Se existe uma imagem que pode resumir perfeitamente como funcionam os meus momentos de paixonite por determinado ator, diretor, cantor, escritor e etc… é essa:

Pois bem, a bola da vez é a Anna Magnani, tô apaixonada por ela, baixando e assistindo tudo o que posso. Eu já tinha escutado falar sobre essa atriz há anos atrás, quando eu saia por aí gritando a quatro ventos que a Bette Davis era a melhor do mundo. Acontece que Magnani não fica nem um pouco atrás de Bette Davis e tem a mesma dimensão e poder dramático. Vejo muita semelhança entre as duas, afinal nenhuma delas tinha o nível de “beleza” exigido pelo cinema e mesmo assim, construíram carreiras sólidas e respeitadas. Coloco beleza entre aspas porque essa noção é subjetiva e, particularmente, acho as duas muito bonitas.

Anna foi uma das maiores atrizes que a Itália já conheceu, é considerada o rosto do neorrealismo e o esteriótipo perfeito da “mama” italiana. Uma atriz impactante, que personificou a feminilidade heroica e que (ao que me parece) preocupava-se sinceramente com a arte (e não tanto com o entretenimento), tanto que no auge da carreira, preferiu voltar ao teatro a ter que participar de filme qualquer, que não lhe significasse nada além de dinheiro.
Por muitos foi considerada a “nova” Eleonore Duse, também teve uma longa e frutífera história de amor com Roberto Rossellini, que terminou em grande polêmica com a chegada de Ingrid Bergman. A sua voz rouca, suas olheiras e seus cabelos bagunçados eram sua marca, fora a sua inteligência em relação a política e sua preocupação social. Vou deixar aqui o link de um site maravilhoso, com um rico artigo sobre Anna e que analisa de forma mais profunda a sua presença no cinema – Clique aqui-

Nos últimos dias andei vendo os seus filmes e fazendo algumas anotações, comentando bobeiras e salvando suas fotos. Algumas das quais compartilho… (esses foram os filmes que assisti até o momento, a medida que eu conseguir assistir mais, coloco aqui. Aceito sugestões de filmes, links e torrents!)
P.S. Sim, eu assisti “Roma, cidade aberta”, mas não tenho cacife para escrever sobre ele, sobre os outros eu até tenho cara de pau para falar… mas sobre esse, não.


A Rosa Tatuada, 1955: Comecei a assistir pronta para um dramalhão. E, na verdade, o início da trama é bem triste. Só que ao longo do filme, a história foi se transformando em uma deliciosa comédia, com um diálogo super agradável e com um ritmo meio louco. Anna está incrível, ela é o filme. Impossível não ficar encantado por sua simpatia e por sua naturalidade em frente as câmeras. Aqui ela ri de si mesma, e nos oferece ótimas cenas (principalmente nos momentos em que erra no inglês, e não consegue se livrar do carregado sotaque italiano). Me chamou a atenção a cena em que ela, depois de descobrir a morte do marido e completamente transtornada, repete inúmeras vezes o “Don’t Speak! Don’t Speak”, que anos depois, ficou imortalizado por Dianne Wiest em “Tiros na Broadway”, de Woody Allen.
A trama de “A Rosa Tatuada” foi escrita por Tenessee Williams especialmente para Anna (e se não me engano, era uma peça de teatro). Na época, Anna se negou a participar do projeto porque não dominava o inglês. Por sorte (digo, sorte para nós), anos depois, ela aceitou a interpretar a personagem . Em 1956, levou o Oscar de melhor atriz pelo papel (lembrando que foi o seu primeiro longa norte-americano).
O filme conta a história de Serafina Delle Rose, uma mulher apaixonadíssima pelo marido. No mesmo dia em que ela lhe conta que está esperando um bebê, ele sofre um acidente e morre. Ela passa anos de luto, venerando a imagem do falecido e enfrentando sérios problemas com a filha de quinze anos, que acaba de arranjar um namorado. Tudo vai muito mal na vida dela, até que lhe aparece um encantador paspalhão, interpretado pelo grande Burt Lancaster, que tenta conquistá-la.
P.S.: Lancaster está realmente muito engraçado e a Anna, ao mesmo tempo que nos causa riso, consegue nos fazer chorar (fora que ela está muito sensual!). A filha da Serafina é apenas um detalhe, podia ter algum destaque se não fosse tão sem sal…

