Nota sobre Adelaide, a feminista de Éramos Seis

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Há muito tempo não assisto novelas, para ser sincera eu não me lembro da última vez que liguei a minha televisão. Às vezes revejo um capítulo aleatório de qualquer uma delas, pela internet mesmo, só pra relembrar aquelas cenas mais marcantes.  Desse universo, de tudo o que já assisti, uma novela me marcou em especial: “Éramos seis” (inclusive já comentei sobre isso por aqui, em uma postagem sobre o livro). E é verdade o que eu contei, que eu saía da escola e não dava preocupação pra mais ninguém, porque eu chegava em casa, ligava a TV e ficava horas assistindo (nada muito saudável, por sinal).

Adelaide era uma das minhas personagens favoritas (eu amava a Dona Lola e a Carmencita também), mas eu vibrava quando Adelaide aparecia na tela. Achava lindo o cabelo e o jeitão corajoso que dela, que diferente das outras garotas, não tinha medo das convenções sociais. Ela usava calças, dirigia o próprio carro, sentava-se à mesa do bar com os homens, jogava sinuca, era acadêmica e fumava lindamente (como as atrizes do cinema clássico que fui descobrir anos depois).

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Estou revendo a novela pelo Youtube, bem aos poucos para falar a verdade (é complicado por causa da falta de tempo). Tô na metade da novela e a aparição de Adelaide me chamou atenção… Ela só aparece na segunda fase e tem um conflito enorme com a mãe porque não concorda com a educação diferenciada que recebeu. Enquanto a irmã problemática foi cercada de atenção e carinho, ela foi enviada à Europa para estudar e sofria por causa da distância e da solidão. Por outro lado, foi nesse momento em que ela teve o primeiro contato com o feminismo.

O que me chamou atenção é que diferente de tantas outras personagens feministas, retratadas em novelas de maneira caricata, Adelaide  tem uma representatividade positiva. Ela até brinca com isso quando questiona um personagem que se surpreende com sua beleza: “Pois é, nem toda feminista tem bigode!”. E ela não tem um discurso de ataque aos homens, em nenhum momento ela parece ter raiva do gênero masculino. Ela fala, a todo o tempo, sobre igualdade. Aliás, num dos seus primeiros momentos na novela ela questiona o fato de as mulheres não poderem votar no Brasil e cita a importância da Berth Lutz nesse processo.

Enfim… é  uma delícia poder rever essa novela; a Adelaide é uma personagem inspiradora, que retrata um momento importante da emancipação feminina e que ao mesmo tempo, traz questionamentos super atuais.

Éramos Seis


“Enquanto ia andando, descendo a Avenida Angélica, comecei a lembrar que os meus também foram embora, a vida levou-os e se espalharam pelo mundo, menos Carlos que já não existe. Esse eu visito sempre, está deitado no cemitério S. Paulo, dormindo sossegado entre quatro roseiras que florescem todos os anos, em Setembro. São rosas brancas, bem grandes, das que ele mais gostava. Carlos eu sei que está bem, os outros não sei onde andam. Estão aí, pelo mundo.”


RAMOS_SEIS_1260649451PEntão, finalmente e depois de tanto tempo, terminei de ler “Éramos Seis” – estou encantada! Maria José Dupré (ou Sra. Leandro Dupré, como assinava seus livros) nos presenteou com uma história belíssima, daquelas que merecem ser lembradas por toda a posteridade. A trama é bem famosa, até porque já foi adaptada para a televisão (se não me engano, duas vezes). Quem não sofreu junto com a Irene Ravache, que encarnava a Dona Lola? Pois é…

Eu pensei em escrever inúmeras coisas sobre o livro, mas em princípio, gostaria de chamar atenção para o título, que é de uma poesia tão linda e de uma tristeza… Em suma, resume perfeitamente a dor de uma mulher, mãe e esposa, que acompanha e sofre com o distanciamento de cada um dos membros da sua família. “Éramos Seis” é um livro triste e nostálgico, e também uma aula de história, um convite a conhecer (ou lembrar) o Brasil da década de 1930, repleto de turbulências políticas e conservadorismo.

O livro guarda o gostinho gostoso da “época da vovó”, das brincadeiras no terreiro, dos bondinhos, dos laços de fita, das panelas de tacho, dos doces de laranja e mamão, da era do rádio, dos chapéus…da inocência perdida.

1e78eb458f4d73ebb511bcf0183ff4ccDona Lola, casada com seu Júlio, faz de tudo para manter o equilíbrio familiar e educar seus filhos: Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel. Os quatro possuem personalidades muito diferentes e são a tônica da narrativa, já que o leitor acompanha suas histórias de infância até a vida adulta. Em determinado momento, a  família é abalada com a morte de Júlio e é Dona Lola a principal responsável por enfrentar as dificuldades financeiras.

Me recordo muito da novela, e há diversas diferenças entre a adaptação e o livro. No livro, a família é muito mais pobre do que aparenta na novela. Eles quase passam fome e a D. Lola (que aliás, se chama Eleonora), conta que escolheu ficar sem os dentes para poder comprar o presente de casamento do filho.

Júlio, o pai, é uma figura muito conservadora e por vezes violenta… Alfredo é um cafajeste da pior raça, daqueles que tira dinheiro da mãe, da tia e dos irmãos, sem se preocupar com a dificuldade financeira da casa. Isabel, se envolveu com um home casado e foi duramente criticada pela família, a ponto de ser impedida de voltar para casa – tinha apenas vinte anos. E a morte de Carlos (sem dúvidas, um dos momentos mais tristes do livro), acontece por causa de uma úlcera. Ele morre da mesma doença que matou seu pai.


Separei algumas citações:

“Fiquei pensando em como é misteriosa a natureza humana; quando pensamos que conhecemos a alma dos nossos filhos, suas vontades, seus gostos, suas reações, suas debilidades, vemos que estamos longe da verdade, não conhecemos nada, estamos diante do inexplicável. Mesmo sondando com tato e cautela, deparamos sempre o desconhecido e ficamos surpreendidos diante do inesperado”

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“Nunca disse aos  meus filhos para serem honestos. Sabe por quê? Porque sempre pensei que a gente já nascesse honesta e isso não se ensinasse. Imagine dizer a eles todos os dias: Não roube, não mate. Você acha que isso ensina? É o mesmo que dizer: a boca é para falar, os olhos são para olhos. Isso ensina, Clotilde?”

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“Mi hijo ha muerto ayer. Durante tres dias y tres noches he estado luchando con la muerte, queriendo salvar esta pequena y tierna vida y durante cuarenta horas he permanecido sentada junto a sua cama, mientras la gripe agitaba su pobre cuerpo, ardiente de fiebre dia e noche.  A la tercera noche he caído desplomada. Mis ojos no podían ya más y se me cerraban sin que yo me di cuenta. He dormido durante tres o cuatro horas en la dura butaca y mientras he estado dormida se lo ha llevado la muerte” – Zweig