Você descobre o que é boa literatura, quando lê um livro parecido com México, do Érico Veríssimo. Desde o surgimento do La Amora, demonstro uma admiração e carinho por esse país, mesmo sem nunca tê-lo visitado (e ainda um pouco longe de fazê-lo). Com a narrativa de Veríssimo e com sua delicadeza e atenção aos pequenos detalhes, fiz uma viagem sem ter, de fato, saído de casa.
Foram dois deliciosos meses de leitura, agregados com a vontade de não terminá-lo. Com um texto claro, dinâmico (dividido em diversos subtítulos) e sensível, Veríssimo construiu um retrato do México dos anos 50 difícil de não se apaixonar (o livro foi escrito em 56/57). O retrato, no entanto, contém um misto de realidade e fantasia que acentuam a percepção de que “Sim, o México é um país mágico”.
A cada descrição (das ruas, do povo, das igrejas, dos museus, da cultura, da religião, dos mitos, da língua…) me senti como se estivesse andando de mãos dadas a Veríssimo, observando junto com ele, todos aqueles monumentos. A viagem se inicia por Juarez e logo é marcada por um acidente. Veríssimo e a esposa decidiram viajar para o México de trem (na época, os dois viviam nos EUA), mas o trem descarrila, ferindo diversos passageiros e deixando os viajantes parados no meio do deserto. Depois de muito esperar, conseguem continuar a viagem e passam por Chihuahua, que segundo Veríssimo, com sua seca e miséria, lembra o nordeste brasileiro.
“E aqui nos vamos por entre as relíquias, já com essa pressa cretina do turista profissional que não visita os lugares porque deseja realmente vê-los, mas sim porque quer ter o direito de mais tarde dizer aos outros e a si mesmo que os viu”.
Mas Veríssimo não é esse turista profissional, de maneira alguma. Tanto não é que escolhe viajar e conhecer os estados mais distantes da capital, as cidades do interior (Puebla, Cholula, Oxaca, Taxco) porque acredita que é ali que está a verdadeira essência de um povo. E ele não tem pressa, demora, observa os detalhes e os estuda, sem a ânsia de acabar.
Em um grande e encantador capítulo, Veríssimo conta a história do México, defendendo a ideia de que foi nessa época (sangrenta e obscura) em que nasceram duas grandes características propícias do mexicano: o drama e a desconfiança. Em sua concepção, a Conquista foi tão violenta que é possível construir uma metáfora, a atitude dos espanhóis para os mexicanos, através da principal figura: Hernán Cortes é parecida com a de uma pessoa estuprada diante do estuprador, “aquele abusa de maneira violenta e traumatiza da terra virgem”.
“Pobre México! Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!”
Através de sete colóquios, em que reconstrói conversas que teve com José Vasconcelos, Veríssimo dá uma pincelada sobre a história mexicana, perpassando pelos momentos mais importantes, como por exemplo, a revolução de 1910. Mas o texto não é só descritivo, é também analítico, crítico. Veríssimo delimita e mapeia o perfil de grandes personalidades (políticos, artistas) e se posiciona sobre cada um. Madero, Zapata, Pancho Villa, Victoriano Huerta, Carranza e artistas como Orozco, Diego Rivera, David Alfaro Siquieros – Todos tem seu lugar na obra.
Mas é o povo que encanta Veríssimo, é o índio, o mestiço, as mulheres, os meninos, as cores, as igrejas, a fé. O autor analisa e descreve aspectos que para ele são os de identificação do mexicano, seja o patriotismo, a relação com a morte, língua, as gírias, a Virgem de Guadalupe. Ele sente e percebe o mexicano pulsante, aquele que está longe do idealismo.
Na segunda parte, reproduzirei algumas citações interessantes. E aqui, no vídeo abaixo, coloco uma das músicas que Veríssimo escutou logo que chegou no México, uma música que, por sinal o deixou inquieto. Conta a história de um homem (o preso número 9) que descobriu a traição da mulher com o melhor amigo e acabou os matando. O preso número 9 está prestes a ser executado. Ele, no entanto, não demonstra raiva ou medo, pelo contrário: está satisfeito. Porque conseguirá perseguir os amantes por toda a eternidade.