Não estou familiarizada com diários, mas confesso que hoje senti uma vontade enorme de escrever. Estou triste e me sentindo muito só, não tenho em quem confiar. Estou no fundo do poço, já não sou mais uma jovenzinha. Meu nome é Jude Martin, ou Judy se preferir. Tenho 56 anos, não sou casada e não tenho filhos. Vivo há algum tempo nesse pequeno apartamento, nesse quarto abafado e escuro que quase não uso. As coisas pioraram desde que me mudei pra cá, antes eu trazia meus amigos, ficávamos até de madrugada fazendo festas, bebendo até cair – meus amigos foram sumindo aos poucos, se é que posso chamá-los de amigos.
Passo a maior parte do dia dormindo, gosto da noite: vivo dela. Trabalho como cantora em um inferninho, conheci alguns homens interessantes lá (me apaixonei por alguns, me perdi por outros, estou viva por causa deles). Soldados, advogados, professores, todo o tipo de homem passa naquele lugar. É assombroso a forma que se portam: comem, bebem, transam e no outro dia se dizem homens de família, vão pra casa para impor ordem. Tenho pena das mulheres e dos filhos deles, da vida medíocre que provavelmente levam.
As coisas não estão bem, a verdade é que nunca estiveram. Vou fazer uma confissão: não consigo parar de beber. Bebo quando me sinto triste, para afogar as mágoas. Bebo quando estou alegre, para comemorar. Estou endividada, o dinheiro dos shows (e dos programas) não rendem para nada, sinto que querem roubar o meu lugar. A prima gorda do Terry sempre aparece nos ensaios, estão me pressionando, criticando a minha voz, falaram que estou desafinada.
Como odeio essas pessoas, esse lugar! A vida foi injusta comigo, eu merecia mais, muito mais!
Terry é um homem de cor, forte e viril. É ele quem comanda a banda, foi quem me convidou para ser a cantora e por algum tempo, deixei que fosse meu gigolô. Nossa relação não vai nada bem, ele se nega a se deitar comigo. Bill está estranho, sinto que algo está errado. Fiquei sabendo de uma reunião da banda, uma reunião da qual não fui convidada a participar. Katherine (a garçonete) me contou que eles falavam baixinho pra ninguém ouvir. Gosto da Katherine, ela já trabalhava aqui quando eu cheguei, me ajudou a entender o funcionamento do lugar e me apresentou aos clientes.
Tenho que descer para o bar. Escolhi o meu melhor vestido (aquele vermelho), também arrumei as unhas e o cabelo, quero que tudo saia perfeito. Não quero que Bill tenha motivos de reclamação, preciso desse emprego. Será que ele vai sentir o cheiro da bebida? Se ele perceber que bebi estou perdida.
Quando acordou de madrugada, sentada na cama e com os pés espaçados sobre o tapete macio, lembrou-se da última conversa que teve com a mãe. Na época, Ruth já tinha desistido de entender o que a motivara ser uma mulher tão triste. Foi naquele mesmo lugar, sentada sobre o tapete que ouviu a mãe dizer em tom de despedida: “Você foi o acontecimento mais feliz da minha vida”. O que doía em Ruth não era o fato de saber que a mãe mentia e sim, o fato de não poder culpá-la. Balançando os pés sobre o tapete respirou com alívio por não tê-la mais por perto.
O quarto não estava escuro. A janela sem cortinas recebia a luz do poste. Ruth olhou lentamente para as mãos e lembrou que estava envelhecendo (e pior, envelhecendo rapidamente). Sem filhos e divorciada, se perguntava: “quem herdaria essa casa?”. A verdade é que aquilo já não interessava mais – as antigas memórias da família morreriam com ela. Então deitou-se novamente, ficou observando o telefone que estava na cabeceira da cama e teve uma vontade enorme de chorar. – A vida poderia ter sido mais gentil comigo. Ninguém ligou para Ruth naquele dia, ninguém a ligava a semanas, talvez há anos. Uma de suas principais preocupações era a de sempre se mostrar alegre, sempre sorridente. Algo estava acontecendo com Ruth, ela não conseguia controlar suas emoções, não conseguia fingir felicidade.
Um dia, voltando do trabalho, ouviu no carro uma música que há anos não escutava. Parou, aumentou o volume, fechou os olhos e se lembrou de tudo: exatamente como aconteceu. Naquela tarde, que fazia um calor tremendo, Ruth estava com dois meses de gravidez e esperava o bebê com ansiedade. Sentia-se ótima, pela primeira vez na vida estava realmente feliz. Ligou o som, tocava: ‘It was always you Helen’, uma das canções mais lindas que já havia escutado. Sentou-se na cadeira e ficou por algum tempo ouvindo, quando olhou para o chão viu uma poça de sangue que a cercava. Ficou inconsciente e já no hospital, lhe disseram que ela havia sofrido um aborto.
