O Destino de uma vida (Losing Isaiah, 1995) é um daqueles dramalhões que te prendem do início ao fim. O longa conta a história de Khaila (Halle Berry), uma viciada em drogas que abandona o filho em um lixão. Por sorte, o garoto é salvo e vai parar no hospital. Lá, a assistente social Margaret (Jessica Lange) emocionalmente abalada pelo caso, decide adotá-lo. Passam-se dois anos, Khaila se reabilita e descobre que o filho, o pequeno Isaiah está vivo e então, decide recorrer à justiça por sua guarda.
É uma pena que um filme desses não seja tão fácil de encontrar para download na internet. Por sorte, volta e meia, ele é transmitido na TV a cabo pelo Telecine. O time de atores chama atenção (Samuel L. Jackson, David Strathairn, Cuba Gooding Jr.), mas o destaque da trama vai para Marc John Jefferies (o Isaiah) que garante grande parte da doçura do filme. O jovem ator nos envolve desde a primeira cena em que aparece nos ombros do pai adotivo conversando sobre futebol. A intimidade que o pequeno conquistou com os outros atores praticamente transborda pela tela e é impossível não ser cativado.

Particularmente, gosto muito do trabalho técnico realizado na abertura. A câmera em plongeé mostra toda a cidade de cima e o barulho de sirenes nos dá o indício de que algo está acontecendo. De repente, vemos uma Halle Berry irreconhecível, com o rosto ferido e cabelo desgrenhado, tentando alimentar seu pequeno bebê. A câmera subjetiva aumenta nossa inserção em seu desespero, em sua incontrolável vontade por mais uma dose. Em sua loucura provocada pelo vício, Khalia deixa o pequeno Isaiah no lixo em busca de crack. Na sequencia, o espectador fica com o coração na mão: na tela, vemos a imagem do pequeno bebê, quase sendo amassado pelo caminhão de lixo.
Margaret acompanha de perto o pesadelo vivido por Isaiah. No início tenta se distanciar, mas aos poucos cria uma relação protecionista. Depois de uma longa conversa com o marido e com a filha, decide que irá levar o bebê para casa. Um dia, sua colega de trabalho a adverte: pergunta a Margaret o que ela faria se uma assistente social se envolvesse em um dos seus casos e resolvesse adotar a criança. Sem pestanejar, Margaret responderia que a faria desistir.
Khalia, por outro lado acaba presa por roubar comida em uma loja. Todo o processo de reabilitação inicia-se naquele ambiente hostil que é a prisão. Junto a outras mulheres se vê obrigada a comparecer em sessões de terapia onde revela suas dores mais profundas. Depois de dois anos e já de volta as ruas, Kahlia começa a trabalhar como babá e visita constantemente uma assistente social. Em uma cena belíssima, a assistente pergunta a Kahlia se ela está lendo o livro que lhe foi indicado. Ela faz com que Kahlia leia em voz alta, mas aquela passagem a deixa muito emocionada, Khalia chora com muita dor e finalmente revela que perdeu um filho.
O processo de adaptação de Isaiah à família de Margaret não é tão fácil. Em consequência as drogas que a mãe utilizava, Isaiah também ficou viciado. Conforme é informado no longa, o garoto possui grande irritabilidade e déficit de atenção. Ele exige de Margaret dedicação ‘full time o que prejudica sua relação com Hannah, a filha mais velha. Em uma apresentação escolar de Hannah, Isaiah tem um crise e Margaret precisa de ausentar. Hannah fica chateada e reclama por não conseguir se aproximar da mãe.
Nesse meio tempo, a assistente social informa a Khalia que seu filho está vivo e que se ela realmente está interessada em tê-lo de volta, algumas mudanças terão que acontecer. Khalia arruma um novo emprego, aluga uma casa, melhora a aparência e se diz pronta para uma batalha. Quando Margaret e o marido são informados de que a mãe biologia de Isaiah quer sua guarda, há uma comoção muito grande. Margaret insiste que como assistente social, seguiu todos os procedimentos corretos a procurou por algum tempo, mas não teve resposta.
Uma mãe negra, uma mãe branca:
A luta entre as duas mães rapidamente tornou-se uma briga racial. O maquiavélico advogado de Khalia (brilhantemente interpretado por Samuel L. Jackson), pergunta a Margareth se Isaiah possui algum brinquedo da sua cor: É claro que sim, ela responde, e também possui bonecos azuis, verdes e alaranjados. Ele então retruca: E com qual dele a criança irá se identificar, como o Muppet amarelo? Em outro momento, ele pergunta ao marido de Margareth com que frequência eles recebem negros para jantar ou se por acaso, possuem amigos negros. Ele responde: O pediatra de Isaiah é negro. O advogado então pergunta: E você o convida para a sua casa? Ainda em outro momento, o advogado pergunta quais livros Margaret lê para Isaiah e se em algum deles, o herói é negro.E ela responde que nunca leu um livro para ele onde o heroi fosse de fato, negro.
Para Khalia, Isaiah precisa conviver com outros negros para aprender a se defender. Ela insiste em colocá-lo em uma escola junto a outras crianças negras e exige que ele vá viver com ela. Segundo sua percepção, viver com uma mulher branca não faria Isaiah perceber a sua ‘condição racial. Nem conhecer historicamente sua raça. No banheiro do tribunal, as duas mães acabam se esbarrando e o diálogo entre as duas ilustra perfeitamente o tom dessa discussão tão complexa. Khalia diz que Isaiah não é como um cachorrinho de estimação que pode ser adestrado. Margaret retruca: eu não sei o que há de errado com o seu povo. “Com o meu povo?” Khalia pergunta.
Brincando no banheiro, Hannah e Isaiah dão as mãos. Um sobreposta a outra evidenciando a diferença entre as cores, Hannah pergunta: ‘O que há de diferente entre as nossas mãos? E Isaiah responde: a sua é maior do que a minha.
O rei Salomão e as duas mães
Há uma história religiosa sobre o caso do Rei Salomão e duas mulheres. O rei pediu sabedoria e humildade a Deus para poder discernir entre o bem e o mal. Deus então lhe garantiu que o faria, sem lhe dizer quando ou como. Um dia, duas mulheres se aproximaram dele e colocaram-se a discutir. As duas moravam na mesma casa e tiveram um filho praticamente no mesmo dia. No entanto, uma delas acabou adormecendo e deitou-se sobre a criança que faleceu. A outra criança continuava viva, mas não se sabia quem era a mãe. Uma afirmava que durante a madrugada, a outra trocou os bebês. A outra, por outro lado, disse que sua criança era a que estava viva e que toda aquela história era mentira. O rei Salomão então disse: Tragam-me uma espada e dividam a criança ao meio. A primeira mulher disse: – Ah, senhor meu! Dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. A outra, porém dizia: Nem meu, nem teu. Seja dividido!
Então respondeu o rei: Dai à primeira o menino vivo. De modo nenhum o mateis; esta é sua mãe.
“O destino de uma vida coloca” em jogo questões sociais complexas, mas evidencia o papel de um sentimento fundamental para uma relação familiar. Margaret questiona: Estamos falando de negros e brancos, mas e sobre o amor?
De fato, o tribunal se prendeu a uma discussão importante mas não fundamental: onde Isaiah encontraria o verdadeiro amor? Qual das duas iria lhe amar de verdade? O fato de Khaila tê-lo abandonado e depois se arrependido, significaria que ela não o amasse? Levamos para casa e para a vida esses questionamentos.