Nós que aqui estamos, por vós esperamos

Ontem revi um dos filmes brasileiros que mais gosto. O assisti há muitos anos, ainda no colégio e o título não me saiu da cabeça; Revê-lo trouxe sensações semelhantes as que senti na época, uma consciência amarga do fim da vida, uma nostalgia enorme e um respeito, uma admiração pela história e evolução humana.ImagemPor si só, o título “Nós que aqui estamos, por vós esperamos” é uma belíssima construção poética, uma sentença, uma reafirmação de que todos os homens possuem um só futuro, uma só certeza: a morte.  Mais interessante ainda é que a frase está inscrita na porta de um cemitério localizado em Paraibuna, no interior de São Paulo e serviu de inspiração para o diretor, Marcelo Masagão.

O filme, primeiro projeto de Masagão, é uma releitura cinematográfica do livro ‘A Era dos Extremos’, de Eric Hobsbawm. Premiado no Festival de Recife e no Festival de Gramado em 2000, o documentário é composto por uma série de colagens, textos, pinturas e vídeos que remontam a história, evidenciando a modernidade. O vídeo fica ainda mais emocionante com a trilha sonora, por sinal muito linda, criada por Win Mertens.

O rádio, a luz e a aspirina

Enquanto assistia o filme eu anotava algumas palavras, faço isso às vezes. Relendo meu caderno, o que escrevi foi: fantasmas do passado, terror, grotesco, chocante, família, sacrifício, humanidade, imagem, modernidade, voto feminino, poesia, religiões, trilha sonora, beleza. Em suma, é exatamente o que define “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”, Masagão foi muito sábio ao dar voz aos esquecidos, trazer a tona histórias tristes (e poéticas) que nunca saberíamos, contar o banal, fazer do banal uma poesia.

E a arte que ele constrói não é só visual, é sensorial também. A trilha sonora, o texto e o vídeo se fundem. As histórias são contadas através de frases de efeito, difícil não se sensibilizar com elas, por exemplo: “Berlim, 2000 casamentos: lua de mel improvisada, no outro dia Hans estava no front, Hans atira bombas”. ou “Paul Norman não tinha luz em casa, morreu na cadeia elétrica”, “Trabalhou doze horas por dia numa fábrica da Ford, inclusive aos sábados. Nunca teve um Ford”, “Nunca viu TV, nunca foi pra guerra, gostava de coca-cola”.

Foto: Carlos Santos/G1
Foto: Carlos Santos/G1

Aliás, o que Masagão faz não é só ‘arte é também um trabalho documental, de historiador, um trabalho jornalístico, ele reconta o passado. Um dos temas recorrentes é a guerra, o diretor visivelmente se opõe a isso e seu instrumento principal é a imagem, ele exibe imagens chocantes como um homem brincando com uma pena decepada, multidões caminhando, bombas explodindo, uma mulher brincando com uma mão, cidades destruídas – mais uma vez, difícil não se sensibilizar.

Vale lembrar que Masagão não só relembra os ‘esquecidos’, mas também menciona figuras populares, algumas inesquecíveis, de ditadores como: Hitler, Mussolini, Pol Pot, Franco, Salazar, Idi Amin, Pinochet, Médici. De feministas: Doris White, Josephine Baker. De pensadores e artistas: Karl Kraus, Freud, Madre Thereza, Gandhi Stalin, Picasso (…). Não há nada mais lindo do que a imagem de Fred Astaire dançando em contraponto a imagem de Mané Garrincha jogando, que comparação incrível não? Melhor ainda, ao som de um samba irresistível.

Ficha Técnica:
Gênero: Documentário
Direção: Marcelo Masagão
Roteiro: Marcelo Masagão
Trilha Sonora: Wim Mertens
Duração: 73 min.
Ano: 1999
 

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