Dear Zachary

Dear Zachary

Dear Zachary é um documentário devastador, daqueles que te faz ter medo da mente humana e consciência da fragilidade da vida. Há diversos filmes dramáticos e ficcionais que representam histórias chocantes e que conseguem nos atingir de uma maneira impactante, a diferença é que quando o filme termina, os atores saem da pele do personagem e continuam o rumo de suas vidas. Não nessa história, aqui (como de fato acontece em qualquer lugar do mundo) a morte é definitiva e leva com ela as pessoas que amamos e deixa uma enorme saudade [ou, revolta].

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O filme possui um formato interessante e apresenta um ritmo fundamental para o desenvolvimento da narrativa. Dear Zachary reconta a história de Andrew Bagby um médico que foi assassinado com cinco tiros pela namorada Shirley. Andrew era melhor amigo de Kurt Kuenne (diretor e produtor do filme) que resolveu pegar depoimentos de vários conhecidos, vizinhos e pacientes e realizar o documentário. Kuenne acompanhou todo o processo judicial que acusava Shirley como a principal suspeita do assassinato e retratou de perto a luta e a dor dos pais de Andrew, os Bagby, para colocá-la na cadeia.

Para surpresa de todos, quatro meses depois, Shirley afirmou que estava grávida de Andrew. Diante dessa perspectiva, o diretor resolveu mudar o formado do filme e como em uma carta, contar para Zachary como era seu pai. Logo no início de uma das entrevistas, há um comentário sucinto, mas que me parece bastante relevante.

Uma amiga (e também ex-namorada de Andrew) diz que no dia seguinte encontrou uma publicação no jornal onde noticiavam que encontraram um homem morto de jaleco em um parque e que ninguém sabia o porque do seu corpo estar ali. Ela questiona a frieza dos jornais e diz que aquela nota não fazia jus ao ‘homem’ que noticiavam estar morto: ‘Esse não era o Andrew, o Andrew era muito mais do que isso….’  Por um momento, como jornalista, me peguei pensando na banalização do cotidiano, nos inúmeros casos de assassinato e de crimes horrendos que escutamos todos os dias, sem nos perguntar ‘quem era ele’ e nos incontáveis mortos que diferente de Andrew, não tiveram a oportunidade de ter a vida recontada (e romanceada) através de um documentário.

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Após descobrirem a gravidez de Shirley, David e Kathleen (os Bagby) fizeram de tudo para conseguir a guarda do menino já que Shirley não foi presa. O casal passou por situações inimagináveis, tiveram que conviver diariamente com a assassina do filho, para não perder o contato com o neto.  Em vários momentos [como cúmplices], escutamos gravações de conversas entre David, Shirley e Kathleen onde os avós asseguram que não deixarão que nada falte ao bebê. ‘Deixaremos fralda e leite na sua porta pela manhã, o bebê não vai passar fome’

No desenrolar do filme, Kuenne pede que os entrevistados falem sobre Andrew e que mandem uma mensagem para Zachary: praticamente todos demonstram um carinho imenso por Andrew e fazem questão de contar uma história para comprovar o porque o admiravam  tanto. Logicamente, as entrevistas mais tristes são as dos pais que relatam desde a felicidade do nascimento do filho ao triste dia em que foram reconhecer seu corpo, que estava com o rosto completamente desfigurado após levar um tiro na bochecha.

Finalmente, Kuenne decide viajar e se encontrar com Zachary. As imagens são belíssimas, não há como não se emocionar com essa prova de amor (afinal, fazer um filme é um trabalho árduo – e reconstruir uma biografia ainda mais).  O problema é que a narrativa nos pega de surpresa mais uma vez, o documentário sofre uma reviravolta e nos deixa mais uma vez sem rumo, compartilhando aquela dor imensa: a da perda.

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– Segunda Parte –

Se você se interessou pelo filme e não quer Spoilers, por favor, não leia o resto do texto.

Antes de qualquer coisa eu já tinha decidido parar o texto por aqui, mas eu sinto que falta algo mais, alguma explicação que justifique tanta emoção em relação a um documentário. Pouco tempo depois de encontrar Zachary, Kuenne recebeu a terrível notícia de que Shirley havia desaparecido e levado seu filho com ela. Shirley matou Zachary (que tinha apenas treze meses)  com uma dose de remédios e depois suicidou. Os Bagby, que antes relatavam a felicidade de ter o bebê sob custódia, passam novamente a dor da perda. Kuenne [já, com uma voz cansada e muito triste] revela que depois desse acontecimento, tinha decidido abandonar o projeto , até que percebeu que não fazia sentido fazer um filme para Andrew ou para Zachary, o filme agora era para os Bagby.  De uma maneira muito tocante, os amigos de Andrew mandam mensagens para os Bagby, agradecendo por terem trazido ao mundo, uma pessoa tão especial.

No dia que vi o filme, pouco tempo antes de dormir, fiquei me perguntando se existe uma consciência ou reflexão antes da morte. Seja como for (e sei, que esse pensamento não atingiu só a mim), fiquei pensando no que Andrew, Zachary e Shirley pensaram antes de morrer: se Andrew pensou nos pais, se Shirley pensou nos outros filhos ou se Zachary pensou: ”por quê?