Júlio, que na época era seu marido, ficou muito triste. Sofreu mais do que ela. Ah! Como eu admirava quando ele cuidava de mim, quando me olhava firmemente e dizia: vamos tentar de novo, de novo e de novo! Ruth nunca engravidou. O casamento foi se desgastando com o tempo, não havia mais amor, um suportava o outro. Júlio já não era mais o mesmo, dizia coisas impetuosas, não tinha mais escrúpulos. ‘Você não serviu nem para ser mãe! Você é uma mulher incompleta, uma mulher seca’. Ruth nunca deixou aquelas palavras por menos: ‘Aquele aborto foi uma das melhores coisas que me aconteceu, eu teria nojo de ter um filho seu’.Ela sabia que aquilo não era verdade mas insistia em dizer. E diria quantas vezes fosse necessário para não ficar por baixo.Até que Júlio disse que tinha outra mulher, que tinha outros planos. Ruth não o culpou, deixou que ele seguisse seu caminho e que fosse feliz, ela também queria ser feliz.
Porque a gente fez tanta maldade um com o outro? Onde foi que deixamos os planos, a cumplicidade? Eu preferia que ele tivesse me batido, que tivesse arrancado todo o meu cabelo, que tivesse me deixado de olho roxo. As feridas do corpo se curam, as da alma não.
Desde aquele dia, desde o dia em que se sentou para ouvir aquela melancolia música a sua vida não tinha sido mais a mesma. ‘It was always you Helen‘ era um aviso, Ruth recebeu um aviso de que a sua vida seria triste, triste como a sua mãe foi. E agora, ouvindo aquela melodia novamente no carro Ruth pensava no que mais poderia dar errado. Ela não tinha ninguém, não tinha nada. Ouviu toda a melodia, sentiu toda aquela sensação de medo e desproteção novamente. Ela não conseguiu ser mais a mesma. Quando estava com as amigas, não sorria como antes. Ruth não tentava ser agradável, não fingia sentir carinho, não gostava de sorrir. No começo lhe perguntavam: O que há com você? Aos poucos foram se afastando, todos eles.
Ruth pegou no sono, seu corpo estava perfeitamente encaixado na cama, seu espírito estava destroçado. Dormiu desejando não mais acordar. Acordou desejando não mais viver. Tocavam em sua porta, Ruth pensou muito antes de atender mas quando abriu viu que era Júlio. Posso entrar? O olhou de cima abaixo e se sentiu aliviada. Pode. Silenciosamente, os dois se encaminharam para a cozinha, sentaram-se na antiga mesa de madeira que Ruth tanto odiava. Um do lado do outro.
– A minha vida está uma merda Ruth, já pensei em me matar diversas vezes. Não tenho coragem. Eu não tenho com quem contar.
– Mas você tem uma mulher, não é isso? Não pode contar com ela?
– Não tenho mais. Estamos separados há anos.
– E porque só veio agora?
– Eu não sei… mas eu estou aqui, não estou?
– Mas eu não estou Júlio. Só o meu corpo está aqui, como um fantasma. Eu não sou ninguém, eu morri há muito tempo e só agora me dei conta disso. Eu ouvi aquela música de novo.
-Ainda com esse papo Ruth? Você acredita mesmo que uma música arruinaria a sua vida?
– Era um aviso, eu estava sendo avisada de que algo ruim iria acontecer.
– O que de tão ruim aconteceu?
– Você bateu em minha porta.
– A minha presença é tão desagradável assim?
– O fato de você estar infeliz me deixa ainda mais triste, me dá consciência de que todos os nossos sacrifícios não foram válidos. Me faz duvidar da existência de Deus. Ao mesmo tempo, me sinto aliviada: eu não sou a única a levar uma vida fracassada e completamente infeliz.
– Volta pra mim Ruth?
Ruth, sentindo o cigarro entre os dedos pestanejou um pouco. Pegue suas malas, volte para casa.
Eu levo o seu coração comigo, eu o levo no meu coração
Eu nunca estou sem ele a qualquer lugar que eu vá, meu bem, e o que que quer que seja feito por mim somente é o que você faria, minha querida tenho medo que a minha sina pois você é a minha sina, minha doçura. Eu não quero nenhum mundo pois bonita você é meu mundo, minha verdade e é você que é o que quer que seja o que a lua signifique e você é qualquer coisa que um sol vai sempre cantar aqui está o mais profundo segredo que ninguém sabe aqui é a raiz da raiz e o botão do botão e o céu do céu de uma árvore chamada vida, que cresce mais alto do que a alma possa esperar ou a mente possa esconder e isso é a maravilha que está mantendo as estrelas distantes.
