“Na arte da tatuagem usavam-se cinco cores e um arquivo limitado de símbolos para cobrir o espectro da vida e da morte. Cinco cores para captar todas as alegrias e tristezas do mundo e gravá-las em uma parte do corpo. Vermelho, marrom, amarelo, verde e preto. Cinco cores para dizer tudo o que podia ser dito.”
Comecei a ler este livro sem pretensão, não imaginei que iria me agradar tanto quanto agradou. Sinceramente, ele tem toda uma pegada obscura, narra situações de violência e se passa em ambientes grotescos, bizarros. Ao mesmo tempo, tem como pano de fundo uma história de amor e superação. Sara Hall tem uma narrativa leve, mas muito impactante e é impossível ficar indiferente à sua sensibilidade.
A história se inicia na década de 1920 no norte da Inglaterra. É protagonizada por Cy, um jovem que mora junto com a mãe em uma espécie de “casa para tuberculosos”. Ele cresceu observando os pacientes sentindo dor e colhendo seus escarros. Sobre a sua sombra, as lembranças de seu pai, que era marinheiro. O livro narra todo o processo que o levou a ser tatuador, desde a morte precoce de sua mãe (diagnosticada com câncer no seio), ao seu convívio com um mentor genial, mas alcoólatra e por vezes sádico à sua mudança para Coney Island, onde passa a trabalhar num show de aberrações e conhece Grace, a mulher que mudaria sua vida.
O livro é todo muito detalhado, mas especialmente a infância de Cy é trabalhada com delicadeza, cheia de detalhes. É uma narrativa que nos leva para um cenário frio e extramente desigual, onde o personagem principal faz parte dos desajustados. Quem ama o mundo da tatuagem, provavelmente vai gostar muito desse livro. Mesmo sendo uma narrativa fictícia, há uma contextualização muito interessante de um mundo que aparentemente, não existe mais. É como se a tatuagem fosse encarada por outros olhos, não vista como arte. Assim com os tatuadores, marginalizados e sofrendo muitos preconceitos.
Em tradução literal, o nome do livro seria “Michelangelo elétrico”, abaixo algumas capas publicadas em outros países:
Citação:
Michelagniolo Di Lodovico Buonarroti, que se tornou conhecido no mundo inteiro como Michelangelo, nasceu em 1475 e morreu em 1564, aos 89 anos. Bastante idade para o seu tempo. Não havia muito que esse homem não soubesse fazer, o que era bem comum na época. Diferente de hoje, que os homens ficam sentados coçando o saco e esperando que apareça um emprego, tendo apenas habilidade suficiente para assentar tijolos, cavar carvão ou coletar impostos, uma coisa de cada vez. Por pior que seja a depressão dos dias de hoje, meu rapaz, era mais duro antigamente, por isso tenho muito respeito por tudo o que foi feito. Os tempos eram outros. Os homens se viam diante de uma tarefa e concluíam o trabalho. Michelangelo era pintor, arquiteto, escultor e poeta. Todas as coisas que são relevantes no nosso ofício.
Alguns dizem que Leonardo era o máximo de sua época, um homem bem-humorado, nada provinciano, mas a verdade é que Michelangelo tinha vocação e, diferente de todos os outros, era seu próprio patrão, mesmo quando aceitava encomendas para seu sustento. Por isso é que sua pintura lhe consumia como tempo, esse tipo de coisa não interessava a todo mundo. Mas ele tinha uma luz interior que o levava até o fim. Para mim, um homem que se incumbe de pintar a mão de Deus tem alguma coisa especial dentro de sí. Michelangelo tinha a maior dificuldade para conseguir tinta azul. Exatamente como nós. Era uma tinta cara nos eu tempo, difícil para trabalhar, usada apenas em coisas muito especiais, como os mantos de Nossa Senhora. Para pintar como Michelangelo, seria preciso descobrir como ele manejava a tinta azul.