Aquella casa en las afueras

Um filme de terror dos anos 80, sobre uma casa de abortos

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Eu jamais assistiria este filme se a Carmen Maura não estivesse no elenco, ironicamente ela aparece muito pouco, em três cenas muito rápidas. “Aquella casa en las afueras” conta a história de Nieves, uma jovem recém casada que acaba de mudar de residência, ela está grávida. O marido, mais velho, vive trabalhando e ela conta com a ajuda e companhia da vizinha, Isabel, uma senhora bondosa e extremamente misteriosa. Pouco tempo após se mudar, Nieves começa a ser assombrada pelas lembranças dolorosas de sua juventude, isso porque a casa em que ela passou a viver foi um clínica clandestina, a mesma em que ela fez um aborto anos atrás.

Li muitas resenhas sobre o filme e em algumas delas, os críticos encaram a abordagem do tema como “sensacionalista”. Eu gostei demais e acho que essa produção tem peculiaridades muito interessantes. O filme foi dirigido por Eugênio Martín, o mesmo diretor de  Duelo dos homens maus (1971) e  O expresso do terror (1972).

Martín possui uma carreira muito versátil e logo nos primeiros filmes gostava de abordar tabus (o que lhe obrigava a driblar a censura franquista). Em entrevista a Nicholas Schlegel (para o livro Sexo, Sadismo, Espanha e Cinema), Martín chega a afirmar que os censores não eram tão espertos e nem sempre conseguiam encontrar elementos subversivos no script: “Eram pessoas de classe média baixa, alguns padres (o que era horrível porque eram muito fanáticos) e civis, que não tinham muito estudo ou um background muito crítico.”

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No filme, não somos levados a culpar Nieves pelo aborto feito anteriormente. Pelo contrário, a todo momento ela indica as justificativas que a levaram a tirar o bebê: era muito jovem, não tinha condições financeiras, não tinha o apoio do pai e não se sentia preparada. Ao mesmo tempo, as assombrações do passado são como uma forma de responsabilizá-la pela escolha. A figura da vizinha, posteriormente identificada como uma das ex-enfermeiras da clínica, configura-se como um agente discursivo, que acredita que Nieves deve pagar pelo que fez.

Não sei se na década de 80 era aceitável considerar esse filme como de terror, ao assistí-lo me pareceu mais um suspense voltado para a tesão psicológica da personagem principal. Sem dúvidas a casa é um elemento importantíssimo na trama, que agrava a sensação de sufoco de Nieves. Ela sempre se pergunta porque o marido escolheu uma casa tão grande para os dois e sempre tem pesadelos nos corredores escuros, vê o vulto das enfermeiras que realizaram o procedimento ou escuta o barulho dos instrumentos.

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Apesar do spoiler enorme que soltei acima, não nos é confidenciado a verdadeira identidade de Izabel. Pelo menos, não até a metade da trama.  Então somos levados a desconfiar também do marido de Nieves porque na narrativa, existe um médico e uma enfermeira que realizavam os abortos. Em muitas cenas o marido de Nieves e Izabel conversam às escondidas, e não é difícil suspeitar dele também.

Dois pontos interessantes:o primeiro é que apesar de desejar o bem estar do filho, Nieves continua sendo uma mãe meio irresponsável, então a vemos fumar… por exemplo, e ela sabe que aquilo pode fazer mal para o bebê. Sua repulsa e desconfiança pelo marido começa a refletir na gravidez.  O segundo fato  é que além de Izabel, Nieves conta com o apoio de uma amiga, dona de uma escolinha… me chamou atenção o fato do nome da escola ser “Peter Pan”, o menino que nunca cresce. Será uma alusão ao aborto?


 Quem foi Alida Valli?

Até o momento, eu nunca tinha escutado este nome. Assisti o filme e fiquei encanta com esses impactantes olhos claros e com a sua força de expressão. Uma rápida pesquisa me levou à sua incrível história a qual compartilho com vocês.

*O texto abaixo não é meu, foi retirado de dois blogs: O falcão Maltês e do Mais ou menos Nostalgia – que por sinal, sou leitora assídua e recomendo muitíssimo que conheçam!

O Falcão Maltês: “Ela atuou em mais de 100 filmes e cerca de 30 peças teatrais, estreando no cinema em 1934 como figurante e filmando até 2002, aos 81 anos. Durante a Segunda Guerra Mundial, suas atuações em fitas como “Pequeno Grande Mundo” (1941), pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza, fizeram o público e a crítica perceberem que estavam diante de uma verdadeira estrela. Suas comédias sentimentais desta época arrebataram o coração dos jovens italianos, tranformando a atriz na “namoradinha da Itália”.Neste período, casou-se com o pintor surrealista e pianista Oscar De Mejo, com quem teve dois filhos (um deles, Carlo De Mejo, seria ator). Em plena ascenção, recusou-se a fazer filmes de propaganda do regime fascista de Benito Mussolini – que a considerava “a mulher mais bonita do mundo” -, passando a ser perseguida e tendo que se esconder para evitar possível prisão e execução.”

  • No auge do sucesso, em 1954, sua popularidade foi abalada com um escândalo recheado de sexo, drogas, ritual religioso e morte: ela estava em Torvajanica, uma praia particular próxima a Napóles, participando de uma orgia coordenada pelos Illuminati, ao lado de autoridades da igreja católica e da política, quando a desconhecida Wilma Montesi, de 21 anos, utilizada como sacerdotisa de uma missa adonaicida e escrava sexual, morreu de esgotamento físico, e também, de uma overdose de drogas. O infortúnio provocou a renúncia do ministro das Relações Exteriores da Itália, Attilio Piccioni, pois um filho seu fazia parte da maratona sexual;

Mais ou Menos Nostalgia: “Terminada a II Guerra Mundial, Alida e seu então marido, o compositor Oscar Mejo, com o qual teve dois filhos, foram para Hollywood a convite de David O. Selznick. Estrelou Miracle of the Bells, mas seu primeiro grande sucesso foi em 1947 no papel de uma mulher acusada de assassinato, no filme The Paradise Case, direção de Alfred Hitchcok.  Em 1949 destacou-se pela sua notável interpretação da personagem Anna Schmidt no filme The Third Man. Em 1954, teve seu nome envolvido em escândalos entre celebridades italianas. O fato viria, mais tarde, servir de inspiração para o filme La Dolce Vitta, de Fellini, mas neste mesmo ano fez um retumbante sucesso por sua atuação no filme Senso, de Luchino Visconti, ambientado em meados de 1800. Alida interpretava uma condessa que mantinha um romance proibido com um oficial do exército austríaco.”

Os 3 filmes do fim de semana!

Sabe aqueles filmes que já faz tempo que você quer assistir, mas sempre esquece ou não tem tempo? Então, fiz uma lista com dez filmes… clássicos, filmes de comédia, drama e terror que queria assistir no feriadão. Quem disse que consegui? Assisti só três e fiquei frustadíssima porque queria ter visto mais! Enfim, os filmes foram:

Betibú-filme-online-hdBetibú, 2014: Filme argentino, dirigido por Miguel Cohan. Um suspense que se inicia com a morte de um empresário influente, encontrado pela empregada degolado na sala de tv. O mesmo, três anos antes, foi acusado de matar a própria esposa. O dono de um importante jornal, convence Nurti Iscar, uma romancista sem sucesso, a acompanhar o caso. Nurti tentou se esconder por anos depois de lançar um livro que fracassou no mercado. Trabalhando com ela estão Jaime, um jornalista “das antigas” e Mariano, um jornalista recém formado.

O filme me decepcionou, para falar a verdade. Pouco suspense, pouca ação. Nada muito impactante. Para quem é jornalista, é legal assistir o conflito entre dois mundos opostos representados por Jaime (que faz um jornalismo meio oldschool) e por Mariano, jovem e  esperto… acostumado com aparatos tecnológicos, mas com pouca experiência. A Nurti da um tom mais romântico às matérias, o que me remete muito ao jornalismo literário. O filme foi inspirado no livro de Claudia Piñeiro,  e Betibú é o apelido de Nurti… uma alusão à Betty Boop (sensual e inteligente).

Te doy mis ojos, 2003:  Filme espanhol, dirigido por Icíar Bollain (Vencedor de 7 Goyas, inclusive o de melhor filme do ano).  Uma história intensa, te-doy-mis-ojosmuito dramática e que toca em um assunto delicado: violência doméstica. Anos antes de produzi-lo Bollain realizou uma série de documentários sobre esse mesmo tema e se perguntava o porque as mulheres agredidas voltavam com seus companheiros. A resposta: elas acreditavam que a violência acabaria, ou seja, acreditavam no arrependimento de seus maridos.

O filme tenta abordar tanto a perspectiva da vítima, quanto a do agressor. Desde o momento em que ela sai de casa com o filho e vai morar na casa da irmã, até o momento em que ela volta para casa e continua sendo agredida. Enquanto ela tenta se reestruturar, ele vai procurar ajuda em grupos de apoio. Laia Marull realiza uma interpretação soberba, vale a pena assistir para refletir sobre o tema e para vê-la atuando.

CVKQTAoUkAAGbhsDeadpool, 2016. Entretenimento puro, uma delícia de filme… que diverte, faz rir e emociona. Gostei muitíssimo e espero ansiosamente pela sequência. O filme, cheeeeio de efeitos e explosões, conta a história de um homem diagnosticado com câncer terminal que é convencido a participar de um experimento desonesto. O experimento permite que ele tenha super poderes (força extrema, cura acelerada), mas… o deixa traumatizado. Primeiro por causa da violência do tratamento, que o deixou com a face desfigurada e segundo por tê-lo afastado do amor de sua vida.

Roteiro super dinâmico, piadinhas politicamente incorretas e um personagem principal muito carismático. Vale a pena demais assistir, passar o tempo…

Party Girl

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Quando assisti o trailer de “Party Girl” fiquei fissurada na imagem da Angélique Litzenburger. Seus enormes olhos azuis contrastantes com o cabelo escuro e cacheado me pareceu um conjunto estranhamente exótico e belo. Fora que ela me remete muitíssimo a minha primeira professora, uma mulher italiana de olhos verdes e de pele morena chamada Ângela (não sei explicar, mas os traços são idênticos).. Procurei este filme por um longo tempo, uma frustração não encontrá-lo. Como raramente acontece, tive a sorte de assisti-lo no Centro Cultural de São Paulo, que realizava uma mostra chamada “Breve e inéditos”, um panorama retrospectivo de alguns dos melhores filmes lançados em 2015 e que não tiveram a devida chance de chegar ao público.

Uma prostituta idosa que não quer deixar de trabalhar

Dito tudo isso, vocês devem imaginar a minha ansiedade (e inexplicavelmente, certa emoção) ao assisti-lo. Eu realmente fiquei muito feliz. E mais ainda depois, quando saí da sala de cinema. Expectativas totalmente atendidas. O filme conta a história de Angélique, uma senhora que durante anos trabalhou como hostess em uma boate e que, por causa da idade, começa e enfrentar uma crise pela falta de clientes.  Angélique é o tipo de pessoa que não desiste tão fácil, ainda que tudo indique que ela deva fazer o contrário. Sem encontrar soluções, ela vai atrás de um velho e fiel cliente, Michel (Joseph Bour) e pede que ele volte a contratar seus serviços. Michel surpreende Angélique e a pede em casamento e, por impulso, ela aceita. Um acaba mergulhando na vida do outro e enquanto Michel precisa enfrentar os filhos de Angélique e suas manias, ela precisa encarar a vida pacata de Michel.

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“Party Girl”, vencedor da Camera D’or no Festival de Cannes 2014, tem um certo tom documental, autobiográfico e experimental. Foi dirigido por três jovens (Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis) que chamaram membros da própria família para serem os atores. Angélique é mãe de Samuel e na vida real é uma ex-prostituta com sérios problemas familiares em relação aos filhos. Senti o filme como uma homenagem à protagonista, há todo um tom de respeito por sua história e por sua figura…

Angelique é o tipo “porra-louca” que tenta, mas não consegue mudar. Como se sua natureza a fizesse causar estragos por onde passa. Sabe, enquanto assistia ao filme, muitos pensamentos rondaram a minha cabeça. A incessante luta de Angelique por permanecer trabalhando e se manter sexualmente interessante me faz pensar na negação do envelhecimento e no quanto isso pode pesar sobre os ombros da mulher.A solidão de Michel e a necessidade de encontrar um amor que o retribuísse. O sexo na velhice…

Trilhos do Destino

Um filme triste, daqueles que a gente começa a assistir com a certeza de que algumas lágrimas serão derramadas. Na história, Kevin Bacon dá vida à Tom, um engenheiro que trabalha no sistema ferroviário e que enfrenta um drama em sua vida pessoal: sua esposa, Megan (Marcia Gay Harden) está em estágio avançado de câncer. Tom se esforça para seguir em frente e mergulha no trabalho como maneira de esquecer a morte iminente de Megan.. mas o destino lhe prega uma peça e ele se envolve em um acidente que mata Laura e deixa orfão seu filho, Davey.

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O filme marca a estréia de Alison Eastwood (filha de Clint Eastwood) como diretora e é bastante sentimental. Principalmente porque toca em assuntos tão delicados à vida humana: doenças, perdas, suicídio, morte. Megan e Laura estão em um agonizante sofrimento, mas  caminham em lados opostos: enquanto Laura desiste de viver, Megan se desespera porque não quer morrer. É realmente muito triste ver Megan encarando a própria doença (que já é, em sí, avassaladora), e se perguntando se viveu tudo o que queria ter vivido. Por outro lado estão Tom e Davey, também em sofrimento por terem que se despedir (repentinamente) das pessoas que mais amavam.

How to get away with murder

Uma pequena abordagem sobre como a série trabalha questões de gênero, sexualidade e raça

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A série chegou no final de sua segunda temporada e apresentou uma explosão de acontecimentos, com muito sangue derramado e um montão de gente saindo machucada (fisicamente e psicologicamente também). Sobre a trama, só consigo dizer que me encanta por tamanha genialidade e pela profundidade dos personagens. Fico chocada com o domínio técnico de quem criou essa história, que deve ter estudado arquétipos até não poder mais. Quer dizer, é gente que sabe o que faz e o faz muito bem. Para quem nunca assistiu, um singelo resumo: trata-se de uma série de suspense que retrata o cotidiano de uma professora de defesa criminal, Annalise e de seus alunos, que acidentalmente se envolveram em um assassinato. A série é transmitida pela ABC e produzida por Shonda Rhimes, a mesma criadora de Greys Anatomy.

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O elenco é encabeçado por Viola Davis, uma atriz com enorme carga dramática e muito talento. Sinceramente, é uma daquelas figuras cativantes que conseguem criar empatia com o público, mesmo interpretando uma mulher com sérios desvios morais. Na segunda temporada Annalise está mais obscura, sem rumo e desmoralizada. Em certo momento se referem à ela como um “cachorro morto” que insistem em chutar. Mas é incrível como, com sua inteligência e competência, consegue dar a volta por cima, surpreendendo e salvando a todos. É a perfeita anti-heroína.

Não dá para assistir uma série como essa e ficar indiferente ao fato da personagem principal se tratar de uma mulher, negra. [Annalise é uma mulher negra, linda, dona de seu próprio negócio, dominadora. Que fique claro.] Não vou me aprofundar na análise sobre questões raciais ou de gênero (até porque não tenho bagagem para falar disso) mas, sem dúvidas é um mérito da Shonda e nos faz questionar onde estão as protagonistas negras nas séries televisivas (novelas, programas de TV). Aliás, a questão me faz recordar o discurso de Viola no Emmy 2015: “A única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade”.

MATT MCGORRY, KARLA SOUZA, AJA NAOMI KING, ALFRED ENOCH, JACK FALAHEE, VIOLA DAVIS, LIZA WEIL, BILLY BROWN, CHARLIE WEBER
Sobre as mulheres da série,  percebemos que todas são muito fortes. Desde Bonnie, a assistente de Annalise às alunas. Bonnie é o meu segundo personagem favorito, há nela muita dor e um mistério que ainda não foi bem desenvolvido. Pelo tom da segunda temporada, me parece que as humilhações a que ela se permite sofrer em relação à chefe estão ligadas muito mais a culpa do que a fraqueza ou gratidão.

Em suma são mulheres inteligentes, confiantes e estudadas que possuem o mesmo valor que os personagens masculinos. A imagem delas não é sexualizada, nem abordadas superficialmente  e muito menos reproduzem antigos arquétipos clichês. Sobre as alunas: Michaela também é uma mulher negra, de família endinheirada. Laurel é latina e também provém de uma família cuja situação financeira é boa (ela rompe com a dominação do pai e, desde o início da trama, deixa evidente que deseja trilhar o próprio caminho sem depender financeiramente dele).

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Outro ponto chave da série é o retrato respeitoso e com naturalidade sobre a opção sexual dos personagens. Um dos alunos, o Connor, é gay e não se explora a questão de forma pejorativa. Em seu contexto, ainda há o fato de que ele namora um homem portador do vírus HIV e, independente disso, vivem uma vida sexual ativa e feliz. Annalise é bissexual, e isso é esfregado na cara do espectador de forma surpreendente, porque em princípio, os fatos nos fazem acreditar que ela é heterossexual. Em entrevista, Shonda tocou no tema e ressaltou a importância de retratá-lo em suas séries: “Acredito que todo mundo deve começar a se ver refletido na TV. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é a luta da nossa era, assim como foi a dos negros pelos seus direitos civis. Roteiristas como Norman Lear terem colocado negros na TV ajudou a mudar algumas mentes.”

Extramuros

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Extramuros é um filme que conta a relação amorosa entre duas freiras enclausuradas em um convento espanhol durante o reinado de Filipe II (1527-1598). Numa região assolada por doenças, pela fome, extrema pobreza e falta de água, as freiras receberam a ameaça de ter o convento fechado por falta de pagamento de indulto. Um delas, Sor Ângela (interpretada por Mercedes Sampietro) tem a ideia de forjar um milagre para manter o lugar em funcionamento. Assim, sua apaixonada companheira, Sor Ana (Carmen Maura) a auxilia a recriar as chagas de Jesus e a divulgar um discurso de que Ângela é milagrosa.

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O filme foi dirigido por Miguel Picazo e inspirado na obra de Jesus Fernández Santos. Estreou em setembro de 1986 em Madrid e custou 117 milhões de pesetas. O interessante é que foi gravado no convento de San Pedro de Dueñas, mas para apresentar um tom mais realístico, foi preciso realizar um trabalho cenográfico que fizesse com que o local parecesse mais destruído do que realmente estava. Em entrevista, Picazo contou sobre como surgiu a ideia de filmar: “Quando li o romance pensei na possibilidade de fazer um filme. A trama possui tudo:  história, intrahistória, clímax… me pareceu perfeita para o cinema. É uma investigação certeira sobre o ser humano e vale para qualquer época.”.

Assisti o filme ontem a noite e muito do que vi me remeteu à “A Religiosa”, livro de Diderot publicado em 1796, que conta a história de Suzanne, uma freira enclausurada contra vontade e que, dentre inúmeras coisas,  sofre assédio sexual da Madre Superiora. Diferente dos filmes que vi, baseados no livro de Diderot, esse toca na ferida de maneira direta e sem rodeios. É explícito, as freiras se beijam o tempo inteiro, trocam carícias, dormem juntas e fazem juras de amor….

Parece um tabu falar sobre sexualidade e freiras, duas coisas que não combinam. E é realmente estranho ver as personagens com tamanho discurso romântico. É um filme denso, dramático, muito escuro… uma perfeita alusão à idade média, época das trevas. Me impressiona mais do que a repressão que sofriam o fato de elas se culparem o tempo inteiro. Em uma das cenas, por exemplo, Angela está prestes a se deitar com Ana, mas se lembra que “Amor se paga com dor”, então as duas começam a se autoflagelar e, exaustas, deitam no chão, com as costas repletas de sangue.

O que move as duas é um amor cego e sem imites, especialmente à Ana (um personagem mais dramático, muito dolorida, insegura). Em entrevista Carmen Maura até observou isso: “Ela é apaixonante, porque toda sua motivação é o amor. É a primeira vez que interpreto um personagem que ama sem pedir nada em troca”. São capazes de fingirem um milagre para não se separarem…

Amizade Desfeita

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“Amizade desfeita” é um filme que marca pela estética, pelo experimentalismo. Toda a trama se passa através de uma tela de computador, onde sete amigos conversam através do Skype. Anos antes, esse mesmo grupo acompanhou (também virtualmente) o suicídio de Laura Bairns e, ao que parece, ela voltou para se vingar. Não é um filme assustador, mas é um filme de pequenos sustos. Você pode se pegar surpreso em alguns momentos, mas nada que vá lhe tirar o sono.

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Gosto muito dos momentos em que para entender o que se passa, o espectador precisa ler as conversas de bate papo da personagem principal, você não vê o seu rosto, nem sua reação, mas pela forma que a personagem escreve  é possível imaginar sua tensão. O filme foi uma produção barata, custou apenas 1 milhão de dólares e já rendeu 63 vezes mais. É impressionante….

O harém de Madame Osmane

el-haren-de-madame-osmane-34014Fiquei surpresa com esse filme, do qual não conhecia a história e não fazia ideia de onde se passava. Fui assistí-lo por causa da Carmen Maura e tive uma feliz surpresa ao descobrir que se trata de uma produção franco-argelina, dirigida por Nadir Morkneche e produzida em 2000. Na trama, Carmen interpreta Madame Osmane, uma mulher mal-humorada que, após ser abandonada pelo marido, passa a comandar sua pensão com mãos de ferro para não perder o respeito. O ano é de 1993, acontece a Guerra Civil Argelina (um conflito armado entre o governo argelino e rebeldes islâmicos, iniciado dois anos antes. O número estimado de mortos foi de 200 mil pessoas).

Após ser lançado na França, o filme chegou a ser considerado um “Mulheres à beira de um ataque de Nervos” argelino. Não é para menos e não só pela fácil associação de Carmen à Almodóvar. Madame Osmane é uma mulher forte e cheia de problemas, a começar pela filha rebelde e respondona. Em sua volta está uma velha amiga confidente, o namorado de uma das inquilinas que vive a assediando, uma solteirona desesperada e uma moça, cujo marido é ausente. Enfim, Madame Osmane, assim como Pepa de Almodóvar, está prestes a ter um ataque de nervos.

Muitas coisas que vi no filme me soaram estranhas, é realmente um mundo que desconheço. A começar pelo ambiente, aparentemente seco e muito quente. As mulheres com todos aqueles panos, as cobrindo da cabeça aos pés (outras, com saias curtas), a rapidez dos diálogos, as roupas. Reparei que o universo de todas elas gira em função dos homens, é incrível como o casamento é fundamental para o equilíbrio emocional das personagens. A própria Madame Osmane, por exemplo, uma mulher forte (que chegou a ser militante pela independência da Argélia) é desmoralizada por não ter um marido ao seu lado.

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O mundo feminino, retratado no filme, me pareceu angustiante. Enquanto os homens saem para trabalhar e podem ter quantas esposas desejam, as mulheres não podem andar nas ruas sozinhas sem correr o risco de serem assediadas. Madame Osmane se destaca entre todas elas, exatamente porque é a matriarca da casa. Resolve os problemas, bate de frente com todos (inclusive com os homens) e ao mesmo tempo é extremamente infeliz. São muito interessantes as cenas que insinuam o quanto Madame Osmane é solitária e reprimida sexualmente, a ponto de antes de dormir, deitar-se no chão para escutar os vizinhos transando.

Em entrevista ao El País, Nadir Morkneche comentou que Madame Osmane “representa as vidas frustradas de tanta gente na Argélia, é também a representação das argelinas que romperam tabus na década de 70 e que, anos depois, encontram dificuldade para aceitar o mesmo sistema que as oprimiu quando jovens”. E ainda, sobre o universo feminino, observou que: “Existem dois tipos de educação na Argélia, uma para os homens e outra para as mulheres e é ela que configura as mentalidades. O homem da Argélia pode ser uma menino mimado por toda a vida, mimado por suas mães, irmãs e esposas.”

Por fim  é um filme que começa com um tom de humor e termina de uma maneira obscura e muito, muito triste.


 – ScreenCaps-

Michelangelo, o tatuador

“Na arte da tatuagem usavam-se cinco cores e um arquivo limitado de símbolos para cobrir o espectro da vida e da morte. Cinco cores para captar todas as alegrias e tristezas do mundo e gravá-las em uma parte do corpo. Vermelho, marrom, amarelo, verde e preto. Cinco cores para dizer tudo o que podia ser dito.” 

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Comecei a ler este livro sem pretensão, não imaginei que iria me agradar tanto quanto agradou. Sinceramente, ele tem toda uma pegada obscura, narra situações de violência e se passa em ambientes grotescos, bizarros. Ao mesmo tempo, tem como pano de fundo uma história de amor e superação. Sara Hall tem uma narrativa leve, mas muito impactante e é impossível ficar indiferente à sua sensibilidade.

A história se inicia na década de 1920 no norte da Inglaterra. É protagonizada por Cy, um jovem que mora junto com a mãe em uma espécie de “casa para tuberculosos”. Ele cresceu observando os pacientes sentindo dor e colhendo seus escarros. Sobre a sua sombra, as lembranças de seu pai, que era marinheiro. O livro narra todo o processo que o levou a ser tatuador, desde a morte precoce de sua mãe (diagnosticada com câncer no seio), ao seu convívio com um mentor genial, mas alcoólatra e por vezes sádico à sua mudança para Coney Island, onde passa a trabalhar num show de aberrações e conhece Grace, a mulher que mudaria sua vida.

O livro é todo muito detalhado, mas especialmente a infância de Cy é trabalhada com delicadeza, cheia de detalhes. É uma narrativa que nos leva para um cenário frio e extramente desigual, onde o personagem principal faz parte dos desajustados. Quem ama o mundo da tatuagem, provavelmente vai gostar muito desse livro. Mesmo sendo uma narrativa fictícia, há uma contextualização muito interessante de um mundo que aparentemente, não existe mais. É como se a tatuagem fosse encarada por outros olhos, não vista como arte. Assim com os tatuadores, marginalizados e sofrendo muitos preconceitos.

Em tradução literal, o nome do livro seria “Michelangelo elétrico”, abaixo algumas capas publicadas em outros países:

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Citação: 

Michelagniolo Di Lodovico Buonarroti, que se tornou conhecido no mundo inteiro como Michelangelo, nasceu em 1475 e morreu em 1564, aos 89 anos. Bastante idade para o seu tempo. Não havia muito que esse homem não soubesse fazer, o que era bem comum na época. Diferente de hoje, que os homens ficam sentados coçando o saco e esperando que apareça um emprego, tendo apenas habilidade suficiente para assentar tijolos, cavar carvão ou coletar impostos, uma coisa de cada vez. Por pior que seja a depressão dos dias de hoje, meu rapaz, era mais duro antigamente, por isso tenho muito respeito por tudo o que foi feito. Os tempos eram outros. Os homens se viam diante de uma tarefa e concluíam o trabalho. Michelangelo era pintor, arquiteto, escultor e poeta. Todas as coisas que são relevantes no nosso ofício.

Alguns dizem que Leonardo era o máximo de sua época, um homem bem-humorado, nada provinciano, mas a verdade é que Michelangelo tinha vocação e, diferente de todos os outros, era seu próprio patrão, mesmo quando aceitava encomendas para seu sustento. Por isso é que sua pintura lhe consumia como tempo, esse tipo de coisa não interessava a todo mundo. Mas ele tinha uma luz interior que o levava até o fim. Para mim, um homem que se incumbe de pintar a mão de Deus tem alguma coisa especial dentro de sí. Michelangelo tinha a maior dificuldade para conseguir tinta azul. Exatamente como nós. Era uma tinta cara nos eu tempo, difícil para trabalhar, usada apenas em coisas muito especiais, como os mantos de Nossa Senhora. Para pintar como Michelangelo, seria preciso descobrir como ele manejava a tinta azul.