Eu levo o seu coração, eu o levo no meu coração
(E.E. Cummings)
Sou fã da Toni Colette desde que assisti ‘O casamento de Muriel’, gosto muito da Cameron Diaz também, acho que ela tem um ótimo astral que sobressai às telas e cativa o público. As duas foram uma escolha perfeita para a adaptação cinematográfica do livro ‘In her shoes’, escrito por Jennifer Weiner. O filme, dirigido por Curtis Hanson é uma reconstrução sensível e delicada de um relacionamento complexo entre irmãs que vivem uma rotina completamente diferente e que dividem um passado doloroso.
Enquanto Rose é uma advogada bem sucedida, Maggie é uma mulher que não quer saber de trabalhar e que não se importa em viver as custas da irmã mais velha. Em contrapartida, Rose é uma mulher insegura com o próprio corpo que desabafa suas mágoas comprando vários sapatos (muitos dos quais nunca usou) e Maggie é uma mulher belíssima que namorou com vários homens, mas que não conseguiu estabelecer um relacionamento com nenhum deles. A mãe das duas possuía um histórico de pertubação mental e depois de sofrer várias internações, morreu em um acidente de carro (que não se sabe se foi intencional). Elas foram criadas pelo pai (que se casou novamente) e por muito tempo, desconheceram a existência da avó materna Elle (Shirley Maclaine) que pensavam estar morta.
Nem Colette, nem Diaz, nem mesmo Shirley Maclaine roubam a cena: todas as três recebem o mesmo espaço e atuam com bastante cumplicidade, o que é admirável. Eis um drama feminino bem medido, bastante delicado e com um argumento belíssimo. Não há como não se identificar com os personagens, principalmente com Rose (Toni Colette) que, depois de perder um namorado de uma forma bem dramática, decide largar o emprego e mudar a vida radicalmente. Enquanto ela ‘deu duro’ nos estudos e no emprego, Maggie teve uma vida vazia e baseada em aparência que, de repente, também cai por terra. Depois de uma briga séria, as duas irmãs se distanciam e passam a enfrentar o cotidiano por outra perspectiva.
Maggie, colocada para fora de casa por Rose, pede que Elle (sua avó) lhe dê abrigo. Elle, por outro lado, deixa que Maggie more com ela no asilo em troca de que Maggie trabalhe com os idosos. A vida de Maggie no asilo traz à tona uma antiga briga do seu pai e sua avó, que não entravam em um acordo sobre o tratamento mais adequado para sua mãe. Enquanto isso, Rose começa a namorar um colega de trabalho que há muito tempo estava apaixonado por ela e, longe da irmã, consegue se sentir mais confiante em relação aos homens.
A distância das duas aumenta e a saudade aperta. Rose está se preparando para casar e Maggie investindo todas as suas energias em um novo projeto: aprender a ler. Para Maggie, a experiencia de viver em um asilo foi bastante construtiva, sua avó a incentivou a rever seu comportamento infantilizado e pediu que ela se colocasse no lugar da irmã. Quando a mãe das duas faleceu, Rose não só tomou conhecimento de tudo o que acontecia como se sentiu responsável por cuidar de Maggie.
Há muitas cenas do filme que me conquistaram, acho que esse é um dos tipos de produção que obtém sucesso quando aborda um drama feminino (e familiar) com tanta sutileza. Quando Rose vai fazer sexo pela primeira vez com o noivo, ela pede que ele apague a luz por ter vergonha do próprio corpo e ele insiste em vê-la nua, em fazer com que ela se sinta a vontade diante dele. Essa é a cena que eu mais gosto porque resume perfeitamente muitas das inseguranças femininas: ‘ela quer, ela deseja, mas tem medo e se envergonha’. Enquanto Maggie aprende a ler, ela nos questiona se só a beleza exterior é o bastante para ter uma vida feliz e completa. Só e humilhada, Maggie faz o caminho de volta, assume seus erros e sofre para melhorar. A distância das duas as faz rever todo o amor que sentem, a importância do companheirismo e da cumplicidade. Eis um filme sensível e belíssimo, que merece ser visto e revisto.
Estou um pouco sumida do La Amora, muitas coisas estão acontecendo e com esse clima tão quente eu não consigo colocar as ideias em ordem. Vocês já devem ter reparado que algumas publicações estão incompletas e eu peço desculpa por isso (prometo deixar tudo direitinho).
Domingo passado (dia 22) aconteceu a famosa cerimônia do Emmy, a premiação da TV americana. American Horror Story foi a serie mais indicada ( concorrendo em 17 categorias) mas só levou dois dos prêmios, uma pena. Jessica Lange também não recebeu o prêmio por sua atuação como Sister Jude, o que me deixou bastante frustrada. Aproveitando a folga e dando sequência ao objetivo de comentar sobre os seus filmes, assisti ‘Minha Terra, minha vida’, filme de temática rural, que narra a saga da família Ivy pela luta por sua terra.
