Tristezas não pagam dívidas é um livro incrível, produto da dissertação de Mônica Rugai Bastos, apresentada em 2001 no Programa de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. A autora realiza uma análise socio-política sobre a produção cinematográfica brasileira no período dos anos 30 aos anos 50 e expõe a importância das duas principais produtoras nacionais: a Atlântida e a Vera Cruz. Como define Renato Ortiz na introdução, a Atlântida e a Vera Cruz “simbolizaram a tentativa de trabalhar uma dramaturgia nacional quando o cinema estrangeiro, leia-se norte americano, era o sinal explicito de nossa alienação cultural”. Além de analisar a chanchada de maneira detalhada, Bastos relembra nomes importantes como Oscarito, Grande Otelo e Cyll Ferney, contextualizando-os em um cenário marcante, onde o Brasil saía de um perfil tipicamente agrário (anos 30), para uma época ilusória de glamour (anos 50).
Encontrei esse livro na Leitura, comprei exatamente no dia do meu aniversário, mas só agora tive tempo de relê-lo. Estou marcando as partes que me chamaram atenção. O texto a seguir é um pequeno resumo do que eu li, algumas reproduções de citações importantes ou das partes que me chamaram mais atenção. Mas aqui está um olhar apenas sobre o inicinho do livro, onde ela fala sobre o cinema nacional e sobre Hollywood. Espero (ou melhor, prometo!) retomar esse texto mais a frente.(Digamos que essa é a primeira parte e assim que tiver a segunda, coloco um link aqui!)
O Brasil e a chanchada
“a narrativa fílmica reproduz um otimismo saudável e ingênuo”.
A chanchada marcou o cinema brasileiro, surgiu em um período em que um dos grandes temas culturais era o carnaval. Nos filmes, muito samba, marchinhas, plumas, pandeiros, sátiras. Mocinhas e vilões desfilavam em um Rio de Janeiro glamouroso, frenético. Como diria a autora; “ir ao cinema era moderno e viver na cidade também”.
Infelizmente, essa ideia de modernidade era ilusão, uma concepção forjada nos primeiros anos no governo de Getúlio Vargas. De fato, o país dava passos para mudanças estruturais econômicas, mas elas aconteceram gradativamente (com a implementação de siderúrgicas, criação das leis trabalhistas e indústrias de bens de consumo duráveis). É de conhecimento que Vargas tinha uma preocupação em educar o povo para a cidadania, criou um sentimento nacionalista e investiu em órgãos especializados na educação.
Essas estratégias refletiram diretamente no cinema e Bastos explica da seguinte forma: “Vargas se utilizou do cinema nacional para divulgação de novas ideias, e, ao fazê-lo, engendrava uma fórmula dúplice: de um lado, apoiava-se na tese de que o cinema brasileiro, por ser nacional, era melhor do que o estrangeiro. de outro, ao veicular ideias e valores nacionais, provocava uma identidade imediata do público com os princípios defendidos. Com tal estratégia, conseguia que o público comparecesse em massa e estivesse mais aberto à absorção daqueles princípios”
E claro, para divulgar seus slogans, facilitou a penetração dessas mídias (entre elas o cinema e o rádio) no cotidiano da pessoas. Nos anos 30, o rádio tinha um espaço muito maior do que o cinema – não só porque chegava em regiões mais restritas, mas por que era mais conhecido. Aos poucos o cinema foi tomando sua forma, conquistando o seu lugar e tinha uma vantagem: “O cinema ganhava do rádio, por que além da ideia e do som, tinha também a imagem”. Mas conquistava seu espaço com dificuldade: os filmes chegavam com atraso, as estrelas nacionais não conseguiam disputar o mesmo espaço com as de Hollywood e os gastos publicitários eram astronômicos. O cinema nacional (como indústria) só conseguiu se consolidar na década de 1950, com a chegada da Vera Cruz.
As estrelas de cinema preenchem o vazio da falta de heróis do mundo moderno
As primeiras produtoras cinematográficas brasileiras surgiram na década de 30, época em que o público já tinha absorvido a ideia do “star system”, uma série de estratégias publicitárias (se é que se pode chamar assim) que já tinham se consolidado em Hollywood. Para uma melhor definição, é interessante dizer que o star system era uma fábrica de estrelas, de artistas, que propositalmente criava uma expectativa, uma admiração do público em relação aos atores e de certa forma, eram paradoxais: ao mesmo tempo que aproximavam os famosos do público (por meio das revistas e dos próprios filmes), criavam um distanciamento.
Foi, principalmente por causas dessas estrelas que Hollywood se tornou uma indústria cultural. Na década de 20 o cinema movimentava um público restrito, depois disso rendeu-se ao mercado e tornou-se um produto mundialmente conhecido. É difícil precisar exatamente o momento em que isso aconteceu, mas o que se sabe é que a chegada dos profissionais de marketing nesse cenário trouxe ao cinema uma “aura” diferente, trouxe não só o glamour como também o consumo. Vendia-se não só os filmes, mas também os atores e ganhava-se muito dinheiro com isso.

Bastos explica o seguinte: “Como todo objeto, a estrela (o ator) apresenta duas facetas, precisa ser suficientemente concreta para vender sua imagem pelos filmes; mas necessita ser diáfana para se diferenciar do restante dos mortais. Os estúdios de cinema atingem esse objetivo por meio da mitificação dos atores e das atrizes. É uma forma invertida da apresentada pelo teatro grego, onde o ator pode representar um mito. No cinema, o ator torna-se o mito no momento em que representa os anseios da humanidade. Há uma projeção das aspirações do público sobre o interprete que acarretam a perda de sua individualidade. É disso que vive o cinema”.
Uma das reflexões mais interessantes da autora (na verdade, ela se baseia em Edgar Morin) é a de que no cinema (em sua essência), o ator é apenas uma peça secundária, afinal o cinema é seu próprio personagem. A linguagem cinematográfica permite a ausência do autor, diferentemente do teatro em que o ator é fundamental, o filme coloca essa importância em segundo plano… o exemplo mais claro disso são os documentários ou alguns filmes do realismo alemão, mas o star system provocou uma simbiose entre os dois (entre o ator e o filme).
REFERENCIA: Bastos, Mônica Rugai. Tristezas não pagam dívidas. Cinema e Política nos anos da Atlântida/ São Paulo: Olhos D’agua, 2001