“Os inocentes” é um grande filme e é uma pena que ele não receba o reconhecimento que merece. O assisti agora a pouco, ainda sobre influência da minha repentina admiração por Deborah Kerr (que por sinal – e mais uma vez – está belíssima). O filme foi baseado em um clássico de Henry James (A outra volta do parafuso) e conta história da Senhora Giddens, uma mulher que é contratada por um aristocrata para ser a governanta em sua mansão em Bly, na Inglaterra.
Com uma grande paixão por crianças (“mais até do que a própria vida”), Giddens se muda para a Bly com o intuito de cuidar de Miles e Flora, duas crianças que perderam os pais e cujo o tio não dá a mínima. Em princípio Giddens é muito bem recebida por Flora e Miles (que chega um pouco mais tarde, depois de ser expulso do colégio) e pela Senhora Grose (uma arrumadeira idosa), mas aos poucos ela começa a ser atormentada por dois fantasmas que carregam um sombrio segredo.
Lançado em 1961, dirigido por Jack Clayton e roteirizado por Truman Capote, “Os inocentes” enquadra-se no melhor estilo do terror psicológico, não peca por excessos, possui um roteiro brilhante, uma iluminação e uma trilha sonora de tirar o fôlego – não é atoa que Martin Scorsese tenha o colocado em sua lista de melhores filmes de terror de todos os tempos, nem é atoa que ele tenha sido classificado pela Time Out como um dos melhores filmes britânicos de todos os tempos – o longa é realmente muito bom.
Clayton fez uma boa escolha ao optar por um filme em preto em branco; a iluminação tem um papel técnico importantíssimo na trama e o diretor a usa com destreza assombrosa. Em uma cena, por exemplo, a governanta começa a ouvir barulhos e questiona a própria sanidade. O que Clayton faz? Ilumina apenas os olhos de Kerr que estão completamente perdidos e assustados (e isso se repete várias vezes),.
Como a história é muito densa, um aspecto que passa despercebido (mas que não deveria) é o cuidado com a construção cenográfica, que sustenta a verossimilhança histórica de maneira impecável. Não sei exatamente se poderia classificá-lo assim, mas o cenário possui toques impressionistas que se adequam a função psicológica das ações: as escadas, o casarão meio abandonado, as velas – e claro, o vestuário bem trabalhado (que também dão a história um tom mais sombrio).
Sobre o roteiro há algo que chama atenção, as falas são muito, muito, muito bem trabalhadas e a narrativa é um misto de fluxo de consciência e diálogos (e muitos deles não estão de acordo com a continuidade de tempo – Giddens, por exemplo, escuta os fantasmas conversando… mas essa conversa se passa no presente? no passado?) Não há nada explícito, mas você percebe desde o inicinho que alguma coisa está errada, o roteirista vai oferecendo pequenas pistas: por exemplo, quando o pequeno Miles, durante um brincadeira, pede para que a Senhora Giddens escute um poema: no poema o “eu-lírico” pede que o espírito saia de seu túmulo e tome o seu corpo.
Deborah Kerr não decepciona, a atriz consegue equilibrar o aspecto dramático (que muito se dá pelo embate psicológico do personagem) com a personalidade doce e interiorizada da Senhora Giddens. O interessante é que no livro a governanta tem apenas 20 anos (e não é atoa), mas quando Kerr atua esse aspecto se transforma em um mero detalhe. Mas Kerr não pode levar todo o mérito, Pamela Franklin e Martin Stephens (as crianças) também trazem um peso dramático à trama, principalmente quando ocorre o confronto com a governanta.
Ha muito que dizer sobre esse filme, mas eu prometo não me estender. Só mais um aspecto merece o comentário: a abertura. Jack Clayton queria fazer algo diferente das produções da Hammer (um companhia britânica especializada em filmes de terror), por isso iniciou seu filme com uma tela totalmente preta onde uma criança canta “O Willow Waly” (essa abertura só dura 45 segundos,mas apresenta a música que toca repetidas vezes ao longo do filme). Então, só depois é que ele exibe os créditos, em uma tela igualmente preta, mas dessa vez, podemos ver as mãos da Débora Kerr (que exprime muita tensão através delas) e ouvir a personagem rezar pelas crianças. – E, pelo que eu li, a voz que aparece no início não é de uma criança, e sim da Deborah Kerr “imitando” uma criança (PQP!).
O Erótico, as metáforas e os símbolos: quem é realmente Inocente?
O início do filme é um pouco devagar, mas sem dúvidas, depende desse desenvolvimento para não comprometer a compreensão da história, afinal, há muito hipocrisia naquela casa – e o difícil é descobrir da parte de quem. Finalmente, depois de um período angustiante, onde a personagem principal se pergunta o que se passa naquele lugar, ela deduz (ou simplesmente entende) qual a história dos dois fantasmas.
Peter Quint trabalhou cuidando dos cavalos da mansão. De acordo com a Senhora Grose ele era um homem detestável, alcoólatra e extremamente grosseiro. Apesar de tudo, Miles o adorava e ninguém conseguia separá-los. A Senhorita Jessel foi, antes da Senhora Giddens, a governanta da casa e ela era muito próxima da Flora, as duas passavam horas dançando no salão. Um dia Quint chegou bêbado, escorreu na escada e morreu. Jessel, que era apaixonada por ele, não suportou a dor de perdê-lo e se matou afogada em um lago. Grose contava que os dois eram extremamente obscenos, falavam palavrão e faziam de dia o que deveriam fazer a noite. -Na frente das crianças?, a Senhora Giddens pergunta. “Eu não tenho certeza se as crianças viram, eu vi várias vezes.”
Ao observar o comportamento estranho das crianças (as trocas de olhares, as brincadeiras maldosas, os galanteios de Miles), a Senhora Giddens deduz que as crianças estão possuídas por esses espíritos. Quint e Jessel querem entrar no corpo dos irmãos para se reencontrarem mais uma vez como amantes – Mas será que isso é verdade ou ela está apenas enlouquecendo? Quando a Senhora Giddens começa a confrontar as crianças, sugerindo e observando esse possível contato sexual entre elas, a velha empregada Grose lhe afirma: “Não faça isso, eles são tão inocentes!”. E a Senhora Giddens responde: “Eles não são inocentes, são adultos!”.
Como eu disse, não é atoa que a Senhora Giddens (no livro) tem apenas 20 anos. Há (tanto no livro quanto no filme) uma dúvida sobre quem é realmente o inocente (ou puro) nessa história. Giddens, um poço de gentileza e candura, enfrenta pela primeira vez esse tipo de trabalho e conforme afirma: “só quer ajudar os outros”. Mas e se tudo o que se passa for apenas fruto da sua imaginação (já que as crianças e os empregados insistem em dizer que não enxergam os fantasmas que ela vê?) e se ela estiver mentindo? -Posso lhe garantir que não há uma resposta para essa pergunta.
O beijo (ou melhor, os beijos) entre Miles e a Senhora Giddens me deixou desconcertada, confesso que voltei o DVD pra ter certeza do que estava vendo. A cena é no mínimo polêmica e corajosa. E muito clara: HÁ UMA TENSÃO SEXUAL ACONTECENDO ALI! Miles beija a governanta e depois deita-se na cama, com um rostinho angelical enquanto a Senhora Giddens, desconcertada, lhe sorri – Close em sua boa, entreaberta. (Jack Clayton impediu que as crianças vissem o resultado do filme e escondeu delas o contexto sexual da trama). O interessante é que o filme dá vários indícios metafóricos de que a governanta foi sexualmente reprimida (as plantas caídas, os insetos – um incrível toque freudiano).
E essas metáforas e símbolos estão em todo o lugar, em um momento do filme, por exemplo, a Senhora Giddens escuta sussurros e barulhos que sugerem Quint e Jessel transando. “Me ame, me ame” Ao mesmo tempo que escuta esses barulhos ela se depara com o cortina batendo incessantemente na janela. Quando ela ela se vira, o barulho para.
Imperdível, é tudo o que me esta a dizer, esse filme é imperdível!
Este é um filme que quero muito ver. E agora depois de ler esta análise, ainda fiquei com mais vontade.
Esse é um dos meus filmes prediletos com a Deb. Teu post está maravilhoso, toca em pontos essenciais da trama. Faz tempo que vi esse filme. No entanto, a cena que ficou gravada em minha memória são os beijos entre Miles e a Sra.Giddens. Se esse filme fosse rodado nos EUA, o escritório de censura jamais teria deixado passado. Ainda bem que é uma produção britânica. Incrível como esses filmes antigos conseguiam dizer tantas coisas sutilmente. Como tu disse, é a iluminação, os diálogos… tudo quer dizer algo. Não enxergo mais esse cuidado nos filmes atuais. Quer dizer, “Stoker” é um filme que tem esse cuidado, não sei se tu já viu. Recomendo fortemente! Enquanto lia teu post, lembrei de um livro, meu livro preferido aliás, escrito pelo Mario Vargas Llosa: O elogio da madrasta. Nele, existe um romance entre a madrasta e seu enteado de 9 anos, Fonchito. Nossa, é sensacional! O livro mostra muito bem o nascimento do sentimento, da força sexual que o enteado sente pela madrasta. Também existe a mesma pergunta que o filme: afinal, quem é inocente?
Outro filme maravilhoso da Kerr (e pouco conhecido também) é “Narciso negro”. Ela faz o papel de uma freira que vai até um lugar exótico, junto com outras freiras, para catequizar o pessoal que vive lá. Existe também esse cuidado nas mensagens, ele foi filmado em technicolor, então a cor tem um papel fundamental na expressão dos sentimentos dos personagens. Esse lugar pra onde elas vão é “amaldiçoado” e o filme mostra a corrupção de cada uma das personagens. Um puta filme!
Sobre Jennifer Lawrence: também não gosto quando tentam nos vender essa imagem fabricada. Para mim ela não é nem mesmo bonita. Além disso só fala bobagens! Não sei se tu chegou a assistir o tapete vermelho do Globo de Ouro, mas apareceu ela falando e sabe… baboseiras. É claro que pode ser coisa da idade, ela só tem 23 anos, mas não sei…Eu não gostei. Nunca me recuperarei do fato de ela ter roubado o Oscar da Riva. Um amigo meu disse que não enxergava a dificuldade do papel dela em “Amor” e fiquei ainda mais revoltada. Pera aí, a mulher teve de dar tudo de si para interpretar uma mulher que fica praticamente um vegetal! É triste isso, porque a atriz que interpreta a Queenie em AHS é uma puta atriz, mas quem irá valorizar? Negra e gorda… tudo que os EUA não querem mostrar. A indicação da Lupita Nyong’o me surpreendeu, estou torcendo muito por ela.
Eu AMO a Olivia de Havilland e esse filme que tu citou! Que papel, hein? A cena final em que ela diz “não” pro Monty, uau! Sou apaixonada, mesmo. Ela escreveu um livro sobre suas aventuras na França (foi morar lá por causa do casamento com o editor da Paris Match), Every frenchman has one. Recomendo! Aliás, tu já viu “Lady in a cage”? É de 1962, eu acho. Acho que tu vai gostar. Ele tem um clima claustrófico do caralho, insinuação de um amor reprimido da mãe pelo filho… um puta filme!
Detestei a escrita do livro da Joan. Tu chegou na parte em que ele desce a lenha na Bette? Fiquei muito furiosa, ele coloca a Bette no chinelo, fala que ela atuava mal. Parece que não consegue separar a feud entre as duas do talento, sabe? O livro vale pelas fotos, mesmo. Recentemente terminei de ler um livro sobre a Joan escrito pela Charlotte Chandler. Ele é muito bom, escrito em parceria com a Joan, em vários momentos é a voz dela que fala.
Sobre Fleetwood Mac: escute! Tu não vai se arrepender, é muito bom. Vou te mandar uma música que tenho escutado bastante ultimamente: http://www.youtube.com/watch?v=YNdyJnxu7bM
Esse álbum é muito melancólico, tem dias que choro choro ouvindo as músicas.
“your eyes say yes but you don’t say yes” pra mim dos versos mais lindos dessa música.
Falei demais, como sempre. Beijão!