10 filmes sobre ‘Racismo

Racismo

outra-historia-americana-poster021)A outra história americana: Esse é um filme impressionante, tanto pela trama quanto por questões técnicas. Dirigido por Tony Kaye e protagonizado por Edward Norton, o filme conta a história de Derek (Norton), um homem que liderou, durante anos, uma gangue racista. Totalmente desgovernado, Derek passa a compartilhar mensagens de ódio, traz problemas para a família e se envolve em um assassinato. Após três anos na prisão, Derek sai em liberdade com uma cabeça totalmente diferente da que entrou, mas percebe que seu irmão mais novo (interpretado por Edward Furlong) seguiu seus passos e está prestes a liderar um novo grupo racista. Diálogos densos, fotografia incrível. Emocionante.

Índice2) Ao Mestre com Carinho: Filme de 1967, protagonizado Sidney Poitier e inspirado na autobiografia de E.R. Braithwaite. Na trama, Poitier interpreta Mark Thackeray, um engenheiro frustrado que recebeu um convite para ministrar aulas em uma escola pública.  Thackeray logo se desentende com a classe, que possui um comportamento agressivo e não o respeita. Diante da situação o professor decide não só ensiná-los as matérias escolares, como também dar-lhes uma lição de vida. Socialmente marcante, ‘Ao mestre com carinho’ é um obrigatório. Dirigido, roteirizado e produzido por James Clavell.

3)  Histórias Cruzadas: Baseado na obra de Kathryn Stockett, o filme se passa na Histórias Cruzadasdécada de 1960, no Mississipi.  Na trama, Skeeter (interpretada por Emma Stone) é uma jornalista inconformada com o racismo sofrido por duas empregadas negras, Aibileen (Viola Davis) e Miny (Octavia Spencer). Skeeter começa a escrever um livro sobre o cotidiano das empregadas e entrevista outras mulheres que passaram por situações semelhantes. O livro, chamado ‘The Help’, torna-se um escândalo e choca a vizinhança conservadora onde Skeeter vive. Doce e triste, um filme imperdível. Dirigido e roteirizado por Tate Taylor.

4)   Preciosa: Impossível fazer uma lista dessas, sem citar esse filme. Ainda não que não seja um dos meus preferidos – acho muito exagerado, reconheço que 19962710.aspPreciosa conta com atuações incríveis. Dirigido por Lee Daniels, o filme conta a história de Claireece “Preciosa” Jones (Gabourey Sidibe), uma adolescente negra e pobre de 16 anos que sofre abusos sexuais tanto do pai quanto da mãe.  Preciosa, que tem um filho com síndrome de down, descobre estar novamente grávida. Para não ser expulsa do colégio, ela busca ajuda na orientadora social, Sra. Weiss (interpretada por Mariah Carey).

5) Mississipi em Chamas: Denso, dramático e assustador. Filme de 1988, dirigido por Alan Parker. Na trama, Gene Hackman interpreta Rupert Anderson e Willem Dafoe vive Alan Ward, dois agentes do FBI que investigam o assassinato de três Mississipiativistas. A trama se passa na década de 60 e é um retrato sobre as atrocidades cometidas pela Ku Klux Klan. Apesar de muito premiado (entre eles: Oscar, BAFTA e Globo de Ouro), o filme foi criticado por sua inconsistência histórica já que apresentou os agentes do FBI como heróis, quando na verdade, o FBI pouco defendeu os civis da região.

6) 12 Anos de Escravidão: Baseado em um romance autobiográfico, “12 anos de escravidão” conta a história de Solomon Northup, um homem negro e livre que viveu em Nova York no século XIX. Em 1841, Norhtup (que era um violinista conhecido), recebeu um contive: viajar para Washington, tocar em um circo e ganhar qcartaz-12-anos-de-escravidc3a3ouase o triplo do seu salário. Durante a viagem, o músico é sequestrado e vendido como escravo.

Obrigado a trabalhar em uma plantação em Louisiana, Norhtup tenta fazer contato com sua família de todas as formas. Enquanto não consegue, presencia a barbárie e a violência sofrida por outros negros, que encontram-se em uma situação parecida com a sua. Em “12 anos de escravidão”, Steve McQueen (também diretor em Shame) toca em um ponto dramático da história da humanidade, é difícil (quase impossível) não se sentir sensibilizado quando o assunto é escravidão. Famílias separadas, dor, humilhação psicológica e física, racismo e tortura: um misto de ações e sentimentos  que fazem o estômago embrulhar. Já vimos muitas histórias sobre esse temahomo-sapiens-1900-dvd, mas ’12 anos, diferente de Django Livre, por exemplo, traz uma história sincera sobre o terror, sobre o lado mais obscuro do ser humano. E aliás, acho fundamental esse papel que o cinema cumpre, de nos lembrar – ou melhor, de nos fazer ter consciência – da nossa história.

    7) Homo Sapiens 1900: Imperdível. O documentário, de 1998, dirigido por Peter Cohen, constitui-se de uma narrativa (em forma de colagem, com fotos e vídeos) sobre a ‘eugenia’, ou seja, sobre o aprimoramento da raça humana. Homo Sapiens 1900 demonstra como a ciência e diversos estudos científicos estão marcados pelo racismo. Além disso, Cohen mostra como o facismo e o nazismo, como a Europa e o próprio EUA se basearam nessas teorias. Os nazistas, por exemplo, propagavam a ideia de ‘limpeza de pele’, de físicos perfeitos e da superioridade da raça ariana. 

