“O importante ao receber uma mensagem vinda do outro lado não é tanto a exatidão da informação, mas seu papel de terapia social ou individual. O que importa não é que a previsão se realize, mas alivie, cure ou convide a agir. Astrólogos, cartomantes, médiuns e videntes agem como médicos da alma.”
Adoro os livros da Mary del Priori, admiro muito o seu conhecimento histórico e sua veia jornalística. Recentemente comprei “Do outro lado”, livro em que ela faz um mapeamento da história do espiritismo no Brasil (com uma grande ênfase no Rio de Janeiro). Mesmo com um tema tão denso, foi possível fazer uma leitura bem agradável… é como se a narrativa te levasse em uma viagem histórica, como se você estivesse atravessando a época das trevas, descendo as ladeiras, passando por ruas tenebrosas e observando toda aquela gente curiosa e assustada, querendo conversar com os mortos.
Ao longo do livro, você entende que o espiritismo é muito (muito mais) do que apenas a possibilidade de conversar com os que já se foram. É muito interessante como em seu surgimento, foi encarada não como religião, mas como ciência. Mais legal ainda, são os relatos da autora sobre a origem da doutrina na Europa (com o magnetismo, Allan Kardec) até o momento em que ela chegou nas terras tupiniquins e seus efeitos sociais.
O fato é que a relação do homem com a morte e com sua concepção sempre foi marcada por uma curiosidade mórbida, pelo medo do incerto, pela utilização de símbolos e criação de mitos. Os nossos antepassados, no entanto, pareciam interpretá-la de uma maneira mais melancólica, mais intensa. Depois de ler e reler o livro, me pareceu ainda mais evidente que o espiritismo no Brasil sofreu interferências (tanto do catolicismo, quanto das religiões africanas e de outros tipos de cultos).
É muito curiosa a reação dos antigos com o trabalho das cartomantes, dos exorcistas e curandeiros. Uma mistura de medo e de fé, uma estranheza que entrelaça o real e o sobrenatural de uma maneira encantadora. No livro há uma série de fotografias e recortes (de anúncios e matérias de jornais) que mostram como era conflituosa a relação da imprensa com a doutrina. Alguns veículos tentavam desmascarar e desautorizar a religião através de reportagens e sátiras.
“Outrora, o morto continuava vivo no seu túmulo. Recebia as homenagens dos descendentes, imóvel, mas consciente. A sepultura seria apenas outra residência, cela de dormitório, onde aguardaria o despertar no Dia do Juízo e que, por vezes, deixaria para proteger ou informar os vivos, comunicando-se com eles em sonho ou por algum sinal exterior”
“O culto dos santos, que se propagou entre séculos III e IV, firmou outra ideia: a de que era importante substituir o culto dos mortos, vindo da Antiguidade, pelo dos santos. Antes, a intimidade entre mortos e vivos era total: colocava-se comida e bebida sobre as tumbas, festejava-se a passagem para o além com danças, uma pedra na laje impedia o defunto de voltar e estar perto dos parentes.”
“As práticas rituais serviram, a pretos africanos e nacionais, para combater as violências de seus senhores e de seu cotidiano. A religião foi, sim, um instrumento de resistência escrava. Até mesmo porque não faltou clientela branca nos grandes terreiros de candomblé, macumba, e umbanda, onde a relação de submissão do preto passava a ser de dominação, de escravo passava a senhor. Ele mandava, conjurava espíritos e resolvia a vida dos outros. Apenas o pai de santo se conectava com o mundo invisível, habitado por entidades espirituais responsáveis pela vida. Seus rituais viabilizavam essa interação, ali os brancos obedeciam e se curvavam.”
Que coincidência. Acabei de comentar com minha filha sobre essa autora. Tenho um livro dela aqui em casa que não terminei de ler, A carne e o sangue. Esse livro dela parece ser bem intrigante, adoro conhecer a história por trás das coisas.
Poxa, “A Carne e o Sangue”, esse não conheço! Fiquei interessada. Gosto muito da Mary del Priori.
A carne e o sangue revela os detalhes íntimos do triângulo amoroso formado pelo imperador D.Pedro I, a imperatriz D. Leopoldina e Domitila, a marquesa de Santos.
Acho que pode gostar… se curtir história
Ah sim! Que massa. Adoro história, com certeza vou procurar por esse livro!
Também adorooooo…