Acho importante chamar atenção para um detalhe, Jessica Lange se envolveu profundamente com a história de pequenos agricultores que, durante o período do governo Reagan, passaram pelas mesmas dificuldades narradas, a atriz tirou dinheiro do próprio bolso e ao lado de Richard Pearce, produziu o filme que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar (perdeu para Sally Field – que também estreava um longa com a mesma temática: Um lugar no coração).
A atriz participou de inúmeras palestras, realizou vídeos institucionais e não se importou em fazer publicidade para a causa. Lange dividia a cena com o então marido, Sam Shepard, mas é ela que domina o filme, personificando uma mulher forte e corajosa que prioriza a sobrevivência da família.
‘Minha Terra, Minha vida‘, conta a história da família de Jewell que possui uma pequena fazenda em Iowa há mais de cem anos. Dessa vez, ela e o marido Gil (Sam Shepard) são responsáveis pela administração do local, onde vivem com seus três filhos (um adolescente, uma garota, um bebê) e com Otis (Wilford Brimmley), pai de Jewell. Com o pouco rendimento que ganham, Gill resolve ir ao banco renovar o empréstimo e lá descobre que as regras de cobrança mudaram: o banco passou a exigir que os agricultores pagassem toda a dívida que tinham (acumuladas há anos) em apenas trinta dias. Para piorar, um tornado havia atingido a região deixando os fazendeiros em completa bancarrota.
As cenas iniciais do filme indicam qual será o foco da trama: o drama familiar. Jewell surge na cozinha de casa (que aliás, é um dos principais cenários – remetendo-nos diretamente ao espaço teatral) onde sua pequena filha Marlene mostra a camisinha que encontrou no quarto do irmão. O almoço em família e as festas na comunidade destacam o clima de equilíbrio e harmonia (mesmo depois do inesperado tornado que atinge o local). Com um cenário maravilhoso e uma bela fotografia, acompanhamos o árduo trabalho que todos os dias é feito pelos Ivy. É interessante um pequeno detalhe cenográfico que muitas vezes passa desapercebido: a mesa aparece farta de comida (uma metáfora simples ao tempo de bonância).
Gill vai ao banco renovar o contrato de empréstimo e, mesmo percebendo um clima diferente, acredita na boa relação que tem com o gerente que conhece há mais de oito anos. Tudo cai por terra quando descobre que sua dívida será cobrada e executada em apenas trinta dias. Jewell, sabendo da condição financeira da fazenda, também tenta convencer o banco de manter o empréstimo e recebe uma resposta definitiva: ‘Não temos uma relação, temos um negócio’. Percebe-se que a confiança que os agricultores tinham em relação ao banco era tão grande que, até então, eles nem se preocuparam com os efeitos do tornado. De certa forma, esse comodismo é criticado por Otis, pai de Jewell que afirma: ‘Não devíamos ter confiado no governo’, Jewell responde: ‘O governo é parte de nós’ e Otis contra-ataca: ‘O governo sabe que sem os agricultores ele não sobrevive’.
Fiquei sensibilizada com a produção e com o toque extremamente realístico com que abordaram a história: sem rodeios, com um respeito pelo diálogo e pela dimensão psicológica dos personagens. Lange aparece sem maquiagem, de rolinho na cabeça, com botinas e esquentando a comida no fogão. Shepard, com as unhas sujas, executa um trabalho pesado junto aos animais e a imagem de ‘artista de cinema’ praticamente desaparece, o que é no mínimo admirável.
É com o levantamento das contas (e a descoberta que estão completamente falidos) que reforçam o efeito catártico. Assim como os Ivy, seus vizinhos ficaram a ponto de perder tudo e tiveram que leiloar seus bens. Jewell, que provavelmente foi criada ali, vê seu amigo de infância se suicidar e deixar a mulher e o filho completamente desolados.
Diante das dificuldades, o relacionamento entre os membros da família Ivy torna-se cada vez mais tempestuoso, Otis culpa Gil pelo insucesso da administração. Gil começa a beber e fica agressivo com as crianças, o filho mais velho do casal se torna melancólico e os bens são leiloados. Jewell, que no início ficava escondida na cozinha e preocupava-se com os afazeres da casa toma a atitude que os outros não tiveram, começa a se unir aos agricultores e rebela-se contra o banco.
A dificuldade financeira chega para destruir a imagem idílica de uma família perfeita. ‘Minha terra, minha vida’ é um filme lindo e forte, que vale a pena ser visto e revisto diversas vezes: não só pela entrega artística dos protagonistas, mas também por trazer a tona um melodrama realístico e bem estruturado.
