Outro dia, relendo algumas páginas do livro ‘A Religiosa’, me lembrei que nunca cheguei a mencionar que assisti o mais recente filme, aquele com a Isabelle Huppert, baseado no romance de Diderot. Para quem tem interesse no livro, talvez possa gostar de uma antiga publicação que fiz: era para ser um pequeno resumo, mas como sempre, acabei me empolgando demais.
A Religiosa relata a história da Irmã Suzanne, uma jovem que teve que se tornar freira depois da imposição de seus pais (especialmente por parte da mãe – e há uma justificativa para isso). No primeiro convento em que passa, Suzanne é brutalmente torturada pela Madre Superiora Christine, uma mulher que acredita que a absolvição dos pecados deve ser feita através da mutilação da própria carne. Depois de sofrer inúmeras violências físicas e psicológicas, ela consegue (com ajuda de um advogado) mudar para outro convento. Dessa vez recebe um tratamento mais carinhoso e atencioso, mas logo percebe as investidas e os assédios sexuais de sua superior.
Diderot faz uma clara crítica ao clero, baseando-se em uma história real, em que uma freira escreveu uma carta, quase em forma de súplica, solicitando a sua liberação do convento. Não se sabe exatamente qual foi o seu fim, mas há quem diga que, diferente da personagem fictícia, nunca conseguiu sair de lá. Em relação à Madre Superiora Christine, aquela que obrigava as freiras se flagelarem, o autor chegou a confessar que criou o personagem inspirado em mulheres que conheceu e que seguiram a vida religiosa, mesmo sem nenhuma vocação, essas conseguiam cargos altos nos conventos porque eram ricas e tinham dotes.
No filme, dirigido por Guillaume Nicloux, a violência física é muito evidente e inquietante. Pauline Etienne encara uma Suzanne etérea, séria e corajosa, dá gosto de vê-la trabalhando. Sem dúvidas, A Religiosa ganha ainda mais brilho quando aparece Isabelle Huppert, encarando um personagem diferente de tudo o que eu já a vi interpretar. Aqui ela dá vida a uma Madre Superiora, já na meia idade, que não consegue segurar a sua paixão e seus desejos por Suzanne – ou por outras noviças. Quando percebe que Suzanne não pretende retribuir seus carinhos, entra em uma profunda depressão que compromete diretamente o funcionamento do convento.
No livro, diferente do que é mostrado no filme, a irmã Suzanne chega a se envolver com a Madre, retribui os seus beijos e carinhos – inclusive, relata que chegou ao orgasmo através dela. No entanto, Diderot constrói um personagem tão bom e inocente, que ela faz tudo isso, sem saber que está sendo induzida ao pecado (digamos…).
O fim do filme e do livro também são diferentes (spoiler!). No filme Suzanne consegue fugir, encontra seu verdadeiro pai e herda dele uma fortuna. No livro, no entanto, ela também consegue fugir, mas começa a trabalhar como cozinheira em um lugar que a fazem praticamente de escrava, então ela resolve escrever, pedindo para que a ajudem sair da miséria.
*Existe um outro filme, gravado em 1966, baseado na história. Esse eu nunca vi, mas se você quiser saber mais um pouco acesse: 70 Anos de Cinema.