Hotel-Rwanda  8) Hotel Rwanda: Filme de 2004, dirigido por Terry George. A trama reconstrói o Genocídio em Ruanda, ocorrido em 1994, época em que o conflito entre os hutu e os tutsi causou a morte de mais de 500.000 pessoas.  A ‘guerra’ entre os dois grupos começou quando o presidente Juvenal Habyarimana foi assassinado em um atentado (logo após assinar um acordo de paz). Na história, Don Cheadle interpreta Paul, dono de um hotel que, diante da possibilidade de um massacre, tenta proteger a família. Nesse mesmo período, o hotel de Paul acaba se tornando abrigo para refugiados (não só civis, mas também militares e políticos).

Adivinhe.Quem.Vem.Para.Jantar.DVDRIP.Xvid.Dublado9) Adivinhe quem vem para jantar:  Spencer Tracy + Katherine Hepburn + Sidney Poitier = Clássico, com interpretações incríveis e, com uma história emocionante. Filme de 1967, dirigido por Stanley Kramer. Na trama, Hepburn e Tracy interpretam um casal que recebe em sua residência o noivo da filha, John Prentice (Sidney Poitier).  O casal se choca e se incomoda com a cor de Prentice, que apesar de ser um bom homem, não corresponde aos ‘padrões’ impostos pelos sogros. O filme tem um roteiro ímpar, com toques de ironia que deixam os diálogos e as situações mais interessantes e cômicas.

a-cor-purpura-alice-walker_mlb-f-216554592_5922     10) A Cor Púrpura: Filme de 1985, de Steven Spielberg. Após ser violentada pelo pai, Celie (interpretada por Whoopi Goldberg), uma jovem de quatorze anos, dá a luz a duas crianças. Separada dos filhos e da irmã, que tanto ama, Celie começa a escrever cartas (primeiro para Deus e depois para a Natalie, uma missionária). Solitária e extremamente triste, Celie – com a ajuda de Shug e Sophia (Oprah), começa a perceber que pode mudar seu destino.

 

Gigola

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Gigola (a gigolô feminina) não é uma mulher de beleza exuberante, não é daquelas que escancaram as revistas, daquelas que aparecem nas telas ou passarelas. Ousaria dizer que nem bonita ela é… mas é irresistível, sensual, glamourosa, voraz. Gigola é um charme – e aprendeu a lidar com os prazeres sexuais com uma professora do colégio, época em que se entendia como ‘George’ e já era maliciosa.

Apaixonou-se perdidamente pela professora, envolveu-se até o último fio de cabelo. Decepcionou-se logo no primeiro amor, a professora morreu. Gigola, viúva, nunca mais foi a mesma e nunca mais encontrou alguém que substituísse a altura o amor perdido.

Jogou-se na rua, ovelha negra, largou a faculdade de medicina, chocou os pais católicos, tornou-se garota de programa. Fez sucesso, subiu rapidamente na carreira, tornou-se uma poderosa cafetã. Não ficava atrás de nenhum homem, sabia mandar, sabia negociar. Enriqueceu.

Comedora, pegava todas, até aquelas que estavam dispostas a pagar milhões, a presenteá-la com carros importados e lhe comprar joias caríssimas. Rica, independente, com mulheres aos seus pés, respeitada… o quê lhe faltava? Gigola sentia falta de um amor.

Tentou suicídio, sobreviveu. No hospital conhece uma mulher, a própria reencarnação da única pessoa que mexeu com seu coração. Ela era igual a professora, mas não… não era ela. Médica, heterossexual e casada. Gigola se apaixonou por uma mulher impossível.

Marisa Paredes84093548Gigola é um filme gostoso, bonito. Daqueles que tem um clima de glamour, de ‘amor de cabaret’. Mas deixa a desejar em alguns pontos, peca pela tentativa caricata  de reconstrução de época. Laura Charpentier, a diretora, bem que se esforçou – e seu esforço é evidente em cada cena, mas alguma coisa faltou… um ‘it’, um climax, um rumo.

Lou Doillon é um verdadeiro presente para os olhos, fria, segura, séxy. Encarna uma Gigola irresistível – mas, confusa. Afinal, o quê a Gigolô feminina quer da vida? E, nesse universo lésbico, nessa vida noturna, o que a faz querer não ser quem é?

E, convenhamos, Gigola tem sorte. Nas mãos, duas mulheres belíssimas: Odete e Alice. Como resistir a Ana Padrão e a Marisa Paredes? (Paredes, que aliás, participa de uma cena quentíssima!).  Impossível também, não ter olhos para Rossy de Palma – que aparece pouco, mas aparece bem – marcante.

 

A tia Alejandra

tIA aLEJANDRA“La tía Alejandra” é um grande clássico do terror mexicano. Pesado e obscuro, o filme conta a história de Rodolfo, Lucía e seus três filhos. A família, de classe média, recebe a visita de Alejandra, uma senhora misteriosa e amarga que não é bem vista pelas crianças. Rodolfo e Lucía, no entanto, se apoiam financeiramente na tia e fazem de tudo para que ela permaneça na casa.

A chegada de Alejandra provoca graves incidentes e a família é marcada por sucessivas tragédias.  Enquanto as crianças possuem a certeza de que Alejandra, ‘uma bruxa’, é responsável por todos os acontecimentos ruins e tentam afastá-la, os adultos fazem de tudo para que ela permaneça – até que a situação foge do controle.

Dirigido por Arturo Ripstein e produzido em 1979, o filme é estrelado Isabela Corona, a “Bette Davis” mexicana, por Diana Bracho e Manuel Ojeda (outros dois grandes nomes da dramaturgia).

