“Que coisa maluca é a distância, a memória. Como um filtro, um filtro seletivo. Vão ficando apenas as coisas e as pessoas que realmente importam” – Caio F. (Inglaterra, 12/02/1991)
Espero que você tenha paciência de ler, se não tiver, não tem problema. Ontem acordei cedo e com uma preguiça de levantar, liguei a TV e me deparei com a entrevista de um desconhecido que dizia uma das coisas mais sábias que escutei nos últimos tempos. Sério e concentrado, o homem com óculos grossos e fisionomia baixa (aliás, desconheço seu nome) dizia que a música e o texto são coisas que surgem de repente no peito e que não se controla, que são como um avião decolando – que não dá pra voltar atrás. É quando a gente se lembra de uma melodia da infância, é quando a gente inventa e imerge. Ele dizia que a arte é leve e visceral .Ao mesmo tempo, é dor e prazer.
Aquelas palavras ficaram na minha cabeça por algumas horas e caíram como uma luva. Essa carta está surgindo assim, como uma necessidade incontrolável de dizer algo, de te fazer sentir o que eu estou sentindo. Talvez como um relato, um testemunho de que as coisas estão bem.
Não sei se te disse, estou com uma pilha de livros na escrivaninha que me aguardam há algum tempo, sempre surgem outros mais interessantes. Ainda estou lendo Choderlos de Laclos e sublinhei muitas passagens que me pareceram sábias, vou reproduzir uma que eu gostaria que você lesse: ‘O amor, o ódio, só tem o trabalho de escolher, tudo está debaixo do mesmo teto. E pode até, fazendo existência dupla, afagar com uma das mãos e ferir com a outra.” Na verdade, não sei porque essa em especial me chamou tanta atenção … acho que ‘Ligações Perigosas’ é um dos livros que todo mundo deveria ler pelo menos uma vez na vida. Estou com muitos filmes pra ver também – muitos mesmo – você sabe disso, mas nunca vem assistir um comigo.
Como disse, estou lendo muito (coisa que fiz a vida inteira, mas que agora está mais intenso – tudo está mais intenso). Folheando um livro do Caio Fernando Abreu me esbarrei com uma frase sublinhada em que ele dizia que a distância e a memória são como filtros, somente as pessoas e as coisas que importam permanecem. Nunca duvidei disso, mas nos últimos tempos, a vida tem me mostrado esse detalhe da maneira mais sutil. Reencontrei algumas amigas da escola, quer dizer: nunca perdi o contato com elas, mas estamos conversando mais ultimamente e aquele sentimento de empatia não sumiu (e isso é tão bom!). A diferença é que agora já estamos ficando ‘velhas’, estamos terminando a faculdade, sentimos o peso das responsabilidades [emocionais / financeiras]. Aliás, dois membros novos se uniram ao clube: Cecília e Malu.
Não consigo acreditar na inexistência de energias, tenho pensado muito nisso também. Certas pessoas entram na nossa vida [e não pode ser atoa] pra deixar uma marca positiva – Juliana, Tetê, Alexandra, Cecília e Malu entraram na minha para isso, entende? Para deixar uma marca positiva…
Minha carta está ficando muito sentimental? Me desculpe, não resisti.
Ontem fui visitar Tetê e tivemos a mesma conversa de sempre, aquela incansável que só os melhores amigos têm: perguntamos uma da outra, falamos da faculdade, tiramos algumas fotos [que envio em anexo], comemos brigadeiro pra não perder o costume e peguei um livro emprestado, aquele da Gabriela Leite ‘Mãe, filha, avó e puta’ – existe título mais sugestivo?
Quando cheguei em casa, fiquei pensando em Tetê e me lembrei da oitava série, de quando ela mudou de escola – Como eu sofri! Éramos confundidas, algumas pessoas chegaram a acreditar que éramos irmãs (mesmo ela tendo os olhos e os cabelos claros). Éramos irmãs mesmo, quer dizer… somos.
Vou terminar a carta, o texto está tomando um rumo que, definitivamente, não sei onde vai dar. Essas são as fotos da casa da Tets, você vai ver que o dia de ontem foi repleto de surpresas boas, uma delas (a última foto) registra um momento interessante. Reencontrei uma amiga que não via há anos. Trabalhamos juntas e depois, cada uma tomou seu rumo… ironicamente, ela é vizinha de Tetê, agora está casada e tem um filho lindo!