Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina

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Em “Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina”, o sociólogo peruano Aníbal Quijano realiza uma análise sobre o impacto da colonialidade e da globalidade na América Latina. O leitor é contextualizado sobre como foi construída a ideia da Europa Ocidental como centro do mundo, o eurocentrismo. Através do texto, o leitor também entende o porquê do autor afirma que a América Latina se define e se reproduz como colonial- moderno e como a América Latina (e sua história) auxiliaram na criação do eurocentrismo como um modelo de produção e controle, especialmente do conhecimento.

    Dom Quixote simboliza o (des)encontro entre o mundo velho e o mundo novo, de um lado a ideologia senhorial e cavalheiresca e de outro, novas práticas e tecnologias simbolizadas pelo moinho de vento. Como diria o autor, “o novo não acabou de nascer e o velho não terminou de morrer”. Quijano defende muito a necessidade de encarar a história como uma sequência unilinear e unidimensional. Diferente do que o eurocentrismo nos faz crer, a evolução histórica é repleta de contradições, associações, fragmentações, mutações, sentidos e significados.

“[…] a maior lição epistêmica e teórica que podemos aprender de Dom Quixote: a heterogeneidade histórico-estrutural, a co-presença de tempos históricos e de fragmentos estruturais de formas de existência social, de vária procedência histórica e geocultural, são o principal modo de existência e de movimento de toda sociedade, de toda história. Não, como na visão eurocêntrica, o radical dualismo associado, paradoxalmente, à homogeneidade, à continuidade, à unilinear e unidirecional evolução, ao “progresso”. (QUIJANO, 2005: p.7)

    Para a dominação da Nova Espanha, a coroa não se preocupou em criar uma identidade comum com todas as demais populações, pelo contrário, se impôs sobre as identidades e nacionalidades, de muitas formas. Uma delas foi através da apropriação de bens materiais e da exploração do trabalho gratuito de índios, escravos e servos. O resultado foi a destruição da produção interna e do mercado interno, fora o secular retrocesso e estancamento dos processos de democratização, como esclarece o autor: “O que empobreceu a Nova Espanha, foi o que enriqueceu a Europa Ocidental”.

    O que sabemos é que a América Latina continuará dependente enquanto o eurocentrismo dominar o conhecimento já que a visão eurocêntrica distorce e bloqueia a experiência histórico cultural latina.  Para o autor, é preciso convocar os fantasmas que a história produziu e que habitam nossa existência social e inquietam nossos projetos históricos.

  A produção histórica da América Latina começa com a destruição de toda uma história que já existia, na opinião do autor “provavelmente a maior destruição sociocultural e demográfica que chegou ao nosso conhecimento”.  Ela foi realizada de várias formas, mas as principais são indicadas abaixo:

–  Desintegração dos padrões de poder e de civilização.

– Extermínio Físico.

– Eliminação deliberada de importantes produtores (cientistas, artistas)

– Repressão material e subjetiva. (Uma herança cultural e artística que se tornou inacessível já que não se podia produzir signos e símbolos próprios senão nas distorções da clandestinidade).

Raça: primeiro sistema de classificação social básica e universal dos indivíduos da espécie. A ideia de raça (a primeira categoria social da modernidade) fomentou um novo tipo de dominação social e de exploração e com eles, um novo tipo de conflito e de poder.

O colonialismo é uma experiência muito antiga. No entanto, somente com a conquista e a colonização ibero-cristã das sociedades e populações da América, na transposição do século XV ao XVI, foi produzido o construto mental de “raça”. Isso dá conta de que não se tratava de qualquer colonialismo, mas de um muito particular e específico: ocorria no contexto da vitória militar, política e religioso-cultural dos cristãos da contra-reforma sobre os muçulmanos e judeus do sul da Ibéria e da Europa. E foi esse contexto que produziu a ideia de “raça”. (QUIJANO, 2005: p.12)

 Os dominados deixaram de ser vistos como vítimas de um conflito e passaram a ser encarados como inferiores por natureza material e histórico cultural. Uma noção que não está relacionada apenas à materialidade, mas também às próprias pessoas.

Conclusão

A América Latina continua reproduzindo a ideia de que os europeus são uma raça superior. O eurocentrismo oculta e distorce nossa história, é um padrão de poder que foi imposto através da violência física e subjetiva e permitiu a rápida expansão capitalista da Europa inclusive, permitiu que se aproveitasse das inovações tecnológicas produzidas por seus escravos.

La mujer de tu vida, la mujer feliz

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Esse (tele)filme, produzido em 1990, faz parte de uma série cômica espanhola transmitida até 1994, com 19 capítulos. A ideia da RTVE era produzir cinema de qualidade para a televisão, começaram os projetos em 1980 e só em 1988 conseguiram filmá-lo. Todo os episódios foram filmados em 35mm e tinham cerca de 60 minutos. Como tema, precisavam falar da “mulher perfeita” e de sua relação com algum homem.

Carmen interpreta Marisa, a mulher feliz. O episódio começa no aeroporto de Madrid, quando Antônio Lopez (interpretado por Antônio Banderas) acaba de voltar para o seu país após ter trabalhado por cinco anos na Alemanha, juntando dinheiro para se casar. Sem querer ele presencia um assassinato e é tido como principal suspeito. Antônio foge e com o pouco dinheiro que tem, aluga um pequeno apartamento e lá conhece Marisa. Os dois se enamoram facilmente, Marisa é casada, mas não liga de dar em cima de outro cara, ainda mais porque o seu marido vive trabalhando.

Mesmo sabendo que Antônio está sendo procurado, ela continua se relacionando com ele e o ajuda a se esconder. Um dia, Antônio encontra umas anotações de uma pequena história em um guarda-roupa e decide continua-la. Dias depois, apresenta para Marisa um livro enorme e Marisa, que não é boba, o publica com o pseudônimo de “Antônio”. O livro faz muito sucesso e Marisa fica rica e famosa (enquanto Antônio, precisa conviver com o anonimato).

A história é bem surreal, mas muito engraçadinha. Eu adoro ver a Carmen Maura e o Antônio Banderas como casal, possuem uma sintonia gostosa. A Carmen, como sempre, está muito divertida (e aqui, muito sensual também). A história vai se desenvolvendo de um jeito tão louco que é impossível não ficar com pena do Antônio. É interessante o protagonismo feminino e como ela comanda a vida dos homens que a cercam e, de alguma maneira, se aproveita de todos eles  Coloquei o filme no Youtube e você pode assisti-lo aqui. 

Enganar é viver (ou “La Alegria está em el Campo”)

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Tava pesquisando sobre esse filme e encontrei uma super entrevista (de 1996, um ano após o lançamento), em que a Carmen Maura falava muitas coisas interessantes sobre a sua carreira, uma delas é que enfrentou muitas dificuldade para se acostumar com o jeito frio dos franceses e que tem um pouco de birra porque eles se acham os melhores de mundo. Na entrevista Carmen contou que ficou mais de seis meses gravando “La alegria está en el campo” e que realmente morava numa fazenda, longe de tudo, levando uma vida meio bucólica. Ela disse que se esforçou muito para aprender francês e que tem orgulho de dominar a língua, contou que gostava de morar na França porque o assédio lá praticamente não existe, que podia passear com seus cachorros sem ser reconhecida.

A melhor parte foi quando ela falou sobre suas expectativas de carreira, disse que não ficava sem trabalho e que tinha o privilégio de ser uma atriz de cinema… que não tinha a ilusão de ser uma atriz de Hollywood e que sofreu muito quando gravou “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, que só não largou tudo porque tinha um contrato a cumprir. Quando ela chegou em Hollywood para a promoção do filme, foi muito maltratada e que provavelmente recebeu esse tratamento por causa da sua idade. Na época, Carmen já estava no auge dos 40 e tantos, sentia que não conseguiria (e que não estava disposta) a concorrer com atores com a metade da idade dela.

Sobre o filme: O pequeno empresário Francis (interpretado por Michel Serrault) está enfrentando sérios problemas em sua fábrica: não tem verba e as funcionárias em greve. Pior é que, quando chega em casa, não encontra consolo na mulher e na filha, que são frias e arrogantes e só pensam em gastar.Um dia a família está vendo TV e escutam o caso de uma senhora que possui duas filhas e que está em busca de seu marido. Essa senhora é Dolores, vivida por Carmen Maura, uma fazendeira produtora de foie gras, extremamente simples. Quando mostram uma foto antiga do marido desaparecido de Dolores, Francis tem uma baita surpresa… o homem na foto é idêntico a ele.Decidido a evitar os problemas do dia-a-dia e se livrar da esposa e da filha, Francis assume a identidade do esposo de Dolores.

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Meus comentários, cheios de spoilers: Eu estava louca para assistir esse filme, pensei que fosse uma super comédia. É uma comédia leve, uma trama interessante, mas nada que se diga “nooossa!”. A verdade é que o filme começa muito bem, dá pra dar umas boas risadas, mas aos poucos vai perdendo o ritmo. De qualquer forma, não é uma história tão comum, tem umas reviravoltas legais. Carmen está muito bem, mais séria do que o normal. Eu adorei o fato de seu personagem ser extremamente simples e, em segredo, extremamente rica. Tão rica que tira Francis do fundo do poço, mas o coloca em uma enrascada já que o dinheiro que ela tem (e suas infindáveis barras de ouro, rsss) são “dinheiro sujo”, tretas que o verdadeiro marido de Dolores arrumou em 1968, quando fazia violentos assaltos. O melhor é que a verdadeira esposa de Francis, quando descobre que ele a traiu, enlouquece (e só no fim do filme descobrimos que ela enlouquece de alegria por se ver livre do marido). Também descobrimos que Dolores sabe o tempo inteiro de que Francis não é seu verdadeiro marido, mas mesmo assim confia a ele sua fortuna, porque aprendeu a amá-lo.

Carmen foi indicada ao César por esse filme como melhor atriz coadjuvante.