Na ultima quarta-feira passada o último episódio de American Horror Story Coven foi ao ar. Assisti ao vivo, por stream, ao lado de vários fãs brasileiros da série que participam de um grupo no Facebook. Enquanto víamos, discutíamos alguns aspectos da trama e ficávamos divididos em torcidas, tentando adivinhar quem seria a próxima Suprema. Tirando os momentos gostosos, em que é delicioso conversar com um total desconhecido que divide os mesmos gostos e os mesmos ídolos que os seus, o último episódio me decepcionou bastante. Aliás, a temporada me decepcionou muito.
Não que eu queira tirar o mérito da série, que atualmente é a minha preferida. Já falei aqui no La Amora diversas vezes que sou fã do Ryan Murphy e admiro a coragem que ele tem de trazer temas tão complexos e audaciosos à tela. Também gosto muito do elenco, ainda mais o da terceira temporada, que foi reforçado com grandes nomes do cinema americano (como Angela Bassett, Kathy Bates, Patti Lupone e Gabourey Sidibie). Apesar de ser uma grande fã de AHS, há de convir que alguns erros e exageros foram cometidos ao longo da temporada e que esses pequenos deslizes comprometeram a qualidade da história.
Muitos personagens, plots em aberto
Coven começou super bem, com um primeiro episódio de dar nervos e deixar os pelinhos do braço arrepiados. Ao longo do tempo, a trama foi esfriando e parece que a narrativa não deu conta de tantos plots secundários. Uma das coisas mais incômodas foi o desperdício das participações especiais: a começar por Patti Lupone que em Coven, encarnou Joan Ramsey (a vizinha religiosa das bruxas). Em entrevistas, Murphy disse exaustivamente que Joan guardava um segredo obscuro que iria surpreender o público. Em certo momento eu cheguei a pensar que ela seria uma bruxa, até descobrir que Joan, na verdade, tinha uma mania obsessiva por limpeza (tão obsessiva que chegava ao ponto de obrigar o filho a se limpar internamente através do ânus).
Outro personagem completamente esquecido foi o Minotauro. Em princípio, Marie não conseguia se desvencilhar da ideia de ter o amante assassinado e chegou a travar uma batalha por causa dele, jurando se vingar de Fiona e de Delphine. Aos poucos a história do Minotauro foi sumindo e nem sequer comentou-se o fato do Minotauro ter transado com a Queenie.
O mesmo aconteceu com Spalding, o mordomo da escola, que aos poucos foi esquecido… até se tornar desnecessário. Ninguém sentiu falta de Spalding, ninguém foi atrás da Zoe para tirar satisfações por tê-lo assassinado. Se Spalding estava morto, como conseguiu roubar o bebê? Aliás, o que foi feito do bebê? Ninguém se espantou com o fato dele guardar inúmeras bonecas assustadoras em seu quarto? Spalding se tornou um personagem “tapa buracos” e só aparecia quando era conveniente para a trama.
A imortalidade de Delphine não foi explicada. Descobrimos que Marie se manteve viva por causa de um acordo feito com o Papa Legba (coisa que Fiona não conseguiu por não ter alma). Mas e Delphine? Ela também vendeu a alma para o diabo?
Alexandra Breckenridge (que interpretou a Moira jovem na primeira temporada) ficou na promessa, também desperdiçada, com uma aparição pequena e sem importância. Em falar em aparições sem importância… os Zumbis foram mesmo necessários? (ou puro fogo de palha?)
P.S: Kyle assassinou Madson, mas… POR QUÊ DIABOS ELA NÃO SE DEFENDEU COM SEUS PODERES?
Morte e Ressurreição, uma verdadeira dança das cadeiras
Sem dúvidas, o aspecto mais irritante em Coven foi o excesso de mortes e ressurreições. Murphy disse que uma das coisas que mais lhe agradava na terceira temporada era poder matar os personagens com a certeza de trazê-los de volta. No início as mortes causavam o efeito desejado: ficávamos assustados e tristes, achávamos que os personagens tinham morrido mesmo. Aos poucos, essa sensação perdeu o sentido e ficou cansativa – praticamente todos eles foram trazidos de volta a vida (e morreram e ressuscitaram e morreram e ressuscitaram outras vezes mais).
Aliás, o fato da Myrtle pedir para morrer queimada no último episódio me deixou muitíssimo incomodada, não bastasse isso, todo seu sofrimento foi assistido por Cordélia (que afirmou diversas vezes que a considerava como mãe). Pouco plausível.
O Confronto entre Fiona e Marie Laveau não aconteceu

Outra coisa brochante em Coven foi o fato das bruxas, apesar de dotadas de poder, não os demonstrarem em totalidade. Esse aspecto – que até mudou um pouco no último capítulo – causou uma quebra de expectativas e deixou a trama visualmente mais pobre. Vimos alguns personagens voando, vimos sangue, vimos sessões de voodoo… não mais do que isso, o que é uma pena. O fato da inimizade entre Fiona e Marie perdurar por tanto tempo (e dessa relação ficar mais tensa a cada episódio) poderia ser melhor explorando em um embate entre as duas, o que nunca aconteceu. Ryan Murphy perdeu a oportunidade.
De acordo com a trama, o acordo de paz entre as bruxas praticantes de Voodoo e as bruxas do Coven foi desfeito no momento em que trouxeram Delphine de volta a vida. Pouco tempo depois, Fiona mandou a cabeça do Minotauro (amante de Marie) em uma caixa de papelão, acabando de vez com qualquer possibilidade de trégua. Toda a tensão foi desfeita quando os caçadores (contratados por Marie) começaram a aniquilá-las sem qualquer critério. Marie ficou enfraquecida e foi pedir asilo na casa da maior inimiga.
