Cartomante

A internet, os celulares e a facilidade de compartilhar informações são processos indiscutivelmente primorosos. Hoje não se perde tempo, você pode mostrar o bebê que acaba de nascer para uma série de amigos que compartilham perfis em uma mesma rede social. Assim funciona com as ideias, com as correntes, com as notícias. Ruins ou boas, lá estão elas, disponíveis a apenas um clique.

Meus amigos tem medo do futuro, eu também. Um sentimento normal, cercado de insegurança, ilusões e teorias. Mas não se trata de um medo tolo, de um medo que perpassa apenas pelo âmbito individimagesual. Quando temos medo, pensamos no coletivo. Tudo parece ser uma porta para a violência alheia. Não se tem medo do desconhecido, sabemos quem é o inimigo. O inimigo é o outro. Sabe aquela frase “Tenho mais medo dos vivos do que dos mortos”?  Nunca fez tanto sentido.

Não se pode confiar no bandido, mas também não se confia na polícia. Desconfiança até de quem, teoricamente, deveria te proteger. E os noticiários, com essa chuva de informações (fáceis, rápidas, pequenas e acessíveis) reforçam essa sensação de insegurança e impotência. O pai e a madrasta mataram o filho, uma criança de onze anos.

Mas, já imaginou o número de outras crianças (idosos, deficientes, indefesos) que estão em uma situação semelhante: de desproteção e dor? O poema de Augusto dos Anjos, talvez um pouco fora do contexto, surge como um convite à reflexão: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.  Em quem confiar?

Gays sendo espancados nas ruas. Não é permitido “ser”, não incomode, não questione. Animais sendo brutalmente agredidos. Não se sinta culpado, você não pode fazer nada, não estava lá – mas e se estivesse, o que faria? O quê fazer? Para onde correr? Onde vamos parar?

Cartomante, uma música imortalizada pela voz da Elis Regina me vem em mente. É perfeita, se adequa bem ao tema. Não importa se é “Espadas, Ouros ou Paus”, como diria Elis, “Não fica nada” Sabe o que eu entendo com essa letra? (que, por sinal, adoro desde pequenininha). Que um dia, todos nós, não interessa de onde somos, ou quem somos ou o quê possuímos. Que todos estamos sujeitos, desprotegidos, inseguros, incertos. Que fundo, frente a violência, a vida e a morte, somos todos iguais.

“Nos dias de hoje é bom que se proteja
Ofereça a face pra quem quer que seja
Nos dias de hoje esteja tranqüilo
Haja o que houver pense nos seus filhos

Não ande nos bares, esqueça os amigos
Não pare nas praças, não corra perigo
Não fale do medo que temos da vida
Não ponha o dedo na nossa ferida

Nos dias de hoje não lhes dê motivo
Porque na verdade eu te quero vivo
Tenha paciência, Deus está contigo
Deus está conosco até o pescoço

Já está escrito, já está previsto
Por todas as videntes, pelas cartomantes
Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas
No jogo dos búzios e nas profecias

Cai o rei de Espadas
Cai o rei de Ouros
Cai o rei de Paus
Cai não fica nada”

Síndrome de Policarpo Quaresma

As cerimônias de ontem, em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, me ajudaram a chegar a uma conclusão: sofro da síndrome de Policarpo Quaresma. Enquanto as escolas desfilavam pelas ruas centrais e todos aqueles meninos e meninas levavam a bandeira nacional, eu estava escondida na sombra, no meio do povo, completamente emocionada. Para quem não sabe, Policarpo Quaresma (personagem do livro de Lima Barreto) era um sonhador, um ufanista, um fanático – amava tanto o Brasil e suas origens que queria que o idioma mudasse para tupiniquim. E, como já revela o título, teve um fim repleto de humilhações e fracasso. 7de setembroAinda não cheguei a tal loucura, mas tenho um carinho pelo país que me faz sentir no mínimo tola e “romântica. É um senso comunitário, uma ideia que persiste na minha cabeça de que apesar de tanta diversidade e problemas, somos um povo, irmãos, dividimos uma história, os mesmos antepassados. No mar de rostos interessados em ver o desfile, fiquei observando e me questionando sobre a concepção daquelas pessoas em relação a data. O que o 7 de setembro significa para elas? O quê elas entendem como o Dia da Independência do Brasil?

Com a multidão reunida, candidatos aproveitaram para sair pelas ruas distribuindo santinhos. Nada mais propício para época de eleições e eu, na minha terrível mania de desconfiança, olhava com uma expressão negativa. E, confesso, até com uma certa raiva do povo, que recebia os candidatos de braços abertos, abraçando, tratando como celebridade. No fim do dia, cada um vai para o seu barracão e o candidato, para sua mansão em condomínio fechado ou, como já é de costume, viaja para o exterior – afinal, quem não quer conhecer o mundo? Aliás, quem não quer o poder?

2014-09-07 10.48.30O desfile acaba e as barreiras que separavam o público das pessoas que se apresentavam são rapidamente desmontadas. O povo caminha no meio da rua, em uma mistura de cores e barulhos. E eu, também no meio da rua, no meio daquela multidão de pessoas, vou embora pensativa.