Thammy – nadando contra a corrente

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Estava ansiosa por ler este livro, mas me decepcionei um pouco… Esperava por uma narrativa mais reflexiva e menos documental. Acho que a vida do Thammy (e todas as dificuldades que enfrentou para viver sua sexualidade plenamente) pode servir de exemplo, ensinamento e inspiração pra muita gente. A narrativa é descomplicada e escrita em terceira, foi baseada em entrevistas e depoimentos de figuras próximas à ele. Muito de sua história está diretamente ligada à Gretchen e é difícil não ficar curioso quanto a relação dos dois, especialmente sobre as problemáticas oriundas da sexualidade do filho e da fama da mãe. Também se fala bastante sobre a juventude de Thammy, de suas histórias escolares, do apelo da mídia, das relações com os irmãos e com o pai.

Sobre à sexualidade dele, é muito interessante como tudo se deu naturalmente. O livro conta que desde pequeno ele já tinha um comportamento masculino e que a bomba estourou quando ele tinha 16 anos quando se apaixonou por uma produtora da mãe. De início se dizia-se (ou considerava-se) homossexual e só depois, conseguiu assumir a transexualidade. Além da vida cercada alguns luxos (como motoristas particulares, viagens ao exterior ou passeios à casa da praia), o livro se centra muito na ausência da mãe, que sempre teve uma vida profissional atribulada. Com todas as polêmicas que Thammy se envolveu, sinto que ele tem um carisma muito forte, assim como a Gretchen (que, sinceramente, adoro!). Das entrevistas que vi ou li dele, só me incomoda um pouco uns resquícios machistas…

Chica Lopes marcou a minha memória

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A atriz Chica Lopes faleceu (no dia 11 de setembro), aos 90 anos. A notícia só foi divulgada ontem, através de uma publicação da atriz Jussara Freire. Triste, né? Chica marcou a minha memória como Durvalina, era a grande companheira de Dona Lola em Éramos Seis. Sua imagem sempre me trouxe uma sensação de acalento e de força, lembro que na maioria das cenas em que aparecia estava aconselhado alguém, ou trabalhando na casa ou na cozinha… algo que me remetia também à uma figura materna. Pra mim, o mais importante era a sua candura, ela parecia ser uma mulher doce e extremamente sensível. Chica nasceu em 1929, ela começou sua carreira no teatro em 1950 e só foi estrear na TV 25 anos depois, em teleteatros. Sua primeira novela foi “O Julgamento”, lançada em 1976, na TV Tupi.

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Estava no trabalhando conversando com os colegas quando vi na minha timeline a chamada de um jornal sobre o desaparecimento de Domingos Montagner. Da turma, fui eu que vi a notícia primeiro e gritei:

– Gente, o ator de Velho Chico sumiu!

Não sei falou em outra coisa pelo resto do dia, com uma certa comoção (misturada com uma curiosidade mórbida) comentávamos o caso quase como especialistas.

– Pelo tempo em que desapareceu e dependendo da profundidade ele não sairá muito ferido, será encontrado logo… (A gente não sabia de nada, mas comentava assim mesmo).

Todo mundo perdeu a concentração no trabalho, não tinha um que não estava com uma página de notícias aberta no computador. E até eu, que nunca assisti um filme ou novela com esse ator, estava comovida. Faltando poucos minutos para eu ir embora, a minha colega diz:

– Ele foi encontrado vivo gente, ele está bem. (Ela jurou que leu essa notícia em algum lugar).

“Ah, finalmente! ” (pensei). E assim fui para casa, refletindo sobre os textos que precisava ler para a faculdade e na faxina que precisava fazer no meu quarto. Cheguei, comi qualquer coisa, tomei um banho e quando peguei meu celular, a mensagem do WhatsApp do grupo do trabalho dizia:

– O ator morreu.

Eu levei um susto, não esperava por essa. A verdade é que eu passei a noite de quinta-feira sem conseguir dormir, acordando de minuto a minuto… atormentada pela notícia. De alguma forma, no fundo, eu sabia que devido a periculosidade do acidente, ele poderia não sair vivo. Mas, mergulhada no mundo fantasia, pela ilusão da magia que cerca os artistas, eu simplesmente esperava vê-lo vivo, comentando sobre o acidente numa matéria do Fantástico. Naquele momento fui atropelada pela realidade. Todos nós fomos.

Mais do que a comoção pela morte do ator, pela triste ironia que desse acidente (da semelhança do acontecimento com um fato que se passou na novela), acho que todos nós fomos confrontados pelo acontecido. Quase como um aviso para lembrarmos daquilo que queremos esquecer: um dia morreremos, e nossos amigos e familiares também se vão. A gente não comanda o destino, a gente pode morrer a qualquer minuto e simplesmente não temos como controlar isso. Aquela pessoa que você ama, com que conversa todos os dias, com quem divide memórias e sentimentos, elas vão morrer. A pessoa que você vê falar, comer, rir, andar… ela também se vai. E isso é triste pra caralho…

Acho que foi por isso que não consegui dormir naquele dia, apesar de todo o cansaço. Fiquei pensando nas pessoas que amo, nos planos que tenho, nas coisas que não fiz e disse. E me deu um medo, um medo do incerto… um medo do fim.

OITNB: Sobre a terceira temporada e o que eu mais amei!

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Orange está no topo das minhas séries preferidas. Adoro cada um dos personagens e o trabalho narrativo que a autora executa. Há muito tempo sentia falta de um produto televisivo que contestasse certos padrões e que fosse pautado em questões sociais.  Um dos grandes méritos da série é abordar tudo isso com muito humor e leveza. A terceira temporada superou as minhas expectativas, eu terminei de assistir querendo um pouquinho mais [na real, isso sempre acontece!].  Mas dessa vez, diferente das outras, dois pontos me chamaram atenção e gostaria de compartilhá-los:

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– Pouco sei (quase nada, na verdade) sobre o Feminismo Negro, e confesso que há tempos atrás não entendia o sentido desta vertente. É muito vergonhoso admitir, mas eu, sendo mulher negra, passei muito tempo sem conhecer o feminismo negro. Na minha cabeça era só uma forma de enfraquecer o movimento porque separava ou classificava as mulheres. Eu continuo escrevendo sobre feminismo negro sem nenhuma propriedade (porque pouco li ou estudei), mas hoje compreendo e concordo plenamente com essa divisão e Orange toca diretamente nessa ferida. As demandas de uma mulher negra que viveu na periferia não são iguais às de uma mulher branca de classe média. As duas sofrem com as pressões do machismo, mas de maneiras e intensidades diferentes.

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  – Quando assisti a cena do menage a trois entre a Judy King, a Erica Yoga Jones e o Luschek, soltei um grito! Foi totalmente inesperado e engraçado, mas divinamente respeitoso. Sempre escrevo sobre esse assunto por aqui: a sexualidade na velhice (especialmente das mulheres). Há uma triste tendência em acreditar que a idade avançada traz consigo uma “assexualidade”, mas no fundo a gente sabe que não é verdade. Judy King é uma mulher independente, que não tem medo nenhum de mostrar seus interesses sexuais no vigilante do presídio (e, mano, as cenas são muito engraçadas).

Agora, só resta esperar ansiosamente pela próxima temporada.

Mamãezinha Querida – O livro

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Como prometido, reli “Mamãezinha Querida” e assim que terminei, corri para escrever no blog sobre a sensação que tive.  Voltar a essa história é quase como reassistir um filme de terror, daqueles que a gente deliberadamente esquece algumas cenas e memoriza umas outras tantas.

Desde que conheci a Joan Crawford, tenho a admirado por sua força e por sua beleza… Há nela algo misterioso, uma obscuridade assustadora. Seja por sua infância extremamente pobre e sofrida, por sua loucura pelo sucesso ou por sua necessidade de mostrar para o público uma vida perfeita (que nunca teve).  Nunca saberemos se a relação de Joan com a filha foi tão problemática quanto narrada no livro, mas é realmente difícil ficar indiferente à perspectiva de Christina.

Algo me leva a acreditar na obsessão que a Joan tinha por limpeza por vê-la, em diversos vídeos e entrevistas, comentando sobre como fazia questão de limpar a própria casa e sobre como era uma “cuidadosa dona-de-casa”. Ela chegou até a brincar sobre essa questão em um episódio de I love Lucy, gravado em 1968.  Das coisas que li, acredito que essa fixação da Joan por limpeza foi um reflexo da relação conflituosa com a mãe, que também era viciada em arrumar as coisas e que trabalhou durante anos em uma lavanderia.

O comecinho do livro da Christina me surpreendeu porque eu não lembrava que ele se iniciava com a narrativa sobre a morte da Joan. No primeiro capítulo ela conta que foi a última pessoa a ver a mãe morta, que a atriz estava muito magra e que sentia certa ironia no fato de uma mulher tão controladora ter o seu destino entregue às mãos dos outros. Ao longo da narrativa, ela fala muito sobre a carreira da Joan, desde o seu surgimento como dançarina, ao Oscar (e aos momentos tenebrosos que passou quando Crawford foi considerada veneno de bilheteria, isso porque a mãe ficava extremamente nervosa e passava mais tempo em casa).