Muitos fãs se dividiram em times, uns acreditavam que a Fiona era mais forte, outros que a Marie era mais forte. A questão não é essa (apesar de ser divertidíssima)… o fato é que o “possível” acerto de contas” entre as duas seria o climax da trama (e provavelmente mais interessante do que a revelação da Suprema.).
Evan Peters, uma terrível releitura do monstro de Frankenstein
Assistir Evan Peters em Coven é uma tortura, não por causa do seu desempenho como ator, mas pelo espaço que deram pra ele na série. Ao criar Kyle, Murphy queria fazer uma releitura do clássico Frankenstein, por isso as partes do corpo separadas e posteriormente, construídas com restos mortais. O desafio de Peters era se expressar sem palavras, realizar um trabalho corporal e ser convincente. O situação era trabalhosa, tão trabalhosa quanto a função desempenhada por Sarah Paulson, que realmente teve os olhos cegados.
Kyle era um personagem com muito potencial, poderia não só ser usado como a peça chave da inimizade entre Zoe e Madson, mas também mostrar ao mundo exterior, como prova física, o poder das bruxas. Ironicamente, Kyle só proferiu sua primeira palavra (como “monstro”) no sétimo episódio, mas aí a trama já estava bem avançada. E quando eu digo palavra, é isso mesmo, ele mal construía frases ou dialogava com os moradores da casa, não fosse Fiona resolver seu problema, lá pelas tantas…
Kyle era um joguete nas mãos das bruxas, servia tanto para experimentos quanto para atender aos desejos sexuais da Madson e da Zoe. O mais frustrante é que reduziram Evan Peters a um mero coadjuvante, seu personagem, no fim das contas, veio para substituir o papel do Spalding e passou a ser o mordomo do colégio.
Fiona Goode, um personagem contraditório
Não há dúvidas quanto ao destaque creditado à Jessica Lange na série, Lange é um dos atrativos de AHS e recebe todas os holofotes possíveis. Gosto muito da atriz, quem lê o La Amora sabe disso, mas acho que Fiona foi um personagem superestimado e bem inferior aos outros interpretados por ela nas temporadas anteriores.
Desde o início de American Horror Story, Ryan Murphy demonstra uma preocupação em trazer os “dois” lados do ser humano a tona. Seus personagens não são quadrados, pelo contrário, estão aí exposto a diversos dilemas existenciais, a fraquezas e a falhas de caráter. Em Fiona isso não ficou muito claro, o último capítulo não foi suficiente para humanizá-la. Apesar de várias tentavas, a química entre Fiona e Cordélia não foi convincente. Sabíamos que existia um rancor ( e um amor ) enorme ali, mas não conseguíamos senti-lo, algo não foi bem executado.

Um dos aspectos que mais me incomodou no personagem foi o seu câncer. Assim como foi feito com o Spalding, a doença de Fiona era apenas artifício usado quando era conveniente a trama. Às vezes a Suprema aparecia enfraquecida, no hospital, sem cabelo e momentos depois, já estava linda e implacável. O fato da Fiona fazer mal a outras bruxas (ser uma assassina fria e cruel) e passar completamente despercebida também foi bem incomodo, ninguém se deu conta de que ela forjou as provas em relação a Myrtle e a mandou para a fogueira injustamente?
Enquanto a redenção da Sister Judy foi plausível, a da Fiona foi bastante questionável. Se Fiona não vendeu a alma para o Papa Legba, por quê o encontrou no inferno? Se ela amava o Axeman, passar a eternidade com ele não foi tão ruim assim. Se ela sabia que a Cordélia era a nove suprema (e via a própria morte no rosto da filha) por quê não revelou o segredo e por que tentou matar a Madson?
Afinal, Ryan Murphy… arregou?
Escolher “Bruxaria” como tema principal da terceira temporada foi uma jogada arriscada, quase como uma faca de dois gumes. Bruxas, assim como vampiros é um assunto exaustivamente explorado por filmes e por programas de TV e, ainda que cada releitura apresente certa originalidade, a essência é sempre a mesma.
Murphy trouxe à tona um diferencial: explorou as práticas de voodoo como ninguém o fez antes, não de forma tão massificada ou palatável. Também soube trabalhar com a ausência retilínea do tempo, não escorregou nesse aspecto e até que construiu um roteiro plausível quanto os segredos sobre a imortalidade.
Coven tem o brilho que Asylum não tinha (inclusive esteticamente), foi uma temporada leve, jovem e bem humorada, talvez por isso tenha recebido tanta audiência (a maior de toda a série). No entanto, mesmo explorando temas audaciosos – como sexo grupal, sadomasoquismo e misticismo – AHS regrediu ao não confrontar esses temas com coragem. Não com a coragem que existia em Asylum. A série deu um passo atrás e há uma justificativa para isso.
Em entrevista Jessica Lange (que, de certa forma, atua como co-autora da série – já que participa das reuniões de criação, sabe e interfere no destino dos personagens), disse que os roteiristas mergulhavam em um poço fundo e escuro demais quando criaram Asylum. Posteriormente, Murphy afirmou que a academia era composta por pessoas “mais velhas” que não entendiam nem aceitavam certas situações. De fato, apesar de receber inúmeras indicações, AHS voltava pra casa de mãos vazias.
Trazer humor e romance para a série é uma estratégia, histórias mais simples e “bonitinhas” – ainda que com temas complexos – VENDEM MAIS. Tanto que a quarta temporada terá exatamente a mesma fórmula. Ainda que Murphy mostre-se como um escritor audacioso e desafiador, ele (e os criadores da série, é claro) possui um compromisso com o canal: quanto maior o publico, melhor e se as histórias forem mais fáceis de entender, melhor ainda.