Ontem eu fui à faculdade e descobri que a professora tinha cancelado a aula. Pra não perder a viagem fui para o centro de Belo Horizonte e como de costume, passei no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia (que fica ali pertinho da Praça Sete).
Me deparei com uma das exposições mais interessantes que eu já vi nos últimos tempos e que me prendeu por horas: ‘As origens do fotojornalismo no Brasil – um olhar sobre O Cruzeiro, 194/1960′ traz uma retrospectiva de importantes imagens jornalísticas, sugere uma reflexão sobre o papel ético do fotógrafo e nos ajuda a perceber inúmeras mudanças ocasionadas pela era digital.
É claro que a exposição condiz com meus interesses acadêmicos já que sou estudante de jornalismo, mas o que eu vi foi uma reconstrução de uma parcela importante do país (tanto cultural, quanto política) que com certeza agradará públicos diversos.
Antes de qualquer coisa, queria fazer duas observações: A primeira é que o ‘La Amora’ completa um ano hoje! E a outra é que quero pedir que não reparem na qualidade das fotos porque elas foram tiradas pelo celular.
Um dos focos da exposição é ‘O Cruzeiro’, uma revista semanal que foi criada no Rio de Janeiro e que teve sua primeira publicação em 10 de novembro de 1928. Logo quando cheguei, me sentei e fui ver um pequeno documentário sobre a revista, onde Flavio Damn e Luiz Carlos Barreto (fotojornalistas) contavam algumas curiosidades. No início as imagens era basicamente colocas por tesoura e cola, como não existia o acesso a informação como hoje, os jornalistas pegavam imagens de outras revistas (como da Life, por exemplo) e colocavam em suas matérias sem se preocupar com referências autorais. Aos poucos os diretores (entre eles, Assis Chateaubriand) perceberam a importância do repórter fotógrafo e foi só assim que as fotografias deixaram de ser apenas uma imagem solta e passaram a ter uma função narrativa.
Barreto também contou que normalmente as capas traziam atrizes e estrelas de Hollywood, as conhecidas ‘Cover Girls’, até que em 1962 ele se encontrou com Glauber Rocha e pediu para fotografar a sua mulher (Helena Ignez) e sua amiga, uma modelo negra. A foto foi aceita pelo editor e pela primeira vez uma mulher negra foi capa de revista no Brasil.
Damn comenta que não havia limites de ordem financeira e por isso, os fotojornalistas tinham muita liberdade. Uma de suas principais inspirações foi a revista Life, que trazia fotografias de guerra (de fotógrafos conhecidos como Cornell Capa e Brian Smith), portanto eles queriam fazer mais, a aventura e o jornalismo estavam diretamente ligados, foi assim que começaram a fotografar personagens que estavam a margem da sociedade, os negros, os índios, o pobre e os doentes.
O crescimento da revista se deu entre 1940 e 1950 através de um reflexo da formação de uma cultura de massa e da ascensão da publicidade. Em um dos vídeos expostos, comenta-se o medo que os editores tinham da TV, eles temiam (como de fato aconteceu) perder espaço. ‘O Cruzeiro’, no entanto, assumiu duas missões importantes: a primeira foi a de explicar ao público como a TV funcionava e a segunda a de promover especificamente o novo empreendimento do Diário dos Associados, que foi a primeira estação de TV da América do Sul.
Uma das partes que eu mais gostei, sem dúvidas, foi quando exploraram a cobertura da revista sobre a vida da cantora Carmen Miranda, já no auge da carreira. Algumas das matérias ficaram disponíveis e deu para ver o tom e o espaço que deram a polêmica de que ela estava americanizada. Duas delas, uma de 09/10/1948 e a outra de 13/11/1948, registram a gravidez e o aborto que Carmen sofreu. Outra parte que me chamou a atenção foi o registro que a revista deu a morte do então presidente, Getúlio Vargas. A narrativa é quase literária, onde eles descrevem com riqueza, a tristeza da família, a descoberta do corpo e o velório. Vargas, aliás, tinha uma relação de amor e ódio com ‘O Cruzeiro’, foi ele que investiu para a criação de uma revista de circulação nacional e quando se desentendia com Assis Chateaubriand precisava engolir as matérias que não lhe era favorável.
Bom, eu me excedi né?… escrevi muito, mas pode ter certeza que há mais a descobrir na exposição. Além das revistas digitalizadas, podemos ver o trabalho experimental dos fotógrafos, os ‘fait divers’, os casos policiais (como ‘O crime de Sacopã) que eram publicados em formato de novela, as sessões de moda, as coberturas de guerra e muito mais. A exposição vai até o dia 17 de novembro.