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Ripstein se debruça sobre o respeito que a cultura mexicana possui em relação a sabedoria dos anciãos e constrói uma história densa e inquietante. O filme, que se classifica perfeitamente no gênero de terror psicológico, não é uma daquelas produções com cenas gritantes de violência ou de susto. Pelo contrário, a narrativa ilustra casos de magia negra, ocultismo e bruxaria (enriquecido pela folclore mexicano) de uma forma assustadora, mas pouco explícita.

Por isso mesmo, ao ver o filme, me lembrei de “Os inocentes”, do Jack Clayton.  “A tia Alejandra’ também retrata uma história de possessão, magia e vingança, envolvendo crianças. O longa mexicano, por outro lado, é sexualmente mais pesado.

Isabela Corona (que, por muitos anos manteve uma relação amorosa com Júlio Bracho, pai da Diana Bracho) está deslumbrante, enigmática, fria. É ela que domina o filme, desde o inicinho ao fim. Diana Bracho também se sai muito bem, mas ainda estava longe de ser a figura forte e influente que se tornou no setor da sétima arte (de 2002 a 2006, por exemplo, foi a presidente da Academia Mexicana de Artes y Ciências Cinematográficas).

Título Original:La Tía Alejandra (1979)
Director: Arturo Ripstein
Guión: Delfina Careaga y Sabina Berman
Actores: Isabela Corona, Diana Bracho, Manuel Ojeda, María Rebeca
 
 

Orange is the new black – O livro!

“O fato de que eu havia me acostumado à vida na prisão chocou meus amigos e familiares, mas ninguém lá de fora pode realmente compreender o efeito galvanizador de todos aqueles rituais rígidos, sejam os oficiais ou os informais. É esse o paradoxo enganoso e cruel das longas sentenças. Para mulheres que cumprem penas de sete, doze ou vinte ano, a única maneira de sobreviver é aceitar a prisão como seu universo. Mas como elas poderiam sobreviver no mundo exterior, quando fossem libertadas?”

O livroFiquei feliz ao descobrir que Orange is the new black foi inspirada em um livro e mais feliz ainda, ao ler o livro e descobrir que a série possui certa fidelidade. Piper realmente existe e  na narrativa conta como se envolveu, aos vinte e três anos, com uma traficante de drogas e acabou sendo presa.

Em uma sensível descrição, Piper Kerman relata em detalhes o dia-a-dia em que viveu, durante quinze meses, em uma prisão federal. Com cautela em relação aos nomes (ela muda a maioria deles), a autora explora tristes dramas pessoais e casos, alguns bem humorados, de quando se viu presa.

Logo no início, ela conta como – após se formar, em teatro – mudou-se para Massachusetts e conheceu Nora, uma mulher bem mais velha, rica e charmosa, que a levou para conhecer o mundo e a envolveu em uma série de crimes. Ao contrário do que é ilustrado na série, Nora só aparece no julgamento e a relação das duas é bem fria. Em relação ao marido, no entanto, Piper é extremamente amorosa e agradecida. (Spoiler? Larry não se envolve com a melhor amiga dela).

No livro, Piper e Red possuem uma ligação muito forte, as duas são como mãe e filha. Piper narra, inclusive, os momentos em que ia até a cela de Red só para massagear os seus pés.

O interessante é que muitos dos casos que ela conta foram retratados na série de maneira fiel, fiquei surpresa ao ver esse cuidado da produção e esse carinho, atenção, em relação aos detalhes. Ela conta, por exemplo, que chegou a dividir a cela com uma jamaicana, a “Natalie” – uma mulher séria e muito preocupada com a higiene, que não gostava de falar sobre seu passado e que as prisioneiras chamavam de macumbeira, muitas diziam que ela estava presa porque jogou água quente no rosto de uma mulher.

Ou quando falava sobre Vanessa, uma transexual que tinha o corpo muito mais bonito do que diversas mulheres: “Vanessa se viu privada dos hormônios que tomava, por isso várias características masculinas que, de outro modo, teriam ficado menos evidentes, principalmente a sua voz. Apesar de usar na maior parte do tempo uma voz aguda, bem juvenil, ela era capaz de mudar a frequência para sua estrondosa e masculina voz de Ricardão. Adorava usar isso para dar um susto terrível nas pessoas e conseguia silenciar a barulheira do refeitório gritando ‘Cala a boca, todo mundo!’!.

Como eles são na vida real?

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Como de costume, selecionei algumas partes que me pareceram mais interessantes no livro e as reproduzi aqui, deem uma olhada:

Os personagens:

Sam HealyImagem: “O que você realmente precisa é ficar atenta com as outras detentas. Algumas delas são tranquilas. Ninguém vai mexer com você a não ser que você permita. Agora, as mulheres, elas não brigam muito. Elas falam, fazem fofoca, espalham boatos. Então, podem falar de você. Algumas dessas garotas vão pensar que você acha que é melhor do que elas. Vão dizer: Ah, ela tem dinheiro (…) E há lésbicas lá. Têm algumas, mas elas não vão incomodar você. Algumas vão tentar ser suas amigas, ou algo parecido. Fique longe delas! Entende, você não precisa fazer sexo com elas. Sou antiquadoImagem, não aprovo nada dessas coisas esquisitas”.

“O Sr. Butorsky, meu supervisor, tinha inventado uma prática. Uma vez por semana, ele convocava todas as detentas sob sua supervisão, metade do pavilhão, para uma reunião de um minuto com ele. A gente precisava se apresentar no escritório que ele dividia com Toricella e assinar um grande livro de registro para comprovar a presença.”