Estou me aventurando em edições de vídeo e estou amando!No fim de semana passado saí com os meus amigos em Nova Lima, fomos fazendo umas filmagens e foi nisso que deu….
Esse é o primeiro que eu fiz, então…
“O que importa não é o fato de morrer. Mas o que você está fazendo quando morre. O que você estava fazendo no momento em que morreu? Você estava pronta para amar”.
Paloma (Garance Le Guillermic) é uma rica e inteligente menina de onze anos que decide cometer suicídio no dia do próximo aniversário. Encantada por arte e filosofia, a pequena passa dias filmando seu cotidiano com o desejo de realizar um documentário para comprovar que a vida não faz sentido. Seu pai, um ‘homem brilhante e muito ocupado’ e sua mãe, uma mulher completamente neurótica que quase não dão fé da sua existência alimentam ainda mais o seu pessimismo em relação a vida. Enquanto a data de executar o seu plano não chega, Paloma conhece duas pessoas que a fazem questionar a visão de mundo: o novo vizinho: senhor Kakuro Ozu e a séria Renné (Josiane Balasko), a faxineira do grande apartamento em que vive.
– Tive a felicidade de encontrar esse livro na Fnac por apenas R$1,99. Ironicamente, pouco tempo depois, descobri a existência de duas adaptações cinematográficas que me deixaram muito curiosa (a primeira é de 1966, dirigida por Jacques Rivette e a segunda é de 2013, dirigida por Guillaume Nicloux e com a Isabelle Huppert – de quem sou fã). Depois de ler, resolvi fazer um pequeno resumo do qual divido com vocês.
Anna Karina como Irmã Suzanne, adaptação de 1966, dirigida por Jacques Rivette
– Sobre o livro: De acordo com o Prefácio, escrito por J. Guinsburg, o livro ‘A Religiosa’ nasceu de uma brincadeira que Diderot armou para o seu amigo, o marquês de Croismare. Diderot lhe mandou cartas forjadas fingindo ser uma jovem freira obrigada ao voto monástico contra a sua vontade. Nas cartas ele dizia ser uma jovem que não tinha ninguém no mundo que pudesse ajudá-la. Anteriormente o marquês (‘de bom coração’) já havia movido um processo em paris por uma história semelhante, por essa razão o fato repercutiu por toda a cidade e Diderot resolveu ironizá-la. Com o passar do tempo o autor se envolveu com a narrativa epistolar, mergulhou no coração da personagem e se propôs (depois de revelar ao amigo a brincadeira) a descrever uma história que trazia a tona as violências contra a natureza e a liberdade do ser humano bem como uma forte crítica às relações reinantes na vida monacal e as injustiças sócias que atingiam principalmente as mulheres.
Resumo:
A história é narrada em primeira pessoa e já nas páginas iniciais, Saint-Suzanne expõe seu drama: sente repugnância pela vida religiosa e precisa de um protetor que lhe defenda dos que querem a obrigar a voltar ao convento. Em formato de carta, ela relembra com exatidão todo o sofrimento que teve desde a juventude infeliz ao lado das irmãs à vida em completa solidão e clausura.
Quando pequena Saint-Suzanne recebia um tratamento diferenciado dos pais, sabia que era mais bonita e mais espirituosa do que as outras irmãs, mas sua mãe lhe fazia sentir feia e estúpida. Certas vezes, seu pai era violento e dizia que Suzanne não era sua filha. As três irmãs viviam em harmonia até que a mais velha ficou noiva. Suzanne relata que percebeu os olhares interessados do pretendente da irmã e para não criar desentendimentos, pediu aos pais que fosse afastada da casa.
Arrumaram-lhe uma vaga em um convento chamado Saint-Marie e após alguns dias, Suzanne tentou voltar ao lar, mas seus pais pediram que ela esperasse sua outra irmã se casar. O tempo foi passando e ela percebeu que todos por perto a incitavam a aceitar o hábito. Seus pais alegavam que não tinham como lhe dar um dote porque suas irmãs (agora casadas e com filhos) passavam por dificuldades. A madre superiora (a quem Suzanne adorava) dizia que ela tinha um coração bom e um espírito perfeito para ser freira.