Belíssima, 1951: Luchino Visconti começou a dar sinais de que estava rompendo com o neorrealismo neste filme, mesmo o produzindo com muitas características do movimento – como o ambiente social, a representação de classe, os diálogos e a própria Anna (como símbolo). Belíssima é uma sátira ao mundo do entretenimento e a fascinação (alienada) do público. Anna interpreta uma mulher que faz de tudo para que sua filha entre para o mundo do cinema e fique famosa. Não importa o quão pobres são, ela faz questão de que todos notem a beleza da menina (que na verdade, nem tão bela é assim). Como ela, milhares de outras mães pensam o mesmo e juntas, gastam tempo, dinheiro e emoção em concursos e testes. Quer saber? Esse filme me lembrou um pouco de Honey Booboo e daqueles programas de pequenas misses… É um filme complexo e cheio de pormenores.
Li, por exemplo, que a atenção exacerbada que o pai dá para a filha tem um tom incestuoso, enquanto isso, a mãe, alucinada pelo cinema, não percebe o que acontece debaixo de seu nariz. Na entrevista que vi de Visconti ele comenta que deu carta branca para que Anna pudesse improvisar. Ele só dizia mais ou menos o que queria e não lhe dava falas prontas nem nada…segundo ele, a cena mais bonita e emocionante que já viu dela é aquela da praça, em que a mãe carrega a menina exausta no colo e implora por ajuda. Segundo ele, o grito de ajuda foi instinto da própria Anna, que lhe saiu de maneira espontânea. Tudo foi improvisado. Para saber mais desse filme, recomendo esse site: 50 anos de filmes

A Fúria da Carne, 1957: Aff, que filme bom véi!!! Foi o segundo longa americano protagonizado pela Anna Magnani, dirigido por George Cukor e baseado em uma história criada por Goffredo Alessandrini. Foi bem recebido pela crítica e além das indicações ao Oscar (incluindo uma de melhor atriz), recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim. Anna interpreta Gioia, uma mulher que viaja da Itália para os EUA com o objetivo de se casar com seu cunhado, Gino (interpretado por Anthony Quinn). O fato é que o casamento foi arranjado para que Gino tivesse uma companhia, já que ele ficou se sentindo solitário desde a morte de Rosana. (Sim, bem estranho…)
Desde o princípio Gioia sofre comparações com a irmã, mas mesmo assim consegue estabelecer uma química com Gino e conquistar Angie, sua sobrinha (filha de Gino com Rosana). Mas Gino é um homem meio insensível, que mesmo amando Gioia, não deixa seus rudes hábitos para trás, isso faz com que Gioia comece a se interessar por Bene, um jovenzinho que tem um affair com Angie. A trama é uma grande teia de confusões amorosas…
No início do filme Gioia parece tímida, não fala praticamente nada em inglês e sente-se tão “sem lugar” na família, que prefere sentar lá fora… com o cachorro. Depois ela vai se soltando (e gente, é impossível não adorar aquele jeitão da Anna Magnani, sempre gritando e fazendo gestos com as mãos). Há muita cumplicidade entre Gioia e Gino, mesmo que pareça que os dois sejam violentos um com o outro. Gosto especialmente da primeira cena de sexo entre os dois, onde há um estranhamento e ao mesmo tempo, um desejo latente. Adoro a cena em que ela fica brava quando Gino vai matar os cavalos e me morro no primeiro beijo dela com o Bene, quando ela fica tão puta que dá um tapa no rosto dele com um cinto e corta seus lábios…

Mamma Roma, 1962: Esse filme é uma pérola idealizada e realizada por Pasolini. É uma obra agraciada pelos críticos e cinéfilos, um filme importante do neorrealismo italiano, cheio de metáforas políticas e sociais. Existem análises realmente boas e profundas sobre esse longa e muitas estão disponíveis na rede, portanto se você não deseja ficar lendo esse meu falatório quase ingênuo, sugiro que as procure (e claro, assista ao filme, pois tenha certeza que fará diferença).
Anna encarna Mamma Roma, uma prostituta que faz de tudo para que seu filho, Ettore, tenha uma boa vida. Ela não mede esforços e deposita nele todos os seus anseios, tanto que larga a “vida noturna”,e começa a trabalhar em um feira para não ferir a moral do filho. Enquanto isso, o garoto quer apenas vagabundear com os amigos. As coisas ficam meio pesadas quando Ettore se apaixona por Bruna, uma jovem linda e mãe solteira, que não agrada Mamma nem um pouco… Além disso, o ex-cafetão de Mamma dá as caras novamente e começa a persegui-la.
Anna encarna o esteriótipo italiano da “grande mãe” e transborda uma feminilidade heroica: “A figura feminina, mais que uma mãe particular, é uma alegoria, símbolo de uma matriz, de uma cultura e de um país que se entregam para que sua prole escape da miséria e suba na vida, assim como os filhos de Cristo esperam um dia alcançar o céu.”, afirma Cássio Starling Carlos na Coleção Folha do Cine Europeu (edição 21). Pasolini relaciona Roma à maternidade e como observa José Geraldo Couto, também na Coleção Folha: Mamma é uma mãe prostituída e um tanto incestuosa”.
Talvez uma observação interessante é que aqui, Pasolini realiza um plano sequência de quase cinco minutos, onde Mamma caminha pela rua e vai contando o seu passado. Outro detalhe: Pasolini mistura atores profissionais e não profissionais no filme, ele busca por naturalidade. Anna é realmente grandiosa, impossível não se envolver nessa história que se inicia quase cômica e vai se transformando em uma tragédia.