Anita DeMarco e Miss Rosa: “Minhas novas colegas de cela me deixaram em paz. Às dez da noite, as luzes se apagaram de repente, e coloquei Jane Austen em cima do armário e fiquei olhando para o teto, ouvindo o aparelho respirador de Anette – ela sofrera um ataque cardíaco logo após chegar a Danbury e precisava usá-lo à noite. A Srta. Luz, quase imperceptível no outro beliche inferior, se recuperava de um tratamento contra um câncer de mama e não tinha sequer um fio de cabelo na cabeça pequenina. Eu começava a suspeitar que a coisa mais perigosa que poderia acontecer na cadeia era ficar doente.

RedRed: “Ela havia passado por uma vida doida fora da prisão, tendo emigrado da Rússia para os Estados Unidos aos três anos”. Ela saiu de casa aos dezoito para se casar com um gângster russo. Sua vida conjugal abarcara todo o esplendor excessivo da era das discotecas de Nova York nos anos 1970 e 1980 e vários anos fugindo da polícia.

Red: – A polícia tentou nos prender de tudo quanto é jeito, meu marido só ria. Bem, se eles querem tanto pegar você, vão conseguir. Eles nunca desistem.

“Seu marido estava preso em algum lugar do sul do pais, e os filhos já eram crescidos. Ela perdera tudo, mas conseguiu aguentar uma dúzia de anos na cadeia sem entrar em parafuso e levava a vida da melhor maneira possível. Ela era perspicaz e exuberante. Era gentil, mas podia ser cruel. Sabia como tirar proveito do sistema e também como não se deixar ser REdhumilhada. Eles sempre tentavam. Os filhos crescidos de Red vinham visitá-la todas as semanas, e também vários outros parentes, murmurando em russo. A sala de visitas era o único lugar onde eu a via no uniforme cáqui padrão, o resto do tempo, ela vestia calças xadrez de cozinheira, o avental grená com Red bordado em branco no peito e uma rede nos cabelos. No entanto, para as visitas ela sempre arrumava o cabelo e se maquiava para parecer mais elegante, quase uma mocinha”.

Pennsatucky: “Allie tinha uma aliada, uma jovem do oeste da Pensilvânia, que assumia com orgulho sua condição de caipira. Eu a chamava de Pennsatucky”

“Seus dentes da frente estavam marcados pelo vício do crack – eram marrons e deteriorados e ela raramente sorria. Mas recentemente, depois de vária sessões com a dentista baixinha e alegre (a única pessoa do corpo médico de quem eu gostava e a quem julgava competente) e com Linda Vega, a presa responsável pela higiene dental, ela havia passado por uma transformação espantosa. Normalmente, os dentes eram arrancados, mas não dessa vez. Com dentes postiços imaculadamente brancos, Pennsatucky tinha virado uma garota muito bonita, e sua imitação de Jessica Simpson havia melhorado agora ela podia exibir um enorme sorriso ao fazer sua performance”.

pennsatuckyOlhos loucos: “Uma das recém-chegadas era Morena, uma hispânica que parecia uma princesa maia ensandecida. Ensandecida não porque tivesse uma aparência geral desleixada ou alucinada. Tinha todo o jeito de alguém que sabia cumprir pena, e seu aspecto era imaculado, com uniforme bom, passado e arrumado. Porém, Morena tinha um olhar perturbador. Ela ficava encarando a gente, aqueles olhos castanhos eram incrivelmente expressivos, e seria impossível dizer que mensagem eles estavam transmitido. Era como se ela precisasse se esforçar muito para conter o que quer que estivesse se passando dentro da sua cabeça, e isso transparecia no olhar. Eu não fui a única a reparar no olhar bizarro. – Aquela ali não bate bem, disse Pop, tocando a lateral da cabeça. Cuidado”.

“Eu era rigorosamente educada e neutra, porque Olhos Loucos me deixava nervosa. Além das diversas conversas entrecortadas a caminho do trabalho, as interações dela comigo no Pavilhão aumentaram drasticamente.”

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Pornstache: “Ator Pornô Gay era um sádico arrogante, com cabelo escovinha, olhos próximos e bigode denso que parecia ex-membro de uma banda cover do Village People”

Big Boo: “Big Mama era um leviatã, alegre que vivia no Dormitório A – espirituosa e ágil ao usar as palavras, benevolente e de constituição prodigiosa. Mas não esbanjava modéstia, como ficou provado pela maneira descarada com que ela seduzia uma serie de mulheres muito mais jovens e magras do que ela no seu cubículo aberto. Eu simpatizava com Big Mama e ficava fascinada com o sucesso de sua vida amorosa. Como ela conseguia? Quais eram suas técnicas? Seriam as mesmas dos homens gordos de meia-idade que queriam transar com mocinhas? Depois as garotas não a rejeitavam, nem a desrespeitavam, então tinha sido por mera curiosidade? Eu ficava curiosa, mas não tinha coragem de perguntar”.

John Bennett: “No lugar do Ator Pornô tínhamos agora o Sr. Maple, que parecia ser o exato oposto do seu antecessor. O Sr. Maple era jovem, recém-saído do serviço militar no Afeganistão, e mostrava-se  exageradamente amigável e cortês. Fez sucesso instantâneo entre as mulheres do Pavilhão.”

Além da fidelidade em relação aos personagens, a série manteve diversos casos que Piper narra ao longo do livro:

red_nicky“Sobre o dia das mães: Muitas mulheres haviam feito rosas vermelhas com caules longos em crochê para suas mães da prisão ou amigas. Algumas se organizaram em relacionamentos do tipo família um tanto formalizados com outras prisioneiras, sobretudo em duplas mãe-filha. Havia muitos pequenos clãs em Danburry. As mais jovens dependiam de suas mães para lhes dar conselho, atenção, comida, empréstimos na cantina, afeto, orientação e até mesmo disciplina”.

“Uma amiga da oficina elétrica tinha me ensinado a fazer um isqueiro com um pedaço plástico metalizado, duas pilhas AA, pedaços de arame de cobre e fita isolante. Mas eu podia ficar sem fumar, sem problema algum.”

“Esse ritual que eu viria a repetir centenas de vezes no decorrer do ano, nunca mudava. Tirar os sapatos, meias, blusa, calças e camiseta. Erguer o sutiã e mostrar os seios. Mostras as solas do pés. Então dar as costas para a guarda, abaixar a calcinha e se agachar. Depois, forçar uma tosse, o que teoricamente faria qualquer contrabando oculto cair no chão”.

O.Orange“Eu achava tediosa a veneração religiosa de algumas vizinhas evangélicas agressivas. Algumas fiéis tinham o hábito de alardear os brados que iam orar sobre uma série de tópicos, que Deus andava ao seu lado durante o encarceramento, que Jesus amava os pecadores e assim por diante”.

Quando a Piper reclama da comida da Red (no livro, a Red se chama Pop): “Ela me encarou enfurecida e me apontou o dedo: – Escute aqui querida, sei que você acabou de chegar e que não tem a mínima noção sobre nada. Vou falar só uma vez. Existe aqui um negócio chamado “incitar revolta”, e você está falando essa merda, greve de fome, essa merda só é incitar revolta. Você pode se meter numa bela encrenca por causa disso, eles vão trancar você numa UAS, sem pensar duas vezes. Da minha parte, não estou nem aí, mas você não conhece esses caras querida. Basta que a   pessoa errada escute você falando uma merda dessas e ponto, ela conta para os agentes e você vai ver com que  rapidez vão trancafiar esse seu rabo numa solitária. Então fica a dica, cuidado com o que fala”

“Ao chegar a Danbury, fiquei surpresa com o fato de que, aparentemente, não haviaOrange qualquer atividade lésbica. As celas, tão perto do posto dos guardas, eram bastiões de decoro. Não havia carícias, beijos ou qualquer ato sexual óbvio em nenhuma das áreas comuns e, apesar de alguém ter me falado de uma história de uma ex-presidiária que transformara a academia em ninho de a mor, eu sempre a encontrava vazia quando ia lá (…). Muitos relacionamentos românticos que observei mais pareciam paixões adolescentes, e um casal raramente durava mais do que um ou dois meses. Era fácil distinguir entre as mulheres que se sentiam sozinhas e queriam consolo, atenção e romance e as lésbicas de verdade: havia algumas.”

“Havia menos bulimia e mais brigas do que vira nos meus tempos de faculdade, porém existia o mesmo conjunto de valores femininos – um espírito de camaradagem  e um senso de humor obsceno nos melhores dias, e melodramas histéricos acompanhados de fofocas maliciosas nos piores”.

Orange-is-the-New-Black-2a-temporada-12Mar2014-04“Dezesseis de setembro foi o dia da Feira de Emprego na prisão, um evento anual de fachada organizado pela ICF de Danbury que teoricamente abordava o fato de que as pessoas teriam de reingressar no mundo exterior. Até então eu não havia testemunhado qualquer esforço significativo de preparar as presidiárias para um retorno bem-sucedido à sociedade, com exceção das mulheres que passaram pelo programa intensivo de tratamento contra a dependência química (…) Várias empresas haviam se comprometido a participar do evento, muitas delas entidades sem fins lucrativos.

(…) Como se vestir para o trabalho? Como se vestir’ era organizada pela Dress for Success, uma entidade sem fins lucrativos que ajuda mulheres a conseguir roupas apropriadas para o local de trabalho. Uma jovial mulher de meia idade nos explicou os erros e acertos do momento de escolher a roupa para um entrevista de emprego e solicitou voluntárias.

“Eu conhecia uma mulher lá embaixo… Uma baixinha, bem quieta, ficava na dela, não incomodava ninguém. Ela estava cumprindo prisão perpétua. Ela trabalhava, andava na linha, ia para a cama cedo, e só. Aí uma garota apareceu lá, essa garota era um problema. Ela começou a encher o saco da baixinha, ficava sacaneando, perturbando o tempo inteiro. Era uma garota muito idiota. Bom, essa baixinha que nunca causou problemas a ninguém, enfiou dois cadeados em uma meia e mandou ver na garota. Nunca vi nada parecido antes, aquela garota ficou mal, sangue por todo o lado, se ferrou.”

“A lição que nosso sistema prisional ensina a seus residentes é como sobreviver como um prisioneiro, não como um cidadão – o que não constitui uma estrutura de conhecimento muito construtivo para nós ou para as comunidades às quais retornamos”

Mulheres Assassinas

Mulheres Assassinas é uma sImagemérie mexicana, produzida e criada por Pedro Torres, que narra – a cada episódio, a história de diversas mulheres que cometeram homicídio, alguns casos baseados em histórias reais.

Com três temporadas, Torres conseguiu juntar um enorme e forte cast de atrizes e construiu uma teia de histórias assustadoras e impactantes. Muito, muito diferente das novelas que estamos acostumados, Torres criou um trabalho sombrio, com uma trilha sonora bem feita e com uma fotografia (ah!) de tirar o fôlego.

Logo na estreia, em 2010, a série foi bastante aclamada pela crítica e pelo público – tanto que ganhou versões em outros países. No Brasil, as temporadas foram transmitidas pela CNT e muito se especulou sobre a possibilidade de ser transmitida pelo SBT, o que, infelizmente, não aconteceu. É possível perceber, ao longo dos episódios, que a série foi ganhando mais destaque e, nas temporadas seguintes, apresentou mais detalhamento técnico em relação a produção e a  publicidade.Imagem

A primeira temporada, por exemplo, contou com um show de abertura e algumas fotos publicitárias. A segunda, no entanto, não só tinha um música tema (Que Emane, Gloria Trevi), como plots e diversos vídeos promocionais. A terceira veio para arrebentar, fora os outros quesitos, tinha uma sessão de fotos com cada atriz e uma série de vídeos (além dos promocionais), onde as atrizes, já encarnadas em seus personagens, se confessavam.

Em “Mujeres Asesinas’, Torres explora o lado humano (ou perverso) de cada personagem e apresenta casos de tirar o fôlego. As histórias de alguns personagens são de dar dó! Os episódios são narrados em flashback e só nos finalmente é que sabemos o crime que cada uma delas cometeu.  P.S.: A série me lembra uma aula que tive na faculdade, onde o professor citava Fraser Bond: “noticiário, o escândalo, a violência, o crime e o sexo”.

ImagemEm ‘Mujeres’, vemos as atrizes bem diferente do que estamos acostumados, os personagens são mais densos e obscuros. Maria Sorté, por exemplo, que é uma atriz que eu amo! Interpreta uma mulher que vende peixes e que sofre assédio sexual do chefe. Daniela Romo (uh!), que inclusive participou do primeiro episódio e cantou a canção da primeira temporada, interpreta uma policial viciada em cocaína que adora transar com os caras que prende, principalmente os mais novinhos…  Diana Bracho está incrível, junto a Maité Perroni e Luz Aguillar, interpreta uma “viúva” que matou o marido para ficar com a herança.

asesinas4O universo (da série), criado conforme a perspectiva feminina, mostra como o segundo sexo, em sua maioria das vezes, é colocado de maneira inferior à masculina; seja no ambiente domiciliar ou de trabalho.

O meu episódio favorito, sem dúvidas, é o da “Emília, cozinheira”. Maria Rojo (que participou da série duas vezes), está incrível nesse episódio, no mínimo… chocante! Emília é uma cozinheira endividada e cansada da rotina, que para sobreviver, precisa oferecer favores sexuais ao proprietário do imóvel em que trabalha, Pepe. Não bastasse, seu marido faz vista grossa sobre o que se passa e se aproveita do seu dinheiro para levar uma vida de regalias.

A história tem um fim assustador  (spoiler!), pensem em um moedor de carne…

 

As bruxas de Zugarramurdi

Brujas_FrikarteEm 1610, a inquisição espanhola acusou quarenta mulheres por bruxaria. Cinco morreram em consequência a enfermidades, doze foram queimadas na fogueira. As outras pediram misericórdia e prometeram voltar à vida cristã.

No dia do julgamento, testemunhas relataram tantas coisas incríveis e horrorosas que os inquisidores passaram mais de 48 horas colhendo as informações. No processo, as mulheres foram acusadas de se encontrarem na Caverna de Zugarramurdi (Cueva de los Aguelarres ou Cueva de las Brujas) para praticar magia. [O local é um pequeno município espanhol, situado perto de Pamplona e, desde a época, ficou conhecido como “Cidade das Bruxas”].

Alex de la Iglesia (também diretor em La Comunidad) já havia  demonstrado interesse em filmar sobre o assunto. Até então, tinha um pré-projeto que ficou guardado durante anos até que resolveu filmá-lo. As produções, feitas em Zugarramurdi, levaram apenas sete  semanas para ficarem prontas. O filme foi bem recebido, ganhou oito prêmios Goya, sendo um para a atriz Terele Pávez e os outros de: maquiagem e cabelo, efeitos especiais, direção, montagem, direção, direção artística e figurino.Las Brujas

‘As bruxas de Zugarramurdi’ conta a história de um grupo de homens que tenta roubar uma joalheria, mas tem uma ação fracassada. Joseph, um dos assaltantes, acaba levando o filho, Sérgio, de apenas oito anos para o assalto e sem opções, foge com ele e com os companheiros.

Durante a fuga, o grupo entra em uma floresta e se deparam com um estranho restaurante, cujo os donos, são ainda mais estranhos. Os fugitivos são avisados: ‘Não continuem a viagem, porque vocês estão indo em direção a cidade das bruxas’.

Claro, eles não dão ouvidos. Logo, conhecem Graciana Barrenetxea – uma das lideres do clã das bruxas, que os pede carona. Graciana, cujo sobrenome ao contrário significa “Barre Echea” ou “Varre a Casa” – busca, há anos, uma criança que deve ser oferecida a deusa, que salvará as outras gerações de bruxas.

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Iglesia mantém o tom sarcástico e irônico. É normal que o espectador não acostumado com essa perspectiva louca e diferente, receba o filme com certa estranheza. Essa, no entanto, é uma das marcas do diretor. Alex tem essa predisposição em brincar com figuras pop, fazer piadas sujas e sacanas – e ser exagerado, até meio trash. No início do filme, por exemplo, o protagonista – vestido de Jesus Cristo, se une a um amigo vestido de Bob Esponja e juntos, bolam o assalto.