Apesar das inúmeras súplicas, marcaram a data do seu juramento/ofício. Saint-Suzanne conta que pouco tempo antes da cerimônia, viu uma freira fugir da cela (completamente descabelada e sem roupas), ela buscava uma janela para se atirar e dizia que preferia morrer a ter que ficar presa naquele lugar. “Contaram-me a respeito dessa religiosa não sei quantas mentiras ridículas, que se contradiziam: que ela já tinha o espírito perturbado quando a receberam, que sofrera um grande susto em um momento crítico, que se tornara sujeita a visões, que acreditava estar em relação com os anjos, que fizera leituras perniciosas que lhe haviam tragado o espírito, que ouvira inovadores de uma moral desmedida que a tinham de tal modo aterrado com o julgamento de Deus, que sua cabeça ficara transtornada, que não via nada mais senão demônios, o inferno e abismos de fogo, que todas elas estavam muito infelizes, que era algo inaudito, visto que jamais houvera um problema semelhante naquela casa. Nada disso me impressionou, a todo instante, minha religiosa louca me retornava ao espírito e eu me renovava o juramento de não efetuar nenhum voto’’.
No dia do seu voto religioso, chamaram vários membros da comunidade, a família de Suzanne estava presente, assim como a madre superiora e os diretores do convento. Durante a cerimônia, Suzanne não consentiu ao juramento causando grande escândalo. “As religiosas me rodearam e me acumularam de censuras. Eu as escutava sem proferir uma palavra. Conduziram-me para minha cela, onde me fecharam a chave”. Saint-Suzanne permaneceu por muito tempo sem ouvir nem falar sobre o que aconteceu até que um dia, a retiraram da cela e disseram que sua mãe precisava lhe falar.
Durante o encontro, a mãe de Suzanne lhe implorou que seguisse a vida religiosa e lhe confessou que ela não era filha do homem que chamava de pai. Sua mãe também lhe disse que tê-la em casa era uma grande humilhação e que estava completamente falida, pois suas outras filhas pegaram todo seu dinheiro. Suzanne relata a dor que sentiu ao ser renegada e apesar de deixar claro a mãe que seu maior desejo é estar em liberdade, aceita a vida religiosa.
Seu cotidiano no convento Saint Marie estava harmonioso, Suzanne era a religiosa preferida da Madre Superiora de Moni (uma senhora boa e compreensiva, de quem se tornou muito próxima). Ironicamente, a mãe de Suzanne e a Irmã de Moni morreram em um pequeno espaço de tempo. Seu pai também falecera. Suzanne recebeu uma carta de sua mãe onde ela dizia que tinha juntado suas economias (o que não era muito) e disponibilizado caso ela precisasse. Como estava enclausurada, Suzanne não conseguiu ter acesso ao dinheiro.
A madre superiora que substituiu a Irma de Moni se chamava Saint-Christine e conforme o relato de Suzanne possuía um caráter duvidoso, estava repleta de supertições e impunha exercícios e penitencias sobre o corpo a outras freiras. Suzanne logo se rebelou, influenciando as companheiras a não obedecerem Saint-Christine. A madre tomou aversão a todas que amavam a Irmã de Moni e todos os dias dava um escândalo. Pra castigar Suzanne por sua rebeldia, proibiu que as outras freiras conversassem com ela e condenou-a a passar semanas inteiras de joelho no ofício, separa do resto, no meio do coro, a viver de pão e água, a permanecer encerrada na cela e a cumprir as funções mais vis da casa.
Outras irmãs, as ‘favoritas’ da madre Christine também passaram a sabotar Suzanne. ‘É impossível, pra mim, entrar em todos os pequenos detalhes dessas malvadezas, impediam-me de dormir, de velar, de rezar. Um dia, roubavam-me algumas partes de meu vestuário, outra vês eram minhas chaves ou meu breviário, minha fechadura ficava entravada, ou me impediam de fazer bem as coisas, ou desarranjavam aquelas que eu fizera bem, atribuíam-me discursos e ações, tornavam-me responsável por tudo, minha vida era uma série continua de delitos reais ou simulados e de castigos.’
Pauline Étienne como Irmã Suzanne, versão de 2013
Com a ajuda de uma das Irmãs, Suzanne consegue um advogado. Mas o Sr Manouri, que fez de tudo para ajudá-la não conseguiu sua liberdade. Ao menos, prometeu a Suzanne que iria transferi-la para outro convento. Os dias de Suzanne ficavam cada vez mais pesados e tortuosos no convento, um dia tentaram exorcizá-la, alegando que estava endemoniada. Suzanne ficou doente, pegou um febre terrível e quase morreu. Finalmente o Senhor Manouri conseguiu chamar a atenção das autoridades eclesiásticas, que julgaram procedentes as acusações. A madre Christine sofreu as devidas sanções e Suzanne foi transferida para outro convento: o Saint Eutrope.
No outro contento tudo era diferente, as irmãs usavam roupas mais suntuosas, gostavam de cantar e dançar, comiam bem e pareciam muito felizes. Suzanne foi recebida pela Madre Superiora. que já no primeiro encontro deu indícios de quem era: “Na primeira noite, tive a visita da superiora, veio na hora em que eu me preparava para deitar-me. Foi ela quem tirou o meu véu e me despiu. Ela me dirigiu cem palavras doces e me fez mil carícias que me embaraçaram um pouco”.
Li o livro da Gabriela Leite em uma semana, mas li aos pouquinhos, aproveitando cada capítulo, degustando cada passagem e descobrindo com muita curiosidade, admiração e respeito a história dessa mulher incrível. Lembro-me da vontade enorme que eu tinha de lê-lo e da dificuldade que tive em achá-lo. Eu estava no segundo período da faculdade quando descobri seu lançamento e comentávamos muito sobre ele nas aulas. Em frente ao local que eu trabalhava havia uma Leitura e eu sempre passava lá pra ver se eles tinham recebido o livro. No dia em que chegou eu não tinha dinheiro para comprá-lo, fiquei com uma raiva imensa e não voltei mais lá, o tempo passou e eu acabei me esquecendo. Só agora, depois de anos (de quatro anos, pra ser mais exata) é que tive a possibilidade de tê-lo em mãos por empréstimo de uma amiga querida.
Gabriela Leite é uma mulher que decidiu largar a faculdade (de filosofia na USP), as filhas e a família para se tornar prostituta. Ainda na década de 1970, Gabriela trabalhou na Boca do Lixo de São Paulo (na então famosa casa ‘La Licorne’) onde ficou por alguns anos até se mudar para a Zona Boêmia em Belo Horizonte. Pouco tempo depois ela se mudou novamente, dessa vez para o Rio de Janeiro e lá fundou a ONG DADIVA que até hoje defende os direitos das prostituas. Entre esses percursos, Gabriela viveu inúmeras situações inusitadas, conheceu diversas pessoas interessantes e incitou uma reflexão sobre a situação social e política das prostituas no país (e porque não, no mundo?).
A verdade é que a figura da Gabriela não me chamou atenção por ter escolhido ser prostituta, não me importaria se ela tivesse largado a vida para se tornar qualquer outra coisa (apesar de que eu sei que a prostituição ainda é um estigma social). O que me chamou atenção nela foi o fato de fazer as suas escolhas sem culpa, seguir um caminho com muita persistência e sem olhar para trás. Comentei com as minhas amigas outra dia que achei incrível o fato dela abandonar as duas filhas para seguir a profissão. Eu sei que ela não é a primeira, nem será a última, mas o fato de falar sobre o assunto sem nenhum remorso me desperta a curiosidade.
Eu, particularmente, não conseguiria ser tão desgarrada com as minhas coisas e com as pessoas que amo e a admiro por isso. Ao mesmo tempo, penso nas filhas dela que viveram sem a mãe. O interessante é que já nas páginas finais, a Gabriela fala exatamente isso: ‘Por personalidade, eu nunca cultivei o sentimento de culpa. Não sei por que sou assim. Minhas irmãs receberam a mesma educação, sentem culpa. Meu pai não tinha culpa. Acho que, nesse sentido, eu sou da linhagem dele. E adoro chegar à minha idade com essa minha história de vida, sabendo precisamente o que me dá prazer’.
Foto: Christian Gaul
Um dia eu disse a uma colega de serviço que fui a uma reunião de prostitutas em Belo Horizonte. Lembro-me como se fosse hoje da sua postura, ela rejeitou a ideia e me perguntou por diversas vezes o que eu faria lá. Na verdade, eu fui por causa de um encontro feminista que tivemos e pude conhecer um pouco da história daquelas mulheres. Minha colega me questionou muito sobre isso e eu, para acalorar ainda a situação, lhe contei da história de uma delas que, assim como Gabriela, tinha escolhido largar a vida de funcionária publica e ser puta. Passamos o dia discutindo e ela afirmava: ‘ela pode passar necessidade, mas não precisa virar prostituta, precisa? Ela pode escolher outra vida... ’ Comento isso porque acho muito pertinente o que a Gabriela fala em seu livro (e em diversas outras entrevistas que vi) sobre a vitimização das prostitutas. Eu mesmo ficava em dúvida sobre essa ideia, mas hoje já tenho uma posição mais consciente. Sem considerar, é claro, qualquer tipo de abuso, de trabalho escravo ou pedofilia, as prostitutas seguem essa profissão porque querem e merecem que seus direitos sejam respeitados.
Outro aspecto importante é a reflexão que ela realiza sobre o nome da profissão, é interessante como o termo PUTA/PROSTITUTA incomoda as pessoas. Ela exemplifica a situação com o caso do Congresso latino-americano em Buenos Aires onde a palavra prostituta estava proibida. Enquanto ela se negava a deixar de falar ‘prostituta’ as outras falavam: meninas, trabalhadoras ou profissionais do sexo. Ela explica que gosta de usar o termo porque: ‘mudar o nome é um pedido de desculpas.’
