujeitas ao sofrimento como pessoas de má índole e pouca fé? [Por que uma pessoa pobre, que já não tem quase nada perde sua casa em uma enchente? Porque uma mulher tão boa está sofrendo com um câncer terminal? Por que uma pessoa morre sentindo dores terríveis? Por que uma jovem teve AVC e nunca mais recuperou a fala e os movimentos? Por que não consegui aquilo que queira/precisava tanto? Por que ele e não eu? Quando eu vou ser feliz?].

A verdade é que nunca consegui responder a nenhuma dessas perguntas e acho que nunca o farei (elas crescem se multiplicam e continuam ali na minha mente e no meu coração). Quando mais nova, eu frequentava a igreja e liderava um grupo de jovens (eu marcava os horários, trazia as pautas e participava das discussões). Uma vez, disse ao padre que falaríamos de certo assunto (que não me lembro) e ele me repreendeu afirmando que eu levantaria as dúvidas dos jovens que procuravam por respostas. Ao invés de me ajudar a respondê-las, o padre as sufocou.  Pouco tempo depois, eu soube que não fui batizada naquela igreja por ser filha de mãe solteira. Deixei de frequentar as missas e guardei uma raiva enorme.

Senti falta das minhas orações. Se a religião não responde minhas perguntas, o que devo fazer? Eu poderia ter trocado de religião, mas acho que Deus é superior a leis humanas e não acredito que alguém consiga responder minhas perguntas senão Ele. Todos os dias, antes de dormir, apresento a Deus meus conflitos e agradeço pelas bênçãos [tem me feito tão bem!]. Mais do que isso: Deus tem respondido as minhas preces e não me abandonou em nenhum momento que precisei D’Ele. As vezes, só consigo pensar que esses problemas que sobrecarregam nossos ombros diariamente são necessários: eles nos ensinam a viver, nos ensinam a amar uns aos outros. Não é preciso sentir a dor do outro para compreendê-la e sentir compaixão. Aprendemos com o sofrimento.

Nossa Senhora do Pilar:

2c9a8bbfb6469cbaf315f4011bc14f00Sempre que inicio um texto como esse, onde deixo escorrer minhas emoções mais sinceras, acabo perdendo o rumo. Não queria terminá-lo sem antes comentar de uma das figuras religiosas que mais me comove e em que mais acredito. Todos os dias em que precisava ir ao centro de Nova Lima tinha o costume de observar a beleza da igreja matriz sem me dar ao trabalho de entrar. Um dia, não sei por que, resolvi orar por Nossa Senhora e ao entrar na igreja, senti uma paz imensa.

Desde então Nossa Senhora tem sido uma companheira (e uma confidente). Me agarro a ela quando sinto que preciso de ajuda. Entrego a vida dos meus entes mais queridos e peço (todos os dias) que ela os proteja. Peço proteção para mim e para minha mãe. Oro por minha avó, pelos meus amigos, meus tios, primos e só então, me sinto segura. [Sei muito pouco da história dela e só hoje fiz uma pesquisa. Segundo os artigos que encontrei na internet, Nossa Senhora (quando estava viva, durante o século I) apareceu para o apóstolo S. Tiago que enfrentava dificuldades enquanto pregava o evangelho no rio Ebro [Espanha]. Ela o acalentou e pediu que ele construísse uma basílica e depois, partisse para Jerusalém – ela também o avisou que sua morte estava próxima. Nossa Senhora estava cercada de luz e de flores (que formavam seu pilar), usava um véu que cobria-lhe a cabeça e ia até os pés.

Perguntaram-me se acredito em Deus – O LIVRO

Os cacos de vidro separados não tem tanto valor. Porém, quando alguém os une e cria um mosaico ele acaba transformando fragmentos em obra de arte.  Assim também acontece com a música: se o compositor unir as notas, elas passam a dizer algo. E porque não dizer que é o que acontece com a vida?

perguntaram se acredito em deus

É com essa reflexão que Rubem Alves (psicanalista, escritor, teólogo e educador) inicia seu livro “Perguntaram-me se acredito em Deus”, escrito em 2007. Reproduzo aqui, um texto publicado pela Folha de São Paulo em abril de 2007, onde Alves justifica o título e a criação do livro:

” Aconteceu ao final de um debate sobre educação promovido pela Folha. Chegada a hora das perguntas uma senhora me perguntou algo que nada tinha a ver com educação. Perguntou porque lhe doía: “O senhor acredita em Deus?” Houve tempo em que era mais fácil acreditar em Deus. Hoje até o Papa se atrapalha. Na sua visita ao campo de concentração de Treblinka perguntou o que não deveria ter perguntado: “Onde estava Deus quando esse horror aconteceu?” Heresia porque a pergunta silenciosamente afirma que Deus não estava lá. Se estivesse não teria deixado aquele horror acontecer. Pois Deus não é amor e todo poderoso? Se estava lá e deixou acontecer ou ele não é amor ou não é todo poderoso. Por outro lado, se ele não estava lá ele não é onipresente…

Depois do atentado terrorista ao World Trade Center o “New York Times” publicou um artigo com essa mesma pergunta: Onde estava Deus? Se estava lá, por que deixou acontecer? Dietrich Bonhoffer, pastor protestante que foi enforcado por haver participado de um frustrado atentado para assassinar Hitler -às vezes não há como fugir: ou matar um único, para que muitos não sejam mortos, ou, para preservar a pureza pessoal, não matar esse único e deixar que milhares sejam mortos; a inocência pode ser mais criminosa que o crime…, lutou com essa pergunta: “Onde está Deus?” Sua resposta foi simples: “Deus está aqui, mas ele é fraco…”

Se Deus existe e é forte, como perdoá-lo por permitir que aconteça o horror de sofrimento que não deveria acontecer? Mas se Deus é fraco ou não existe, então seria possível perdoá-lo e amá-lo. Aí choraríamos e diríamos: “Se Deus existisse e fosse forte isso não aconteceria…” A gente fica, então, com saudade do Deus que não existe. Mas eu não disse nada disso para aquela senhora. Apenas perguntei de volta, pedindo um esclarecimento: “Acreditar em qual Deus? Há tantos…

Homens ferozes e vingativos têm um Deus feroz e vingativo que mantém, para sua própria alegria, uma câmara de torturas chamada Inferno para vingar-se dos seus desafetos. Há o Deus jardineiro que criou um Paraíso e mora nas árvores e nas correntes cristalinas. Há o Deus com alma de banqueiro que contabiliza débitos e créditos… Há o Deus da Cecília Meireles que se confunde com o mar… Há o Deus erótico que inspira poemas de amor carnal… Há o Deus que se vende por promessas e faz milagres… E há também o Deus criança de Alberto Caeiro e Mário Quintana. Qual deles?”

Ela ficou em silêncio, meio perdida. Então lhe respondi com os versos do Chico: “Saudade é o revés do parto. É arrumar o quarto para o filho que já morreu”. E perguntei: “Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que chegará amanhã ou a que arruma o quarto para o filho que nunca chegará?”. E acrescentei: “Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os construo com poesia e beleza. Os fogos que acendo sobre eles iluminam o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso…”

Aí, provocado pela pergunta daquela mulher desconhecida escrevi um livrinho cujo título é a pergunta que ela me fez: “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Àquela mulher o meu muito obrigado…

Um canto de esperança

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Um canto de esperança/Paradise Road (de 1997, dirigido por Bruce Beresford) é aquele tipo de filme que fica marcado na memória. Lembro de tê-lo assistido há anos atrás e algumas das cenas não saíram da minha cabeça. A história é extremamente forte e apresenta um tom realístico que é intensificado por uma produção sensível e por atuações marcantes. Glenn Close encabeça o elenco feminino que também conta com Cate Blanchet, Pauline Collins e Frances McDormand.

A trama se passa na década de 1940, japoneses invadem Cingapura e forçam várias crianças e mulheres a viverem em um campo de concentração onde realizam inúmeros trabalhos, sofrem agressões físicas e psicológicas. Entre essas mulheres encontra-se Adrienne Pargiter (Close) formada na Academia Real de Música que, junto a Daisy ‘Margaret’ Drummond (Collins) organiza um coral e enfrenta a resistência do exército japonês.

tumblr_mo1gxnQTZS1rs3i49o1_500Gosto do clima inicial do filme onde um grupo de aristocratas e suas respectivas mulheres comentam e ironizam a guerra. As opiniões se dividem quando falam sobre os japoneses: uns acreditam que eles são perigosos, outros de que não há nada a temer. O início da trama nos dá ideia do padrão de vida dos protagonistas: mulheres lindas e maquiadas, homens em ternos caros, mesas bem servidas e uma deliciosa música ao fundo. O ar de desconforto e incerteza aumenta quando escutam barulhos de bombas que invadem o salão. As mulheres [que estavam visitando os maridos] precisam voltar imediatamente para casa, a cidade está sendo atacada.

