Nas últimas aulas que tive na pós-graduação, estudamos a relação da tecnologia e a arte. Dentre inúmeros temas, o professor falou bastante sobre a BodyArt…fiquei impressionada com os exemplos, tanto que fiz uma série de anotações sobre o assunto, olha só:
O desafio da bodyart é usar o corpo não só como objeto de representação, mas também como objeto de exploração (ou para fazer intervenções). Dentre várias inspirações deste movimento, está Marcel Duchamp que afirmava que “tudo pode ser utilizado como obra de arte”. Como exemplos interessantes, que unem a arte e a tecnologia, cabe citar: Stelios Acardiou (conhecido como Stelarc) e Orlan, artista francesa.
As obras de Stelarc, artista australiano, são compreendidas como o expoente máximo da bodyart cibernética. Seus primeiros projetos de imersão virtual se iniciaram em 1968 através dos chamados “Compartimentos Sensoriais”: o público era convidado a usar lentes especiais e a entrar em cubículos repletos de imagens, onde eram atacados por luzes, sons e movimentos. Anos depois, o artista decide testar os limites de seu próprio corpo e realiza, em 1979 numa galeria em Tóquio, uma performance onde é suspenso com ganchos de ferro, em público e ao ar livre. Como explica Daniela Labra, esta foi uma das obras mais impactantes do artista:
“Sua intenção sempre foi testar limites do corpo, e numa de suas ações mais impactantes, realizada numa galeria de Tóquio em 1979, Stelarc passou três dias imobilizado entre duas grandes tábuas suspensas, com as pálpebras e a boca costurados com linha cirúrgica. Após a experiência, no entanto, confessou que seu maior problema não foi alguma dor, e sim a dificuldade que teve para bocejar, pois isso não estava previsto acontecer.”
O corpo humano é considerado por Stelarc como algo ineficiente, não durável e obsoleto. Dentre suas obras, destacam-se duas que refletem sobre a ideia de prótese, arte e tecnologia. Em 1980, o artista ligou ao seu braço uma mão mecânica idêntica a humana e que tinha um sistema de feedback tátil para dar a sensação de toque. O objeto era feito de alumínio, aço inox, acrílico, látex, eletrodos, cabos e bateria, com movimentos controlados pelos sinais dos músculos. A alusão da mão, sem dúvida, nos remete a um ciborgue.
O outro experimento se chama “Orelha no Braço”, um projeto iniciado em 1997. Stelarc implantou uma prótese de orelha em seu braço com o objetivo de modificar a arquitetura de seu corpo permanentemente e chegou a afirmar: “A prótese não pode ser vista como sinal de falta, mas como sintoma do excesso” – Ou seja, ao invés de ser utilizada como substituição, a prótese deveria ser utilizada como um amplificador das potencialidades do corpo.
As obras e performances realizadas por Orlan também apresentam um campo fértil de possibilidades para análises e reflexões, trata-se de uma artista que se manifesta não só através de intervenções corporais como também através de textos, instalações e vídeos. A autora do “Manifesto Carnal”, que possui um par de chifres na testa, é conhecida por suas intervenções cirúrgicas feitas para figurações e desfigurações. Além da inquietação sobre o resultado de suas intervenções, o que Orlan propõe é uma análise sobre o processo: ela chama atenção para a metamorfose.
Em “A reencarnação de Santa Orlan” (1993), ela realizou uma série de nove cirurgias plásticas transmitidas ao vivo pela televisão onde colocava implantes no queixo, na testa, nas bochechas e ao redor dos olhos. Mesmo anestesiada, continuava lúcida a ponto de fazer pinturas com o próprio sangue. Neste caso, o seu corpo foi utilizado como um espaço de reflexão contra as imposições estéticas e ao martírio feminino. Mesmo chocando o público pelo radicalismo, a artista provoca a reflexão sobre questões de identidade de gênero, refletidos em seu trabalho a qual categoriza como auto-retratos.
*Para ler o texto da Daniela Labra sobre o Stelarc, clique aqui