Terras Perdidas (A Thousand Acres) é um belo filme e ainda que pese pelo argumento melodramático, continua servindo como representação das imperfeições e inquietudes humanas. A famosa frase de Tolstoi (afixada nas primeiras páginas de Anna Karenina) resume bem o argumento do longa: “As famílias felizes são todas iguais; mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.
O enredo foi baseado no livro de Jane Smiley (que por sua vez, inspirou-se na clássica obra de Shakespeare: ‘O Rei Lear’) e conta a história da família Cook – que por três gerações cuidaram de uma fazenda com mais de mil acres em uma das regiões mais férteis de Iowa. Larry (o patriarca) percebendo sua incapacidade em administrar os negócios por causa da velhice, decide dividir a terra entre suas filhas (Rose, Virginia e Carol). Carol, a mais nova, questiona a decisão do pai e não aceita a divisão. Larry, que não gosta de ser contrariado, deserda Carol e impede que ela se aproxime da fazenda. A decisão de Larry desencadeia diversas situações desagradáveis e traz à tona segredos dolorosos.
Jocelyn Moorhouse (também diretora em Colcha de Retalhos) usa sabiamente os cenários externos e explora o tom emotivo através do perfil literário. Virgina (a irmã mais velha) narra a história e além de contextualizar o espectador, exprime um olhar participativo (em primeira pessoa) sobre o que se passa. Diferente de Carol (interpretada por Jennifer Jason Leigh), que é financeiramente independente e se mudou para outra cidade ainda muito jovem, Rose e Virginia construíram suas casas junto a seus respectivos maridos ao lado de Larry – que é praticamente um tirano – e tiveram que conviver com suas imposições.
Michelle Pfeiffer e Jessica Lange (que recebeu uma indicação ao Globo de Ouro) são as precursoras da trama e junto a Jason Robards trazem realismo ao enredo. Virginia e Rose possuem personalidades diferentes mas confraternizam sentimentos semelhantes em relação ao pai e de alguma forma, se acostumaram a viver em uma sociedade ortodoxa e machista. Um dos grandes méritos de Moorhouse é o respeito pelo aspecto psicológico dos personagens – ela constrói inter-relações que permeiam a passividade e a violência (o que, de fato, acontece na vida real).
Larry já não é uma figura simpática e se torna menos convidativo quando descobrimos que abusou sexualmente das filhas mais velhas. A dramaticidade do diálogo se dá porque Rose incita Virginia a confessar que também foi abusada sexualmente por ele. É interessante observar a discrepância de personalidades: enquanto Virginia acreditava que precisava aceitar a atitude do pai, Rose confessa que se sentia seduzida. As duas dividem um rancor enorme em relação a ele e, diferente de Carol, tiveram que aprender a lidar com a repulsa por causa da necessidade de convivência.
A carga dramática da trama é acentuada pelos problemas que contornam o universo particular de Virginia e Rose. Enquanto Virginia possui um casamento infeliz e não consegue ter filhos, Rose apanha do marido e precisou retirar um seio por causa do câncer que a acometeu anteriormente. Nesse ponto as duas se esbarram novamente pois acabam tendo uma relação extraconjugal com o mesmo homem (interpretado por Colin Firth). Rose que tem uma postura mais fria revela que sabia do que se passava e não se importava com a situação, em contrapartida, quando Virginia descobre que a irmã também se relacionava com ele, leva um choque e além de mostrar-se culpada (por causa do marido) reprime seu desejo e se distancia do amante. – Gosto desse momento da trama porque o espectador também é pego de surpresa: não só pelo fato das duas dormirem com o mesmo homem, mas também pela postura insensível de Rose.
Carol volta a conversar com o pai e em uma reviravolta, entra com um processo contra as irmãs. A briga em família toma proporções maiores quando as pessoas da cidade passam a defender o velho Larry, acreditando que suas filhas mais velhas são na verdade, duas oportunistas. É interessante a discrepância entre gêneros, o machismo chega a tal ponto que o advogado de Rose e Virginia sugere que elas usem vestidos para transparecer um comportamento mais feminino e tradicional.
As sessões com o juiz se tornam uma oportunidade para que os quatro lavem as roupas sujas, Rose revela sobre o abuso sexual e Carol não acredita nela. Enquanto isso, a relação entre Rose e Virginia se torna cada vez mais forte e as duas percebem que, apesar de todos os problemas, podem contar uma com a outra. Tudo piora com a morte do marido de Rose e com o retorno inesperado do câncer de mama. Virginia é colocada a prova e começa a repensar sobre o que fazer da própria vida.
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