No navio, somos apresentados às personagens principais: Adrienne (Glenn Close), Susan Macarthy (Cate Blanchet), Mrs. Tippler (Pamela Rabe), Mrs. Roberts (Elizabeth Spriggs), Topsy Merritt ( Julianna Margulies), Daisy ‘Margaret‘ Drummond (Pauline Collins) e Rosemary Leigthon Jones (Jennifer Ehle). Há um pequeno e engraçado diálogo onde elas se apresentam umas as outras: sou esposa do dono de uma empresa de café, sou esposa do dono de uma empresa de tecidos (…). O navio (repleto de mulheres e crianças) é surpreendido por um novo ataque e todos são obrigados a abandona-lo. Adrienne, Susan e Rosemary ficam horas na água, até que conseguem chegar em terra firme.

Repletas de ferimentos na pele, as três conseguem uma carona de um militar japonês (aparentemente gentil) que as deixa em um local desconhecido. Adrienne chega a discutir com o militar, dizendo que o navio que atacaram só levava pessoas indefesas. Sem perceber, Adrienne, Susan e Rosemary são abandonadas em um campo de concentração e lá encontraram várias mulheres (inclusive algumas que estavam no navio) vivendo em terríveis condições.

Desde então, elas são obrigadas a acordar cedo para trabalhar, precisam dividir pouca comida e viver com água escassa.  Além de apanhar diariamente, ficam expostas ao mau cheiro e a diversas doenças que assolam o grupo. Elas sofrem um choque de realidade, antes acostumadas com uma vida repleta de luxo e agora vivendo como escravas. Não demora para que os conflitos comecem a surgir, tanto externamente quanto dentro do grupo.

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Personagens maniqueístas: a luta do bem e do mal

Talvez por apresentar um grande número de personagens (e não ter tempo nem espaço suficiente para desenvolvê-los) Beresford tenha escolhido apresentá-los com características muito marcantes – não sei afirmar se no livro a abordagem é feita da mesma maneira. Adrienne é a líder, justiceira e corajosa. Susan é atrevida, jovem e enérgica. Mrs. Roberts é avarenta (e a personagem que mais ironiza/critica a burguesia). Não há como questionar a presença da seguinte relação maniqueísta: os japoneses são maus e as prisioneiras são do bem, mas essa relação ainda bifurca-se e divide os personagens dos dois grupos:

No ambiente das prisioneiras Mrs. Tippler e Daisy são fortes personalidades em contraponto. Enquanto Daisy (a missionária que parece ainda mais gentil com aqueles grossos óculos) apazigua as companheiras, é paciente com as crianças e com os militares. Mrs Tippler é desonesta com as outras mulheres, incita as brigas e desestimula o coral. No final, Daisy recebe a redenção do sofrimento através da morte enquanto Mrs Tippler é separada dos filhos.

No grupo dos militares japoneses o Capitão Tanaka (Stan Egi) é cruel com as prisioneiras, impõe diversos castigos e proibições. Em uma cena fortíssima, ele obriga Susan a se ajoelhar por horas diante de estacas que podem perfurá-la a qualquer momento. Em contrapartida, o intérprete (David Shung) tenta ser gentil com as mulheres e sempre mantém a calma quando conversa com elas (Adrienne chega a chamá-lo de covarde).

A história que inspirou o filme

Song of Survival2O filme baseia-se no livro de Helen Colijn: “Song of Survival: Women Interned” onde ela descreve com detalhes a vida de mulheres que foram prisioneiras em um campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra. Helen e a irmã Antoniette ficaram presas nesse campo de concentração e juntas, presenciaram o trabalho de Margaret Dryburgh e Norah Chambers: duas inglesas que no início de 1943, se uniram para amenizar o duro cotidiano das prisioneiras e criaram um coral.