Anna Magnani – Interpretando a verdade, 2008: Este documentário, realizado por Sandro Lai, foi um dos meus grandes achados. Encontrei a versão legendada transmitida pela TV Cultura. ( Graças ao maravilhoso fórum Making Off ). É um documentário bem pequenino e valioso, cheio de imagens, cenas e entrevistas de Magnani, algumas difíceis de encontrar por aí… Lai realiza uma retrospectiva da carreira da atriz desde o início nos teatros (vaudeville), ao estrondoso sucesso que a levou a ser considerada uma das maiores atrizes que a Itália já conheceu. Fora as imagens raras, há entrevistas com pessoas que tinham proximidade e trabalharam com Anna, como Luchino Visconti e Tennessee Williams
No documentário é possível descobrir uma série de curiosidades, por exemplo: quando Anna gravou a histórica cena de “Roma, cidade aberta” ela se machucou bastante. Antes de filmar, ela já tinha manifestado o medo de se ferir e pediu orientações, perguntando se poderia se segurar em algum lugar. Por fim, decidiu se jogar e interpretar o personagem com alma… O mesmo aconteceu em Nannarella, em uma cena em que ela precisa pular um muro. Ela se jogou com tanta força e veracidade que cortou os joelhos.
Em uma entrevista, Visconti conta que queria que Anna participasse de seu filme Obsessione, 1943. Anna estava grávida de cinco meses, mas queria tanto o papel que tentou esconder a gravidez. Quando Visconti descobriu, ela continuou mentindo, dizendo ter apenas dois meses de gravidez. Por fim ele resolveu que Magnani não iria participar do filme e na versão de Visconti, ela passou a noite inteira chorando.
Além do pequeno retrato sobre o fim da relação conturbada com Rossellini, o documentário retrata a reação de Anna ao ganhar o Oscar, o seu amor pelo teatro (e a necessidade de constantemente estar nos palcos), e a sua relação com a TV. Quando participou de uma pequena série televisa, Anna passou pelo choque de ser conhecida pela massa. Dos milhões de expectadores, muitos eram os jovenzinhos de quinze anos que a enviavam cartas apaixonadas…

Nós, as mulheres, 1953: A proposta metalinguística desse filme é bem interessante, foi idealizada por Cesare Zavattini. Ele convidou algumas atrizes famosas e pediu que interpretassem a sí mesmas em situações cotidianas, todas elas eram dirigidas por um determinado diretor. No filme também participaram Ingrid Bergman e Roberto Rossellini, onde Bergman aparece cuidando da casa e dos filhos… Anna Magnani aparece bem no final, mas com uma história hilária (gosto especialmente do fato de ser narrada em primeira pessoa). Ela está atrasada para a sua apresentação no teatro e, enquanto está no táxi, leva o seu cachorro no colo. Assim que chega o motorista quer lhe cobrar a mais por causa do cachorro e ela cria uma enorme confusão, porque não aceita pagar a tal da taxa… “Eu até tenho o dinheiro, mas não aceito injustiça!”

Inferno na cidade, 1959: Mais um filme delicioso e imperdível da Anna, em que ela, ao lado da Giulietta Masina, interpreta uma bandida linha dura (e ao mesmo tempo amorosa), que cria uma série de confusões em um presídio feminino comandado por freiras. Na história, Giulietta interpreta Lina, uma mulher que se envolveu amorosamente com um cafajeste que cometeu um crime e deixou que ela levasse a culpa. Enquanto Lina tenta provar sua inocência, ela acaba fazendo grande amizade com as detentas, especialmente com Egle (Magnani), a chefona da cela.
Mesmo com sua graciosidade, Giulietta aparece pouco. Não é pra puxar o saco, mas a Anna (com a sua gritaria, com seus gestos exagerados e com aqueles olhos enormes) chama atenção para sí o tempo inteiro. Ela está realmente engraçada e, mais uma vez, consegue se sustentar em cenas cômicas que rapidamente se tornam dramáticas. O presídio parece mesmo uma grande “escola”, cheia de disputas, personagens caricatos e de festas. Não tem como caracterizar esse filme como realístico porque as detentas mais se divertem do que tudo. É bem engraçado, por exemplo, a cena em que Egle provoca uma confusão na cela para beneficiar uma de suas colegas, e sai pelo corredor dançando e gritando “Rock’n Roll! Rock’n Roll!”



As maracutaias que elas aprontam são também muito legais, a clássica troca de cigarros, a improvisação de um fogãozinho a lenha… me lembrou um pouco Orange is the New Black. Me identifiquei demais com o fato de Egle não trocar a noite pelo dia: fazer um infernal barulho de madrugada e ficar igual um zumbi pela manhã.
É claro que no fundo, há um aproveitamento dramático. Lina entra inocente na cadeia, mas ao longo do tempo e devido a convivência,se corrompe como as outras. Egle é daquelas que tem um discurso de que ama a cadeia e que não quer sair de lá, mas no fundo, desespera-se quando pensa na ausência de sua liberdade. Há uma cena sensacional em que Egle se depara com uma moça “louca” no pátio e as duas começam tem um enfrentamento físico.

Made in Italy – “La Traversata”, 1965: Dirigido por Nanny Loi, o filme é um conjunto de pequenas crônicas dividas em cinco temas: “Usos e Costumes”, “As Mulheres”, “O Trabalho”, “O Estado a Igreja e o Cidadão” e “A Família”. Anna participa do último episódio, de apenas sete minutos, mas cheio de sentidos e metáforas. Ela é uma mãe de família que finalmente saiu de férias e arrumou um tempinho para passear com o esposo, os filhos e a sogra. Eles estão decididos a irem um restaurante, mas para isso, precisam atravessar uma rodovia repleta de carros e pouco sinalizada. Tudo parece dar errado já que NENHUM membro da família consegue atravessar sem a orientação da mãe. Ou um fica para trás, ou quase é atropelado ou são interrompidos por alguém. É uma história surrealística, humorada e ao mesmo tempo, melancólica. Anna está muuuuuuito linda,esse foi o primeiro filme colorido que vi com ela e só com ele me dei conta da cor dos olhos dela.

O Segredo de Santa Vitória, 1969: É incrível a química entre Anna e Anthony Quinn, aqui muito mais do que em “A fúria da carne”, de 57. Esse filme é uma daquelas comédias gostosinhas, das quais a gente se apaixona pelo protagonista em segundos e que termina de assistir com um sorriso no rosto. A trama começa com a população de Santa Vitória em comemoração pela queda de Mussolini, e é justamente nesse momento quando Bombolini, o grande idiota da cidade, toma um porre e atrai uma multidão que acha que ele vai cometer suicídio. Do outro lado da praça principal, observando-o, está Rosa – sua esposa linha dura, dona de um bar.
Com medo de perder o poder, um grupo de fascistas dão um golpe e elegem Bambolini como prefeito da cidade. Claro, tudo falcatrua já que ele é um babaca e não vai fazer nada pela cidade. Certo? Errado, o cara (de fato é um babaca), mas assume o poder e a sua maneira (meio atrapalhada), começa a ajudar a cidade. Rosa, que tem os pés no chão e sabe bem o que está acontecendo, não o apoia em nada e isso provoca a separação dos dois. No desenrolar da trama, um grande problema aparece: surge um grupo de nazistas que quer “dominar” a produção de vinho da cidade.
Me chamou atenção o fato de o cenário ser quase um personagem do filme, todos os grandes acontecimentos se dão na praça, na prefeitura… E o povo sempre aparece apoderando-se do espaço, é a noção de coletividade. Gosto muito da cena em que Angela, a filha de Rosa com o prefeito, pede que a mãe converse com ela sobre sexo. Rosa, desconcertada (e com muita raiva!) pega duas maças e um alho poró! HAHA. Rosa é um personagem forte, com mais discernimento do que o marido, por isso tão odiada pelos alemães. P.S. Os momentos das brigas entre Rosa e o marido são engraçadíssimos!