As Origens do Fotojornalismo – Um Olhar Sobre O Cruzeiro, 1940-1960.11 de Setembro a 17 de NovembroTerça a Sábado, 9h30h às 21h / domingo, 16h às 21hCentro de Arte Contemporânea e FotogradiaAv. Afonso Pena, 737 – Centro (Praça Sete), Belo Horizonte.Entrada Gratuita, telefone: 32367400
Carmen é um dos símbolos mais interessantes de beleza e feminilidade que tenho em mente. Essa percepção veio a aumentar depois que terminei de ler uma de suas biografias, escrita por Ruy Castro. Pensei por algum tempo em que tipo de publicação faria hoje. Em principio queria citar (em referência ao dia das mulheres) algumas feministas que me inspiraram a conhecer e participar do movimento. Logo depois, pensei em filmes temáticos e músicas que seguem essa perspectiva e por fim, me lembrei da Carmen.
No dia que resolvi escrever sobre ela, conheci a jornalista Júnia, que por coincidência estava com o mesmo livro nas mãos. Foi um encontro completamente casual e inesperado e que me valeu muito. Eu passeava pelo edifício Maletta, estava com sede, entrei numa lanchonete e lá a encontrei. Eu disse para a Júnia que estava com a “Carmen na cabeça” e que não conseguia parar de pensar no triste fim que ela teve. Sabiamente, Júnia me disse que a vida é feita de escolhas e que Carmen foi uma mulher feliz com as escolhas que fez.
Como Helena Solberg diria em seu documentário “Banana is my business”, Carmen Miranda tinha a inocente ideia de que conseguiria representar o Brasil no exterior. Se comprometeu tanto que essa foi sua bandeira por muitos anos. Carmen exigia cantar em português em seus filmes e sempre estava na defensiva quando o assunto era o país. Se Carmen conseguiu representar o Brasil? Claro que sim, mas em partes. Ninguém jamais representaria um país em sua totalidade tendo em vista a complexidade e vastidão cultural, ideologia, política ou qualquer outro aspecto que engloba uma nação. Ainda assim, sua imagem está extremamente ligada ao Brasil, ela se tornou um símbolo.
Também por coincidência, o professor Mozahir citou o livro do Ruy Castro como uma bibliografia que ajudaria a entender o papel do rádio no país. Infelizmente, poucas pessoas (ou praticamente nenhuma) mostrou interesse por Carmen. Depois da aula tive que escutar: “quem é Carmen?” ou, “ela ainda está viva?“ Sim, Carmen continuará viva, enquanto for lembrada. Na verdade é um pouco decepcionante pensar que estudantes de jornalismo, já no fim do curso, não fazem ideia de quem foi Carmen. Não é uma informação que está colada na grade curricular, mas que eu tenho certeza: faria um bem danado! O Mozahir dizia: “foi incrível o que essa mulher fez”, ela chegou a ser uma das atrizes mais bem pagas de Hollywood na década de 1940, enfrentava maratonas diárias de shows e tinha uma repertorio invejável.
Sempre bem humorada e com consciência plena de sua beleza, Carmen ficou famosa ainda muito jovem. Comandava sua carreira com determinação e sabedoria. Pouco tempo depois de fazer sucesso cantando, comprou uma casa nova para os pais e aprendeu a dirigir. Tinha também muita habilidade com costura, por isso: customizava facilmente suas roupas. Aqueles sapatados gigantescos (e pesados) que usava nos shows foram inventados por ela e exigiam um equilíbrio fora do comum. Além disso, Carmen ditava moda. Chegavam a dizer que ela era careca porque nunca mostrava os cabelos. Os turbantes, na verdade, só se fixavam na cabeça justamente por causa dos cabelos. No fundo, ela achava toda aquela conversa de “ser careca” muito engraçada. Há também um fato interessante: antes de Hollywood, viajou muito pela América Latina. Chegaram a perguntar a Carmen se era verdade que o Brasil era uma “matagal” onde se encontrava macacos e cobras. Carmen brincava e dizia: “Sim, há muitas cobras”
Apesar de todo esforço em representar o país, Carmen não foi bem acolhida pelos críticos brasileiros. Morando nos Estados Unidos, recebia em sua casa jornais ou informações de amigos da hostilidade dos críticos. Diziam que ela gesticulava demais, que tinha uma voz péssima, que estava gorda ou que tinha esquecido a língua portuguesa. Com tanta hostilidade, Carmen ficou temerosa de voltar ao Brasil. Quando veio pra cá, já em 1955, estava completamente confusa e fraca, resultado direto dos calmantes, dos estimulantes e da bebida.
Helena Solberg e Ruy Castro afirmaram inúmeras vezes sobre o quanto Carmen Miranda foi injustiçada. A obra deles, acima de tudo (e acima da própria Carmen) possui uma semelhança maravilhosa: todas as duas (tanto o livro, quanto o documentário) são de uma doçura incontestável, que fazem com que a gente se incline a gostar dela também. Um dos sonhos de Carmen era voltar ao Brasil e pular carnaval do meio da multidão. Dizia que queria se misturar no meio do povo, dançar até não poder mais e depois voltar para casa. Como Ruy Castro acrescentaria: esse era um devaneio, Carmen jamais conseguiria pular carnaval sem ser identificada.
Dois dos inumeros pares de sapato que Carmen Miranda colecionava em sua casa em Hollywood.