Margaret era uma missionária e Norah havia estudado piano, violino e canto na Academia Real de Música em Londres. Margaret se lembrava das partituras e as escrevia escondido em um pedaço de papel, os ensaios eram feitos com muito cuidado para não chamar atenção dos japoneses. As mulheres cantavam várias músicas clássicas como as de Chopin, Beethoven e Dvorak. Reproduzo o texto do Paulo Franke onde ele detalha com mais riqueza os acontecimentos:

Helen comentou: “Imagine-se em um campo de prisioneiros com fome, camundongos, baratas, com aquele cheiro terrível de banheiros e a gritaria dos guardas à sua volta! E de repente você ouve essa música. É algo magnífico que dá o sentido de união, mas também de força para continuar vivendo em uma situação que parece não ter fim. É algo positivo surgindo de uma experiência muito negativa. Por essa razão posso falar do campo sem ter que passar por todos os pesadelos novamente.” Margaret faleceu no dia 21 de abril de 1945 e foi sepultada em um cemitério perto do campo, sob as palmeiras. Mais tarde, Norah escreveu em seu diário: “Ela foi admitida no hospital e poderia ter melhorado, mas, como muitas outras pessoas, estava fraca demais e por isso não houve chance de recuperação. Ao visitá-la, ela me reconheceu e tentou falar. Tentou repetir o seu salmo preferido, o 23, o que eu fiz por ela tão bem quanto pude.”

Atrás da Porta

Quando soube que “Atrás da porta” estava em cartaz no Belas Artes em Belo Horizonte, não pensei duas vezes e fui ao cinema no mesmo dia. Duas coisas me chamaram a atenção: Helen Mirren e Istvan Szabo, que dentre outros filmes, dirigiu o belíssimo “Adorável Júlia”. A produção é inspirada na obra da escritora húngara Magda Szabo e roteirizada por Andrea Vészits. Apesar de apresentar uma boa história, o filme deixou certo desconforto quanto ao desenvolvimento técnico, principalmente pelas cenas desnecessárias e pela ambientação questionável.

A história se passa na Hungria na metade do século XX e retrata a vida Magda (interpretada por Martina Gedeck), uma escritora que precisa de uma empregada para cuidar da casa onde mora com o marido Tibor (Károly Eperjes). Depois de muito procurar, Magda encontra Emerenc (Mirren), uma senhora que atende a todas as qualificações exigidas mas que é misteriosa e rabugenta. Emerenc aceita o trabalho mas impõe duas condições: que não questionem seu passado e que nunca entrem em sua casa.

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No início, Emerenc é apenas uma estranha. Ela limpa, cozinha e sai sem dizer nada. A relação das duas começa a ficar mais íntima quando Magda ganha um cachorro e apenas Emerenc consegue domesticá-lo. O cão se torna um pretexto para que as duas iniciem uma conversa e finalmente se tornem amigas. Tibor está sempre ausente (aliás, a figura masculina é secundária na trama) e a presença de Emerenc na casa se torna cada vez maior.

Magda e Emerenc são duas mulheres completamente diferentes. Enquanto Magda vive em uma casa confortável, com um marido que a ama, é jovem e feliz, Emerenc é uma velha solitária e rancorosa, que tem um passado misterioso e que trabalha duro para conseguir o próprio sustento. Apesar da distância, as duas estabelecem uma bela relação de empatia e de confiança.[As estranhas manias de Emerenc são o principal chamativo da personagem. Todos os dias, durante anos, ela varre as ruas (mesmo com uma tempestade de neve caindo). Silenciosa, ela caminha pelo bairro sem deixar que se aproximem da residência. Ela morre de medo de chuva e de trovões. Na casa de Magda, é ela que determina o que está sujo e o que não está, ela discute com os patrões e aos poucos invade um espaço que não é seu – Tibor não concorda com tanta intimidade e chega a demití-la, mas Magda percebe que não consegue mais viver sem Emerenc].

A curiosidade de Magda sobre a vida de Emerenc cresce cada vez mais. Por diversas vezes ela tenta descobrir o que há de tão secreto na casa e sempre é impedida pela empregada. Emerenc confessa alguns detalhes sobre o seu passado que, talvez, justifiquem seu estranho comportamento. Quando pequena resolveu fugir de casa e levar a irmã mais nova consigo. No meio do caminho as duas enfrentaram uma tempestade e sua irmã acabou falecendo (atingida por uma árvore), fato que nunca foi perdoado por sua mãe. Durante a guerra, trabalhou como empregada em diversas casas e teve um romance ‘proibido’. Emerenc adotou uma criança e foi mandada pra fora de casa pelo pai por ser mãe solteira.

Nesse meio tempo, enquanto a carreira de Magda começa a decolar, a saúde física e mental de Emerenc começam a cair. Totalmente fragilizada, Emerenc se nega a ser internada, com medo que invadam sua casa e descubram seu segredo. Ela pede que Magda prometa nunca deixar que ninguém entre no local. Ironicamente, no dia em que Magda vai a uma premiação, os vizinhos e a polícia decidem entrar na casa de Emerenc para forçá-la ir ao Hospital.