Estou apaixonada pelo livro e pela narrativa, simples e direta. O fato de ser prostituta não impediu que Gabriela namorasse nem se apaixonasse por outros homens. É bacana acompanhar suas reflexões sobre o passado, sobre suas escolhas, sobre seu relacionamento com os pais e com os amigos e é bom ler uma história que tem como cenário um Brasil que vivia uma forte explosão sexual e cultural. Gosto, principalmente, quando ela fala sobre a sua vivência em Belo Horizonte cidade que apelidou de ‘A Capital do papai-e-mamãe’. Em BH, Gabriela trabalhou num local chamado Lírio e depois mudou-se para o hotel Catete (um ficava na Rua São Paulo e o outrona conhecida Guaicurus). Gabriela diz que os mineiros são loucos por uma rapidinha: ‘Nada de invenção, só o básico. Nenhuma sofisticação e são de pouca conversa. Por ali, Freud morreria de tédio (…) Os programas são baratos mas a quantidade é absurda’. Aqui ela conseguiu juntar uma quantidade absurda de dinheiro, chegou até a comprar uma ‘terrinha’, mas decidiu largar tudo novamente e se mudar para o Rio de Janeiro.
Além de recontar a sua vida, ela também nos confidencia momentos (no mínimo) curiosos que enfrentou durante a profissão, um deles ( que me lembrou um pouco aquele filme ‘ As Sessões’ com a Helen Hunt), Gabriela conta a história de um deficiente físico que lhe procurou para fazer sexo e do preconceito que ela nutria por ele. Depois de conhecê-lo melhor e descobrir a sua história eles não só transaram como ficaram amigos.
– A vida da Gabriela ganhou os palcos e a peça teatral é encenada por Alexia Dechamps e Pedro Osório. Há notícias de que sua vida também será adaptada ao cinema.
Um filme que traz um elenco desses me pareceu imperdível. Quando soube que Dianne Keaton, Susan Sarandon e Robert De Niro contracenariam juntos (em um triângulo amoroso) eu quase enlouqueci. Muito se comentou (e vocês provavelmente já devem ter visto em outros sites) é que apesar do elenco (que também traz Robin Williams, Ben Barnes, Topher Grace, Amanda Seyfried eKatherine Heighl) ‘O casamento do ano’ é uma produção mediana com uma trama questionável.
Dirigido e roteirizado por Justin Zackham (também diretor em Antes de Partir), o filme conta a história do casamento de Missy e Alejandro, que se conhecem desde pequenos. Faltando poucos dias para a cerimônia, Alejandro (que é filho adotivo) toma conhecimento de que sua mãe biologia Madonna (uma mulher boliviana, extremamente católica e que não acredita em divórcio) irá visitá-lo. Para evitar qualquer tipo de conflito, Alejandro pede que seus pais adotivos Elliee Don, que estão divorciados, finjam que vivem juntos e felizes. O problema é que Don, há mais de seis anos, possui um relacionamento com Bebe McBride (Susan Sarandon) que não aceita ser colocada em segundo lugar.
Um dos grandes problemas do filme está no argumento. Uma mulher colombiana doa seu filho e depois de anos volta a vê-lo e por seguir rigidamente sua religião, todos os outros personagens precisam alimentar um disfarce que faz pouco (ou nenhum) sentido. Outro detalhe que me incomodou foi um descuido em relação aos plots, repleto de clichês. Nuria, a irmã colombiana de Alejandro é no mínimo um dos personagens mais caricatos que existem na trama. No início ela se mostra interessada em tirar a virgindade de Jared, seduzindo-o de todas as maneiras e depois aprende com Ellie que é preciso se fazer de difícil para conquistar um homem. A americana ensina a colombiana a se comportar.
As personagens de Amanda Seyfried eKatherine Heigh não fogem do óbvio, trazem a tona as mesmas problematizações que estamos acostumados em filmes água com açúcar. Robin Williams, aliás, está tão mal aproveitado no filme que seria a mesma coisa se ele não estivesse lá. Williams tem pequenas cenas e de pouco destaque, o que é um pena.
Apesar do título, o foco do filme se concentra nas histórias secundárias e não no casamento. É justo compará-lo a comédias como ‘Simplesmente complicado’ ou ‘Alguém tem que ceder’. Alysson Oliveira, colunista do Cineweb, usou um termo corretíssimo: ‘o que os amigos e os familiares fazem nesses filmes é lavar a roupa suja‘. Apesar de tudo, o filme traz momentos divertidos e é um longa agradável, além do mais, não é sempre que temos um elenco tão bom reunido e por isso mesmo eis um filme que vale a pena ser visto.