De origem católica, sacrificou as próprias vontades em nome de um casamento em que a figura masculina dominava. Castro dizia no livro que em momentos de confusão (mental), Carmen chegou a afirmar que apanhava do marido (não se sabe se isso realmente aconteceu). David Sebastian conheceu Carmen nas filmagens do filme Copacabana. Ela aceitou as investidas e casou-se com o americano. *Antes, porém, Carmen teve inúmeras desilusões amorosas: hora por homens que não aceitavam sua fama e seu dinheiro, hora por homens que simplesmente não a levavam a sério. Ironicamente, o grande desejo de Carmen era se casar e ter filhos.
Como não acreditava em divórcio, perdeu parte da felicidade por um casamento desastroso. Ela, que vivia cercada de brasileiros em sua casa, teve que deixar de recebê -los. David também passou a empresariá-la, assegurando-se de sempre vê-la na ativa, não importasse o quanto estivesse exausta. Usou parte do dinheiro (que não era pouco) em investimentos sem futuro e em presentes caríssimos. Além disso, estimulou o uso das bebidas alcoólicas que no final da vida, tornaram-se um hábito, ou melhor: uma necessidade de Carmen.
Mas como Ruy Castro evidencia, David não foi o culpado pelo fim trágico de Carmen. Ele só veio a piorar as coisas.Com os limites da medicina na época, acreditava-se que tanto os calmantes quanto os estimulantes eram benéficos. Como uma bola de neve, Carmen foi aumentando as pílulas, até chegar nas medicações injetáveis. Para tentar diminuir o vício, os médicos cortavam as doses dos remédios, o que na verdade, deveria ser feito gradativamente. Assim, Carmen passava dias sem dormir, tinha alucinações, até o que o organismo cedia. Mas o ciclo vicioso dos remédios sempre voltava: e Carmen caiu em uma profunda depressão.
Um dos tratamentos indicados e que Ruy Castro descreve era o choque elétrico. Ao que parece, Carmen recebeu cinco sessões de choques elétricos que comprometeram sua memória. Subia ao palco e submetia-se a apresentações em que muitas vezes esquecia as letras das musicas. Também já não tinha a mesma coordenação motora e constantemente perdia o ar ou ficava zonza.
“Em 1953, a aplicação dos eletrochoques ainda era feita em moldes primitivos. O paciente não era anestesiado. Não lhe davam um relaxante muscular e ele não recebia oxigenação artificial, como se passaria a fazer muito depois. Nem se sonhava com monitores cardíacos, cerebrais e de pressão arterial. E, pior ainda, não se fazia uma desintoxicação prévia, com a eliminação gradual dos medicamentos, que afinal, tinham levado àquela condição. Na época, a máquina de eletrochoque, fabricada pelos Laboratórios Lester, de Nova York, fornecia uma carga de 110 volts, muito mais do que, no futuro, se consideraria “aconselhável”. Eram precisos três enfermeiros para manobrá-la: um, para girar o botão e aplicar o choque, os outros dois, para conter o paciente e impedi-lo de se machucar e de, literalmente, levantar vôo.”
Os médicos alegaram que Carmen estava com problema nos nervos. A depressão estava tão profunda que ela não se levantava da cama, não comia nem falava. Veio ao Brasil pouco tempo antes de morrer. Tanto os médicos quanto os amigos próximos, acreditavam que essa era uma maneira de ajudá-la a melhorar. Carmen ficou hospedada no Copacabana Palace por mais de cem dias. Continuava tomando os remédios que um dia a matariam justamente para se manter nos palcos. Chegou a se apresentar no Brasil, foi recebida por milhares de pessoas que cantavam “Taí” em sua homenagem. Visivelmente fragilizada, confundia os companheiros da juventude que a visitavam no hotel e chorava sem parar. Castro dizia que ela cogitou a hipótese de não ir para Hollywood, mas o marido era insistente e praticamente a obrigara a voltar a ativa.
Carmen, fragilizada depois dos tratamentos.
Em uma apresentação no programa de Jimmy Durante, Carmen cai de joelhos e diz que está sem fôlego (há, inclusive, diversos vídeos no Youtube, reproduzindo o show). Ruy Castro conta que nesse momento, ela revira os olhos e dá pra perceber que a morte já estava por perto. Naquela mesma noite, em 5 de Agosto de 1955, Carmen cantou seus sucessos para um grupo de amigos. Subiu ao quarto, fumou um cigarro, tirou a maquiagem e foi para o quarto. Faleceu após um colapso cardíaco. Foi encontrada deitada no chão segurando um espelho de rosto.
Seu corpo chegou ao Brasil em 12 de Agosto, cerca de quinhentas mil pessoas acompanharam o velório cantando “Taí” em despedida. As vendas dos seus discos aumentaram consideravelmente, semanas depois, já não tinham mais estoque. Carmen foi enterrada no Cemitério São João Batista.
*Carmen, no programa de Jimmy Durante: em uma apresentação que aconteceu hora antes de seu falecimento. Carmen, aos 24:07min cai e diz que está sem ar: