Vou começar esse texto com três perguntas que andam me perturbando a dias, que podem parecer bobas, mas que fazem todo o sentido: por quê o sexo na maturidade causa tanta polêmica? Afinal, pessoas velhas não transam? E, aliás, por quê tamanho estigma? Ultimamente o cinema mundial vem apresentando uma onda de filmes com essa temática, uns com um tom realístico, outros nem tanto, a maioria com o mesmo foco: a velhice (ou o envelhecimento). Conversava sobre isso com um colega e ele disse que eu não poderia deixar de assistir Glória, um filme chileno de 2013, que contava a história de uma mulher de 58 anos, divorciada e sexualmente ativa.
Como boa cinéfila, fiz meu dever de casa direitinho. Antes de assistir o filme, li sobre o diretor, sobre a produção e sobre a atriz principal. Gloria foi super bem recebido, levou prêmios no Festival de Berlim, foi vendido para mais de 45 países e levantou uma onda saudosista no Chile. Aliás, recepção merecida, porque é realmente muito bom.
Li uma entrevista do Sebastián Lelio (o diretor) onde ele dizia que hoje em dia, os homens e as mulheres na casa dos 60 anos possuem perspectivas diferentes das gerações passadas: “Não querem ficar em casa, para eles trata-se de uma nova fase da vida, na qual querem também se divertir e dançar e viver”. Concordo plenamente, acho que o processo de envelhecimento mudou, muito em razão do crescimento da expectativa de vida.
Diante dessa “nova onda” do cinema (de filmes como Amour, O Exótico Hotel Marigold, E se vivêssemos todos juntos?) é possível perceber que Gloria não é exatamente sobre a velhice, mas sim sobre o envelhecimento. Aliás, o personagem tem apenas 58 anos (e há de convir que nem é tão velha assim). Eu acho que esse filme se adequa perfeitamente a uma passagem de um livro da Rosa Montero (História de Mulheres) onde a autora diz o seguinte: “Há pessoas que, com o transcorrer da vida simplesmente envelhecem, outras, mais sábias ou afortunadas, vão amadurecendo. Outras, ao contrário apodrecem e outras ainda, enfim, se desbaratam, e todos esses processos têm frequentemente um claro reflexo no aspecto físico”
Na trama, Gloria (Paulina Garcia) é uma mulher independente, mora sozinha, possui dois filhos (Ana, de 27 anos e Pedro, 30), está separada há mais de dez anos e adora sair a noite para dançar. Em um desses bailes conhece Rodolfo (Sérgio Hernandez), um ex-militar que fica perdidamente apaixonado por ela. Os dois começam a se relacionar, mas enquanto Glória o introduz para sua família, Rodolfo se esquiva e insiste na ideia de que suas filhas não entenderiam seu namoro. Enquanto leva uma vida agitada (dividida entre o trabalho, os filhos, o neto, as sessões de yoga e de terapia), Gloria começa a se perguntar se o seu novo relacionamento realmente vale a pena.
Uma das coisas que mais me encantou no filme foi o respeito pela nudez e a ausência da apelação sexual. Por diversas vezes, Paulina Garcia aparece nua em tela e o clima estabelecido transborda erotismo e sensualidade. Aliás, Paulina não é uma mulher “linda”, mas tem um charme que faz do personagem ainda mais interessante, é como se o filme dissesse: “Você tem cinquenta anos, ou mais do que cinquenta anos? Tá vendo esse filme? Tá vendo essa mulher? Pois é, poderia ser você nessa situação então, vá ser feliz!” E felicidade aqui, que fique claro, não é algo surreal, em um dialogo belíssimo entre Gloria e Rodolfo eles discutem justamente esse aspecto:
Rodolfo: Você é feliz? Glória: Sim… Não. As vezes. Rodolfo: Como todo ser humano…Em Berlim, Paulina Garcia foi chamada de “Meryl Streep chilena”. Nem sei se essa comparação é realmente necessária ou justa, afinal… Paulina é Paulina e suficiente por sí só. E como essa mulher impressiona, como emociona nos simples detalhes, sem exageros (porque isso – ao meu ver – é ser bom ator, é pegar um personagem comum e transforma-lo em algo grande). Sérgio Hernandez também impressiona, está mais humano do que nunca, andando na linha tênue entre a coragem e a covardia.