Ta aí, estou com mania de fazer listas… comecei a escrever sobre as minhas atrizes favoritas e sobre os seus filmes e deu nisso. Pra não me estender muito, escolho cinco filmes que mais gosto de cada uma.. dêem uma olhada:
Não tinha planejado essa publicação e também não queria remendar o último post que fiz sobre The Walking Dead, mas acabo de descobrir que a Melissa Mcbride me segue no Twitter e isso me deixou bastante entusiasmada. Como disse anteriormente, estou encantada pela atriz e por seus cabelos curtos. Em 2007, Melissa participou de um média-metragem chamado “Lost Crossing” – algo como: Viagem perdida ou Travessia perdida. O filme, produzido pela BlueLantern Films tem trinta e três minutos e possui uma trama bem interessante.
Marie (Carrie-Rose Menocal) é uma menina de quinze anos que fugiu de casa. O ônibus em que se encontra quebra e ela se vê obrigada a esperar o concerto. Nesse meio tempo, a garota conhece outra passageira: Sheila (Mcbride) que sugere que as duas dividem um quarto de hotel até conseguirem seguir viagem. Inicialmente, elas constroem uma relação amistosa, até que Sheila revela um antigo segredo e começa a demonstrar um comportamento obsessivo.
É estranho, mas esse pequeno filme de apenas trinta minutos me remeteu a tantas coisas, a tantas músicas, livros e personagens que eu acho que poderia ficar até amanhã escrevendo sobre ele. Primeiro porque a Melissa Mcbride está fantástica, ela carrega o filme nas costas e possui uma interpretação muito densa. Segundo porque o tema, apesar de uma rápida abordagem do filme, abre caminho para discussões mais profundas.
Marie e Sheila vão a um supermercado e um homem com quem tinham se desentendido anteriormente as ameaça. Sheila bate em si mesma e ele afirma: “Você é uma vadia louca!” e Sheila responde: “Eu te disse!”. Há algo que nós é confidenciado nesse instante. Não só pela cena, pelo diálogo, mas pela trilha sonora. Depois de jogarem boliche, Sheila diz a Marie que compreende o porquê ela fugiu de casa e diz que passou pela mesma coisa, que sofreu abusos sexuais do pai quando tinha doze anos e que a mãe foi relapsa.
Quando Marie descobre um remédio controlado na bolsa de Sheila e percebe onde se meteu, ela tenta ir embora, mas já é tarde. E é aí que Melissa Mcbride se transforma (na cena seguinte em que Sheila não encontra seus remédios) ela aparece com os olhos manchados de maquiagem, com uma feição inquieta, assustadora. [Eu não sou nenhuma estudiosa de comportamentos ou de doenças mentais, mas acho que impressionante o preconceito – e a falta de conhecimento que existe sobre o tema.] Marie encontra uma foto antiga de Sheila com a filha e a imagem é até um pouco perturbadora: Onde está essa menina? O que aconteceu com ela?
Quando Sheila senta na cama e não consegue se mover, de tanto chorar, senti a aflição daquela mulher que tenta cuidar de uma criança, quando não consegue cuidar nem de si mesma. É como se ela se perguntasse: “O quê estou fazendo comigo”? Quem sou eu? Por que eu sou assim? ’ Depois eu fiquei me questionando, será que eu estou viajando demais? Isso se deu em apenas uma cena e a personagem sequer falou alguma coisa. Acabei me lembrando de um texto que li a poucos dias do Ricardo Costa onde ele diz o seguinte:
“Na narrativa, vazios e silêncios são signos, em elipse, de sentidos harmônicos. Fazem parte da música da imagem, mesmo quando se fala de cinema mudo. Há de fato silêncios que falam, tal como os vazios criados numa sequência de imagens. Neles vibram, como numa caixa de ressonância, sonoridades e sentidos de determinadas palavras, neles reverberam sinais e formas de certas imagens. Imagens ou palavras articuladas são o fio que nos conduz. Os silêncios que elas criam são o leito que nos embala. De uma maneira ou de outra, um filme é sempre quadro de melodia, filme mudo e partitura.”