Acho interessante a Christina contar como a mãe foi se moldando e criando suas próprias marcas ao longo do tempo, a ponto de fazê-la parecer uma pessoa completamente diferente da que era no começo da carreira. Sejam pelas grossas sobrancelhas, pela boca marcada e pelas famosas ombreiras. Joan foi a responsável por criar sua própria imagem.

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Um dos grandes argumentos que ela usa contra a mãe é que Joan não queria que seus bebês crescessem. Tudo estava bem, até que eles foram crescendo, se informando e tendo suas próprias vontades. Os primeiros abusos que sofreu começaram quando tinha cinco anos, nessa época ela já apanhava, sofria pequenas humilhações, já era obrigada a limpar a mansão e preparar drinks para os convidados. Segundo ela, a mãe a treinou para ser uma menina perfeita: rica, polida, bonita e inteligente.


Tá, mas… vamos ao livro:

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Christina demonstra sentir muita raiva pelo fato da mãe afastá-la de casa, afinal ela passou muito tempo em internatos e perdeu momentos importantes em família: aniversários e natais… E sua mãe era muito ausente também, comunicava-se com ela através de pequenas cartas e bilhetes, não participou de suas formaturas.

Das polêmicas, acho que quatro delas são as mais interessantes: 1) Ela fala com muita naturalidade da bissexualidade da mãe, que diversas vezes foi à noite no quarto da babá, exigindo que elas dormissem juntas. 2) Christina diz que presenciou a mãe apanhar de um dos seus namorados, a quem tinha que chamar de “tio”. Numa das brigas que a Joan teve com um de seus namorados, ela chegou a subir no telhado fugindo dele. 3) Ela conta que carregou a mãe diversas vezes ao quarto pois ela tinha sério problemas com álcool, e sempre ligava para a escola da Christina enquanto estava bêbada e inventava mentiras sobre a garota.4) Christina dizia que muitos não entendiam porque uma mulher tão saudável como Joan não conseguia engravidar e sempre sofria abortos: ela os provocava.

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Outro detalhe sórdido: ela diz que a mãe era tão insuportável que nenhum empregado aguentava ficar um longo período trabalhando para ela. Então, Joan começou a permitir que suas fãs fizessem certos trabalhos (como limpar os sofás, ajudar no envio das cartas) e ainda não pagava por eles. Joan xingava e humilhava os fãs e mesmo assim eles continuavam lá, a servi-la. Mais uma coisa: Para Christina, a mãe usava a beleza como alpinismo social. Não é atoa que depois que se casou com o dono da Pepsi Cola, conseguiu pagar todas as dívidas que tinha. Durante anos fez o marketing da empresa e recebia muito bem por isso.

Ainda sobre esse assunto, ela conta que a mãe, enquanto esteve casada com Douglas Fairbanks, lutava bravamente para ser aceita pela sogra: Mary Pickford (que dizia não gostar de Joan por achá-la vulgar!).

Se Christina sofreu nas mãos da mãe, Christopher que o diga. Segundo o livro, ele batia de frente com a mãe e sempre levava a pior. Como era inquieto, Joan chegava a fazê-lo utilizar o “crasono-seguro”, que o prendia à cama e deixava imóvel durante toda a noite.

O fim da vida da mãe parece ter sido terrível, e Christina deixa evidente que não o acompanhou de perto. Segundo ela, Joan bebia muito e levava muitas quedas. Chegava a ficar com o corpo todo machucado.

Baby Jane foi o último sucesso de Joan e Christina conta que esse filme foi fundamental para que a atriz pudesse pagar suas contas atrasadas.

Ainda que muitos momentos narrados causem repulsa, o livro oferece uma oportunidade de conhecer uma nova perspectiva sobre Joan; muitos fãs não acreditam em nada que a Christina diz e em certa parte eu entendo (nós nunca vamos comprovar se o que ela disse é verdade). Mas de qualquer forma, é interessante ter acesso a tantas informações sobre a carreira desta atriz, que em alguns momentos, criou uma personalidade para si que foi se misturando com suas personagens. Joan teve uma infância muito pobre e uma juventude cercada de luxos… Outro dia vi um documentário e num dos depoimentos, falava-se exatamente sobre essa “fome” pelo sucesso que ela tinha, como um medo visceral de voltar à miséria. Acredito que existiu uma rivalidade terrível entre as duas e acho que a Joan fez algumas coisas “ruins”, tentando acertar…  na minha interpretação, ela reproduziu os rígidos ensinamentos que teve quando criança.  [Falando nisso, ainda cabe lembrar que Christina disse que Joan não tinha boa relação com a mãe, que a deixou morrer sozinha e com poucos auxílios financeiros.]