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De fato a fotografia é um destaque da produção, principalmente nos flashbacks que recontam o passado de Emerenc e onde percebe-se um cuidado quanto aos cenários ao ar livre. Ainda assim, há uma sensação persistente de que alguma coisa está faltando ali (e que se acentua quando descobrimos o que está atrás da porta). Percebe-se um desconforto por parte dos atores e pouca química acontece quando Mirren e Martina Gedeck estão em cena.  Apesar dos enganos e de não ser tão marcante, ‘Atrás da Porta’  é um filme interessante de assistir.

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Albert Nobbs

Há muito tempo estou com vontade de ver esse filme e ontem, por sorte, o encontrei em promoção nas Lojas Americanas por R$ 4.99. Antes de vê-lo, li alguns artigos relacionados à trama e acabei tendo boas surpresas. Albert Nobbs é uma produção de 2012, estrelada por Glenn Close e dirigida por Rodrigo García (García, aliás, é filho de Gabriel Garcia Marquez e possui ótimos trabalhos no currículo, um deles: ‘In Treatment’ já foi tema de duas publicações aqui do blog e é um dos meus preferidos).

O filme baseia-se na obra do romancista irlandês George Moore e conta a história de Albert Nobbs, uma mulher que por trinta anos se vestiu de homem e trabalhou como garçom em um hotel. Albert tinha uma personalidade contida e, justamente por sua dedicação ao trabalho, conquistou o respeito dos colegas e dos moradores do local. Durante todo esse tempo, Albert juntou suas economias visando abrir seu próprio negócio: uma tabacaria.

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A vida de Albert vira de cabeça para baixo com a chegada do pintor Hubert Page. A Sra Baker (proprietária do hotel) ordena que Hubert e Albert durmam no mesmo quarto e logo na primeira noite, Hubert descobre que Albert é uma mulher. Albert implora a Hubert que guarde seu segredo e Hubert o faz. No outro dia, Hubert revela a Albert que também é uma mulher e que está casado com Cathleen, uma costureira.

Por curiosidade, Albert vai à casa de Hubert para saber como ele conseguiu se casar com outra mulher. Em uma conversa informal, Albert conta a Hubert sua história: Albert era filha de uma prostituta, foi criada em um convento (e foi expulsa de lá quando sua mãe morreu). Aos quinze anos, foi estuprada por cinco homens e pouco tempo depois, encontrou um terno masculino e resolveu vesti-lo para trabalhar como garçom. Albert achou que não conseguiria enganar ninguém, mas acreditaram que se tratava de um homem e desde então, ela passou a se vestir assim. Albert confidenciou a Hubert seu desejo de ter uma mulher e abrir seu próprio negócio, durante a conversa, os dois são interrompidos por Cathleen e Albert se esquece de perguntar a Hubert como ele fez para se casar com uma mulher.

Nesse meio tempo, Joe Mackins chega ao hotel e é contratado pela Sra Baker para arrumar a caldeira. Joe começa a namorar Helen Dawens (uma das empregadas), mas logo apresenta um comportamento violento e controlador. Ironicamente, Albert acredita que Helen será uma perfeita esposa e a convida para sair. Joe se aproveita da situação e faz com que Helen tire dinheiro de Albert (que lhe dá vestidos e chapéus novos). Após alguns meses, Albert revela a Helen que pretende abrir um negócio e Helen lhe confessa que seu desejo é deixar a Irlanda e ir morar nos Estados Unidos.

Albert NobbsGlenn Close e Albert Nobbs

Fiquei desnorteada quando descobri que, apesar de ter cinco indicações, Glenn Close nunca recebeu um Oscar. Close possui diversos trabalhos importantes no cinema americano e Albert Nobbs não é diferente. Aliás, ela já havia interpretado Albert Nobbs nos teatros e lutou por mais de dezoito anos para fazê-lo virar filme (no longa, chegou a trabalhar  no roteiro e na produção), portanto é fácil entender porque esse filme foi feito especialmente para ela, que carrega nos ombros a carga dramática e está presente nas cenas mais sublimes. [Glenn Close recebeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz, mas acabou perdendo para Meryl Streep por ‘A Dama de Ferro].

Quase não reconheci Janet McTeer quando a vi em cena e tive dúvidas se era de fato uma mulher. McTeer também recebeu uma indicação a melhor atriz coadjuvante, mas quem levou a estatueta foi Octavia Spencer por ‘Histórias Cruzadas’. Não há dúvidas quanto ao seu brilhante desempenho nem sobre a importância do seu papel a trama: foi Hubert que acordou os desejos adormecidos em Albert e lhe deu esperança. Chamo atenção para a cena em que Albert Nobbs e Hubert Page, depois de anos, se vestem de mulher novamente. Abaixo há uma reflexão sobre o texto de Simone Benmussa onde ela aborda a importância das roupas. De fato, quando Albert se veste de mulher e corre pela praia, há um enorme simbolismo em sua feição: por um momento, Albert está livre.

Tecnicamente, a trama apresenta uma fotografia maravilhosa e um inquestionável trabalho de maquiagem e figuro. [SPOILER] O que me incomodou um pouco foi certa lentidão quanto ao desenvolvimento e um final mal explorado. Albert falece e logo depois descobrem que se tratava de uma mulher. Mas não tivemos tempo de saborear a reação dos outros personagens, nem mesmo ter raiva da Sra Baker, que rouba todo o seu dinheiro.[SPOILER]

Albert-Nobbs-Janet-McTeer-Roadside-Attractions-e1328645681748albert-nobbsSuas roupas se tornaram seu corpo

Sensibilizada pelo filme, passei a noite de ontem pesquisando sobre o trabalho de George Moore e acabei esbarrando em um texto escrito por Simone Benmussa (diretora francesa que adaptou “The Singular Life of Albert Nobbs” ao teatro em 1978).  Tomo a liberdade de reproduzir algumas de suas reflexões que apresentam aspectos interessantes para a interpretação da obra. Logo no início, Benmussa afirma que as roupas possuem um papel tão importante quanto o dos atores. As roupas não são apenas uma reconstrução histórica ou peças de decoração, elas são parte do texto, dos gestos e são pontos de partida para discussões mais importantes.

Albert pegou as roupas de seu antigo chefe lhe deu para vender e só assim (vestido de homem), foi capaz de conseguir um emprego que lhe desse a oportunidade de ganhar um pouco mais de dinheiro. Sua ambiguidade é percebida já no início da trama: Albert usa a roupa do único homem que poderia ter amado e assim, impede que outros homens a ame. Masculinizada, ela ganha uma autoridade e participa da rede hierárquica dos empregados do hotel (mas continua marginalizada por ser a única a saber o que se tornou).  Mesmo que Albert tenha começado a se vestir de homem por um mero acidente, as roupas masculinas lhe deram algo além do dinheiro, do respeito e do trabalho: Albert se distanciou do próprio corpo.

Albert NobbsEm contraste, somos apresentados a Hubert Page ( uma mulher que se livrou de um casamento opressor e passou a vestir roupas de homem, conseguiu um trabalho e se uniu a outra mulher). Benmussa chama atenção para um aspecto: Page é uma pintora e suas roupas são mais informais, ela decidiu largar o marido e se unir a outra mulher, como pintora não precisa seguir hierarquias e diferente de Albert, Page é feliz. Ao tentar fugir da sociedade, Nobbs fez de seu disfarce uma prisão, suas economias, ao invés de trazer segurança se transformaram em uma mania obsessiva.

Benmussa sugere outra reflexão importante, ela chama atenção para o fato de que Albert não tem um problema quanto ao próprio sexo, ele não quer alterar o corpo e sim: escondê-lo. Sua imagem de felicidade é ter uma casa e se adaptar a sociedade burguesa. Pela complexidade do personagem, Benmussa pedia que suas atrizes atuassem em dois níveis: elas precisavam ser extremamente reais, simples e ao mesmo tempo, explorassem o imaginário do espectador. As  atrizes precisavam ter voz grossa, firme e tinham que convencer que aquela história surreal era algo concreto e que, de fato, se passava no cotidiano.

Sua feminilidade ainda estava debaixo daquelas roupas. Quando Helen se aproxima, Albert tem duvidas que são normais a uma mulher, enquanto serve os empregados ela não percebe que possui certos gestos femininos – seu maior objetivo é impedir que atos falhos apareçam. Benmussa afirma que até mesmo George Moore foi um pouco violento com Albert: ele criou uma mulher feia, com cerca de cinquenta anos, muito magra e com os dentes amarelados. Moore escreveu a trama como uma comédia, para ele esse tipo de situação só acontecia com mulheres feias (que não podiam ser amadas).