As bruxas de Zugarramurdi  é um daqueles filmes, que quando acaba, te deixa com a boca aberta. Do tipo: “Eu realmente vi isso?” No mais, não acho que seja um filme para mulheres (como muitos falam por aí), acho que é um filme sobre mulheres e que apresenta um visão até meio deturpada do sexo feminino. Afinal, somo tão histéricas e vingativas assim?

Gosto especialmente da abertura, que brinca e apresenta diversas referências histórias e artísticas. Trabalho lindo e minucioso, com uma trilha sonora fantástica. Aliás, é sempre bom ver Carmen Maura e Teréle Pávez juntas.

Ostra feliz não faz pérola

Ostra FelizGosto muito do Rubem Alves, as coisas que ele escreve me tocam profundamente. Tive a felicidade de encontrar ‘Ostra feliz não faz pérola’ online e fui lendo, pelo celular mesmo, aos pouquinhos.

Neste livro, Alves constrói uma teia com diversos pensamentos e citações sobre assuntos fundamentais à sociedade e ao ser humano. Em sessões diferentes, ele comenta sobre a morte, sobre a vida, sobre a religião, velhice, educação, política, saúde mental (…)

No livro, Alves dialoga com o leitor, faz questionamentos sobre diferentes percepções de vida. Ele não se impõe, pelo contrário, apresenta suas ideias e convida a reflexão. Incrível como a sua narrativa simples e sensível consegue fazer com que a leitura fique ainda mais agradável.

Difícil fazer uma ‘resenha’ do livro, porque não é um texto simples, padronizado, fechado. Pelo contrário, Ostra feliz não faz pérola é um convite a análise (seja sobre a vida ou sobre a morte).

Gosto especialmente do título, acho que uma das coisas mais linda que já li e reproduzo o que Alves escreve:

“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer cascas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saída uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário.

Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão”… Não era depressão, era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolve-lo com uma substancia lisa, brilhante e redonda.

Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra.

Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para a sua esposa. Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos.  No seu ensaio sobre o nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição dos cristãos, levavam a tragédia a sério.

Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza.

A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta, mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer.

Esses são os artistas. Beethoven – como é possível que um home completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa…

Confira, outros trechos:

“Há livros maravilhosos que a gente lê uma vez. Não adianta ler a segunda porque já sabe o fim da estória. Outros não contam estória alguma, são feitos de fragmentos inconclusos, e cada fragmento é uma chave para o mundo inteiro”.

“O gol é fundamentalmente um ato sádico. Um estupro. Um gol é um time que enfia a sua bola no buraco do outro – dolorosamente -, embora o outro tenha feito de tudo para impedir que isso acontecesse”.

“A medicina é uma arte rigorosa, regida por princípios de assepsia e de ética. Por exemplo: quando se vai aplicar uma injeção é preciso desinfetar o lugar onde a agulha vai entrar no corpo. Pura curiosidade: os médicos que aceitam a função de carrascos nas penitenciárias desinfetam o lugar onde a agulha com líquido letal vai penetrar na veia do condenado? Acho que sim. É preciso evitar infecções. Será que os carrascos na cama, de noite, pedem perdão ou se entendem apenas como executores de um ato burocrático? Os criminosos de guerra alemães alegaram que eles apenas cumpriam ordens. O argumento não foi aceito. Foram enforcados. Não é horrendamente imoral que o Estanho tenha o direito de matar? Matam na guerra, milhões. Não são caçados como terroristas. São saudados como heróis. Como são bonitas as fardas dos generais! A diferença entre os morticínios de Estado e os morticínios dos terroristas está em que os primeiros são feitos em nome do Estado e os segundos em nome de uma crença política ou religiosa. Os morticínios são feitos por loucos. Mas a loucura do Estado é legítima”.

“Sobre o perdão: Não sei se deve perdoar sempre. Como perdoar o torturador? Como perdoar o adulto que espanca uma LV225740_Zcriança? Como perdoar a Inquisição, os campos de concentração, a bomba atômica, os homens públicos que se enriquecem a custo do dinheiro do povo que sofre e morre? Quem perdoa tudo é porque não se importa com nada”.

“Olha as aves do céu. É um conselho de Jesus. Se ele aconselhou é porque o voo das aves no céu é uma metáfora do sagrado. As aves voam porque  são amigas do ar e dos ventos (vejam só os urubus voando nas funduras do céu sem bater as asas…). E foi o próprio Jesus que declarou que Deus é um vento que sopra sem  que saibamos donde vem nem para onde vai. Nosso destino é ser aves: flutuar ao sabor do vento. Por decisão divina, somos seres destinados ao voo. Não é por acaso que o céu estralado foi um dos primeiros objetos da curiosidade cientifica dos homens. A famosa Torre de Babel que os homens se puseram a construir e cujo topo deveria bater nos céus foi um artifício técnico bolado pelos homens para compensá-los do seu aleijão: haviam perdido suas asas. Quem não pode voar tem que subir pelos degraus… Mas vocês sabem o que aconteceu: a torre nunca foi concluída e os homens se espalharam pelo mundo na maior confusão. De fato, para se tocar as estrelas é preciso ter asas. Se duvidam, releiam a estória do sapo que resolveu ir á festa nos céus dentro do buraco da viola do urubu. Terminou estatelado numa pedra. Acho que o mito da Torre de Babel e a estória do sapo são variações do mito de Ícaro”.

(…) “O deus do taoismo é um rio em que temos de navegar sem remar, flutuando ao sabor das águas, sem fazer força, porque é inútil nadar ao contrário, pois é, o Alan Watts escreveu o seguinte: Especialmente à medida que se vai ficando velho, torna-se cada vez mais evidente que as coisas não possuem substância, pois o tempo parece passar cada vez mais rápido, de forma que nos tornamos conscientes da liquidez dos sólidos, as pessoas e as coisas ficam parecidas com reflexos e rugas efêmeras na superfície da água”.

“A velhice tem sua beleza, que é a beleza do crepúsculo. A juventude eterna, que é o padrão estético dominante em nossa sociedade, pertence à estética das manhãs; As manhãs têm uma beleza única, que lhes é própria. Mas o crepúsculo tem outro tipo de beleza, totalmente diferente da beleza das manhãs. A beleza do crepúsculo é tranquila, silenciosa – talvez solitárias. No crepúsculo, tomamos consciência do tempo. Nas manhãs o céu é como o azul do mar, imóvel. Nos crepúsculos, as cores se põem em movimento: o azul vira verde, o verde vira amarelo, o amarelo vira abóbora, o abóbora vira vermelho, o vermelho vira roxo – tudo rapidamente.

Ao sentir a passagem do tempo, nós percebemos que é preciso viver o momento intensamente. “Tempus Fugit” – o tempo foge, portanto ‘carpe diem’, sabemos que a noite está chegando. Na velhice, sabemos que a morte está chegando. E isso nos torna mais sábios e nos faz degustar cada momento como uma alegria única. Quem sabe que está vivendo a despedida olha para a vida com olhos mais ternos”.

 (Cássia Janeiro)

O que sobrou

O que sobreou de você neste

Apartamento

Foram as suas roupas,

Que logo vão ser dadas,

Os seu livros,

Alguns dos quais serão meus,

Aqueles que compramos juntos,

As lembranças,

O que sobrou foram os seus retratos

e,

Quando vi uma foto sua,

Sorridente e saudável,

Lembrei-me de que não me preparei

Para a sua vinda,

Mas pude me preparar para a sua

Ida.

Mas quando você foi,

Ah, meu Deus!

O que sobrou?

O que sobrou

Fui eu.

 

“Na Declaração Universal dos Direitos Humanos falta um direito: Todos os seres humanos tem o direito de morrer sem dor.”

“Há de se viver bem. Há de se morrer bem. A ideia de que a medicina é uma luta contra a morte está errada. A medicina é uma luta pela vida boa, da qual a morte faz parte”.

Orange is the new black

Ouvi falar em ‘Orange is the new black’ há alguns meses atrás, mas tive relutância em assistir. Não sei por que demorei tanto. De repente, vi um trailer no Youtube e decidi assistir o primeiro capítulo. Logo, vi o segundo, o terceiro, o quarto… e não consegui parar. Assisti a primeira e a segunda temporada em um fim de semana, tudo de uma vez.

ImagemSe ‘Orange is the new black’ é isso tudo que eles falam? Sim, é isso tudo e um pouco mais. A série, baseada em uma história real, é produzida pela Netflix e criada por Jenji Kohan (que também foi diretora em Weeds). Eu não fazia ideia disso, mas a Netflix libera todos os episódios de uma vez a cada temporada… fica a critério do espectador assistir tudo ou não.

A trama conta a história de Piper Kerman, uma mulher de classe média alta que acaba sendo presa por ter se envolvido, na juventude, com traficantes de drogas. Piper leva um choque cultural quando chega ao presídio feminino e se depara com situações degradantes, com histórias pessoas dramáticas e com os desafios cotidianos para manter a dignidade – e como diria a Red (um dos meus personagens favoritos): com a dificuldade em “resistir ao sistema”.

Difícil não rir e não se emocionar com os episódios.  Difícil não se colocar no lugar delas. Kohan é inteligentíssima e consegue nos fisgar pela simplicidade e naturalidade dos personagens, pelo tom realístico (e isso é sim, um grande diferencial) e pelo cuidado com a narrativa. É incrível como ela consegue trabalhar com tantos personagens, tantas histórias, tantas perspectivas, sem se perder no meio do caminho e sem deixar nada em aberto.

Quando eu falo no aspecto realístico me refiro não só à situação deplorável das prisioneiras ou dos dramas particulares, ou mesmo das críticas sociais. Orange’, é uma série esteticamente realística. Por exemplo: as atrizes usam pouquíssima maquiagem, aparecem em tela com o cabelo descuidado, falam e fazem sexo com certa naturalidade, são politicamente incorretas (…). tumblr_n6ws7kei8y1rx0x5qo1_500

Gosto dessa temática, dessa ênfase em personagens marginalizados. A TV está tão cheia de clichês, de personagens lindos, ricos, felizes, loiros, jovens e héteros, que é fácil se impressionar com algo tão bem feito e que foge a regra. Em Orange acompanhamos, por exemplo, a história de uma transexual, a Sophie, que além de enfrentar o preconceito, precisa reconquistar o amor e a confiança do filho. Suzanne (ou Olhos loucos) é uma mulher hilária e como o apelido já diz, louca… mas que tem uma história tristíssima, repleta de medos, anseios e solidão. Ou Nick, uma ex-viciada em heroína que nunca conseguiu se entender bem com a mãe.  Rose, uma mulher que roubava bancos, agora tem câncer e está prestes a morrer. Red, uma russa autoritária, que toma conta da cozinha e protege as prisioneiras.

Em Orange os diálogos são pérolas, carregados de duplo sentido, de metáforas bem construídas e repletas de sarcasmo.  E sim, há muito sexo gay… O que é também é interessante porque brinca com o preconceito, coloca a homofobia em cheque e mostra que a temática vem, cada vez mais, ganhando espaço. Eis uma série perfeita para quem quer rir e se emocionar…

RedVeja o trailer: