Extramuros é um filme que conta a relação amorosa entre duas freiras enclausuradas em um convento espanhol durante o reinado de Filipe II (1527-1598). Numa região assolada por doenças, pela fome, extrema pobreza e falta de água, as freiras receberam a ameaça de ter o convento fechado por falta de pagamento de indulto. Um delas, Sor Ângela (interpretada por Mercedes Sampietro) tem a ideia de forjar um milagre para manter o lugar em funcionamento. Assim, sua apaixonada companheira, Sor Ana (Carmen Maura) a auxilia a recriar as chagas de Jesus e a divulgar um discurso de que Ângela é milagrosa.
O filme foi dirigido por Miguel Picazo e inspirado na obra de Jesus Fernández Santos. Estreou em setembro de 1986 em Madrid e custou 117 milhões de pesetas. O interessante é que foi gravado no convento de San Pedro de Dueñas, mas para apresentar um tom mais realístico, foi preciso realizar um trabalho cenográfico que fizesse com que o local parecesse mais destruído do que realmente estava. Em entrevista, Picazo contou sobre como surgiu a ideia de filmar: “Quando li o romance pensei na possibilidade de fazer um filme. A trama possui tudo: história, intrahistória, clímax… me pareceu perfeita para o cinema. É uma investigação certeira sobre o ser humano e vale para qualquer época.”.
Assisti o filme ontem a noite e muito do que vi me remeteu à “A Religiosa”, livro de Diderot publicado em 1796, que conta a história de Suzanne, uma freira enclausurada contra vontade e que, dentre inúmeras coisas, sofre assédio sexual da Madre Superiora. Diferente dos filmes que vi, baseados no livro de Diderot, esse toca na ferida de maneira direta e sem rodeios. É explícito, as freiras se beijam o tempo inteiro, trocam carícias, dormem juntas e fazem juras de amor….
Parece um tabu falar sobre sexualidade e freiras, duas coisas que não combinam. E é realmente estranho ver as personagens com tamanho discurso romântico. É um filme denso, dramático, muito escuro… uma perfeita alusão à idade média, época das trevas. Me impressiona mais do que a repressão que sofriam o fato de elas se culparem o tempo inteiro. Em uma das cenas, por exemplo, Angela está prestes a se deitar com Ana, mas se lembra que “Amor se paga com dor”, então as duas começam a se autoflagelar e, exaustas, deitam no chão, com as costas repletas de sangue.
O que move as duas é um amor cego e sem imites, especialmente à Ana (um personagem mais dramático, muito dolorida, insegura). Em entrevista Carmen Maura até observou isso: “Ela é apaixonante, porque toda sua motivação é o amor. É a primeira vez que interpreto um personagem que ama sem pedir nada em troca”. São capazes de fingirem um milagre para não se separarem…
Nossa, Tha! Que visão bacana você trouxe sobre esse filme. Acho muito sagaz quando você compara a densidade da história – e da tela, pelo que vejo nas imagens – ao momento obscuro da época das trevas!
Fiquei pensando aqui sobre pagar o amor com a dor e, de certa forma (e sem querer criar polêmicas) essa é uma visão que já esteve – não sei com que frequência ainda estaria – presente nas igrejas. Acredito que tenha mudado, assim como reforçaram a transição do Deus que pune para o Deus que perdoa… Viagens aqui, rs
Bem isso, concordo plenamente. A igreja ainda reproduz um discurso de culpa e de repressão, é assustador pensar que esse filme se passa em 1500 e que algumas questões continuem tão atuais. É como o diretor falou, é uma obra que retrata as mazelas humanas, por isso, atemporal. Beijos Lari.