Apesar de parecer óbvia e simples, a história possui grande força social e política (a peça traz a tona temas como: solidão, marginalidade, sexualidade, paternidade e descriminação) – e por isso, continua tão atual.

Confira a transformação de Glenn Close em Albert e de Janet McTeer em Hubert:

Mental

Estou com esse filme há um mês no computador e só ontem tomei a iniciativa de assisti-lo. Tive uma ótima surpresa e indico a qualquer pessoa que queira se divertir com um longa interessante, que traz diversas contestações e principalmente: mantém o ritmo e não cai na mesmice.  “Mental” é uma comédia australiana dirigida por PJ Hogan (o mesmo direitor de ‘O Casamento de Muriel’ e ‘O casamento do meu melhor amigo’) que conta a história da problemática família Moochmore.

Curiosamente, PJ Hogan se baseou na própria vida para fazer o filme. Quando tinha 12 anos sua mãe sofreu um colapso nervoso e foi internada em um hospício. Seu pai se recusava dizer onde sua mãe estava e, assim como no filme, decidiu contratar uma babá para cuidar dele e da irmã (que é esquizofrênica).  Em 1994, quando produziam ‘O casamento de Muriel’, PJ Hogan tinha o costume de contar casos de sua babá a Toni Collette que por muito tempo insistiu que fizessem um longa sobre a história e a convidassem para o elenco.

Mental - Toni Collette

Há muitos aspectos que chamam atenção na trama, a começar por um forte senso de humor negro que ironiza a sociedade e brinca com as falhas humanas. Desde uma vizinha compulsiva por limpeza a uma mulher viciada em colecionar bonecas (que possuem cabelo de verdade): há um belo trabalho quanto a narrativa que joga com espectador e não estabelece diferenças claras entre a normalidade e a loucura. Toni Collette está maravilhosa e carrega grande parte dramática do filme, mas também não há como ignorar a presença de Rebecca Gibney (quase irreconhecível), no papel de uma mulher doce e completamente pirada.

Uma família em pedaços, uma oportunista e uma pitada de loucura

Logo no início da trama somos apresentados a Shirley Moochmore (Rebecca Gibney) que canta no jardim da casa uma das mais famosas músicas do cinema americano: The Sound Of Music.  Enquanto diverte-se em seu pequeno idílio, suas filhas a observam e ficam completamente agitadas, tentando se livrar do vexame que a mãe lhes causou. Ao contrário da  família Von Trapp, os Moochmore possuem sérios problemas de comportamento e são um incômodo para os vizinhos. Shirley insiste que as filhas precisam aprender a dançar e a cantar (como em ‘A Noviça Rebelde’) para que seu marido, Barry (Anthony LaPaglia), finalmente volte para casa.

Cada uma das cinco filhas acredita ter algum problema mental, Coral (Lily Sullivan), a filha mais velha, insiste que é bipolar. Leanne diz ser autista, Kayleen sociopata, Jane afirma ser depressiva e Michelle, esquizofrênica. Os Moochmore são vizinhos da detestável Nancy (Kerry Fox) que odeia Shirley e as meninas. Nancy é uma mulher moralista e preocupadíssima com a limpeza da casa (que esfrega o chão da rua com escova de dente) – ela também tenta esconder e limitar os trejeitos da filha, que é lésbica e completamente masculinizada.

Inesperadamente, Shirley tem um ataque de nervos e compra diversos artigos em uma loja de mobílias. Ela acredita que ao comprar móveis novos, suas filhas deixarão de ser chamadas de porcas. Barry decide internar a mulher e contratar uma babá. [Se alguém perguntar as meninas onde esta Shirley, elas devem dizer que a mMENTALãe está se divertindo em férias]. Doris (Caroline Goodall), irmã de Shirley, não pode cuidar das meninas porque gasta todo o tempo com sua coleção caríssima de bonecas (ela, inclusive, corta o cabelo de uma das sobrinhas para colocar em seu brinquedo).

Barry encontra Shaz (Toni Collette) na rua e sem se preocupar com o seu passado, a contrata para ser a babá das meninas. Ocupado com a prefeitura, ele se ausenta mais uma vez da casa e deixa que Shaz resolva todos os problemas. Aos poucos Shaz conhece cada uma das meninas e descobre que todas estão sentimentalmente abaladas pela falta dos pais. A única delas que realmente apresenta algum problema é Michelle, que é esquizofrênica.

A presença de Shaz faz com que as meninas percebem que não há nada de errado com elas. Aos poucos, elas largam a ideia de que possuem alguma doença mental e se unem para ajudar a mãe a sair do hospício. Shaz também conversa com Shirley para convencê-la voltar para casa e cuidar das crianças. A relação de confiança é drasticamente quebrada, quando descobrem que Shaz possui um surpreendente passado.

Um toque de genialidade em diálogos surreais

Fiquei mais atenta aos diálogos dos filmes desde que comecei a escrever para o La Amora. Gosto de um humor bem feito quanto a narrativa e ‘Mental’ correspondeu bem. Em uma cena interessante, Shirley conta para Shaz como começou a se relacionar com Barry. Em um de seus primeiros encontros, Barry a estuprou e mesmo assim, ela ficou apaixonada por ele. Shirley esperou pelo telefonema por 3 semanas até que descobriu que estava grávida de Coral e Barry não teve como fugir. Em outro momento engraçado, Shaz comenta a história da Austrália com as meninas. Diferente do oficial, ela insiste que os antepassados dos australianos eram loucos, já que os loucos eram sempre mandados para longe. Os diálogos surreais ficam ainda mais engraçados com as referências a personagens da cultura pop como Cate Blanchett, Nicole Kidman e Rupert Murdoch.

Nova Lima, 11 de Julho de 2013

Querida, como as coisas estão por aí? Estou escrevendo para dizer que você faz uma falta danada e que não consigo esquecê-la. Você se foi e deixamos tantas coisas para fazer, tantos sentimentos a serem confidenciados.  Às vezes me sinto culpada por não ter me despedido direito, às vezes me pego pensando em você antes de dormir (às vezes, me pego pensando em você quando acordo). Tenho certeza que você entenderia o que eu estou sentindo agora. Eu não precisaria ficar me explicando e você logo responderia: eu entendo.


SAUDADEEu não conheci seus pais, não fui a sua casa, não conheci seu namorado e mesmo assim, já me sentia tão próxima. Admirava sua força de vontade, seus planos e desejos. Sua sinceridade quanto aos sonhos, quanto à vida. Éramos muito parecidas e você sabe muito bem disso. Desculpe-me por não ser tão boa amiga quanto você mereceu. Me perdoa por ser tão descuidada.

Ontem vi um programa na TV de uma Médium que falava com os mortos. Não sou muito de acreditar nisso: por ceticismo ou por medo. Acontece que fiquei me perguntando se você teria alguma coisa a me dizer. É estranho, mas repentinamente, quando penso em você (e quando rezo por você), sinto que você está próxima. É difícil acreditar que você se foi e que tudo tenha acontecido como aconteceu. Eu não consigo esquecer a sua voz, o seu tom.

Outro dia fiquei me perguntando: como e porque ela morreu? Preferi não saber a resposta. Preferi lembrar de você com aqueles olhos brilhantes e com aquele sorriso charmoso. Quando você se foi eu tomei consciência de que a vida é um sopro e pior: que a vida é uma só. Ultimamente estou tão eufórica. Tenho pensando nos meu futuro, nos meus planos, quero fazer tudo bem feito, como a cartilha manda e principalmente, eu quero ser feliz.

Julianne Moore (uma releitura artística)

Imagem
Adele Bloch Bauer, de Gustav Klimt
Woman With a Fan, de Amedeo Modigliani
Woman With a Fan, de Amedeo Modigliani
Seated Woman With Bent Knee, de Egon Schiele.
Seated Woman With Bent Knee, de Egon Schiele.
Little Dancer, Aged Fourteen, de Edgar Dega
Little Dancer, Aged Fourteen, de Edgar Dega
Julianne-Moore-by-Peter-Lindbergh-as-Madame-X-by-John-Singer-Sargent-for-Harper’s-Bazaar.
Madame X, de John Singer Sargent
Man Crazy Nurse #3, de Richard Prince
Man Crazy Nurse #3, de Richard Prince
The Cripple, de John Currin
The Cripple, de John Currin

*As imagens foram realizadas por Peter Lindbergh, [fotógrafo alemão influente (que trabalhou com diversas ‘supermodelos’ da década de 1990) e que tem vários trabalhos impactantes no currículo como filmes e documentários (vide Pina Baush). ] para a Harper’s Bazaar.