Sheila começa a se aproximar da garota e há algo até “sexual” entre elas, como se Sheila estivesse atraída pela menina. Marie promete não abandonar Sheila, mas assim que ela adormece a garota vai embora. Sheila se vê sozinha novamente e enquanto está sentada em uma estação, repara em uma pequena menininha. Sheila nunca vai parar. Ela se vê naquelas garotas, é como se fosse um reflexo do que ela foi quando pequena. Ao mesmo tempo ela tem um instinto, como se precisasse protegê-las, como se não pudesse ficar sozinha e provavelmente lembra da filha – que deve ter morrido ou algo do tipo.
A personagem de Melissa me lembrou muito, muito mesmo “Atração Fatal” e logo me remeteu a Alex Forrest. No filme (de 1987) Glenn interpreta uma executiva emocionalmente desequilibrada que começa a ter um caso com um homem casado (interpretado por Michael Douglas) e que faz de tudo para participar da vida dele: custe o que custar. O que era para ser um caso extraconjugal qualquer acaba se tornando um pesadelo, Alex persegue a mulher do cara, sequestra a filha dele e provoca situações que se tornaram antológicas no cinema americano– Esse é um filme muito bacana e eu espero poder escrever sobre ele no LA AMORA um dia.
Sou apaixonada com esse filme e me lembro de ter assistido em um dos extras do DVD uma entrevista em que a Glenn Close dizia que não se sentiu a vontade com o final da personagem. Em principio, Alex cometeria suicídio, mas parece que a ideia não agradou ao público e ela acaba sendo assassinada. Na entrevista Glenn passa bastante tempo discutindo a possibilidade de que Alex tenha sofrido abusos sexuais quando criança.
Glenn é praticamente uma militante e há muito anos luta contra os estigmas sobre as doenças mentais – ela possui uma fundação chamada “Bring Change 2 Mind”, participa de inúmeras palestras, projetos de incentivo à informação e tem como exemplo a própria família que durante gerações apresentaram doenças mentais como bipolaridade e esquizofrenia. (Leia mais sobre o trabalho dela nesse link: Nucleo Tavola)
Como disse, o filme me remeteu a outros personagens e esses três são especiais – ficam como dica para quem se interessou no assunto e gosta do tema:
* Louca Obsessão é outro clássico do cinema americano. Produzido em 1990, o filme – baseado em um livro de Stephen King – conta a história de Paul Sheldon, um escritor que sofre um acidente de carro e é socorrido pela enfermeira Annie (Kathy Bates) que diz ser sua fã numero um. Annie cuida de Paul e em agradecimento, ele permite que ela leia seu último livro (que se não me engano, ainda não tinha sido lançado) onde a personagem principal – e favorita de Annie – morre. A enfermeira vai a loucura, fica revoltada e tenta se vingar do escritor.
* A professora de piano é um filme de 2000, dirigido por Michael Haneke – só pra constar, sou alucinada nele! A trama conta a historia de Erika Kohut (Isabelle Huppert) uma professora que trabalha no Conservatório de Viena. Ela possui um comportamento ortodoxo e aos quarenta anos, ainda vive com a mãe (Annie Girardot). Quando não está dando aulas, Érika gosta de frequentar cinemas pornôs e peep-shows. Ela conhece Walter Klemmer (Benoit Magimel) e acaba se relacionando com ele, mas o envolvimento dos dois sai do controle quando Erika começa a sugerir jogos sádicos e perversos.
* Uma Rua Chamada Pecado: Clássico, clássico, clássico de 1951 – baseado na obra de Tenesse Williams. O filme conta a história de Blanche Dubois (Vivien Leigh), uma mulher neurótica que vai visitar a sua irmã grávida Stela (Kim Hunter) em Nova Orleans e acaba não se entendendo com o cunhado Stanley Kowalski (Marlon Brando), um homem com comportamento questionável e abusivo que lhe causa repulsa. – Ok, esse resumo está pessimo, o filme é muito, MUITO mais do que isso!
Bom, eu sei que eu me alonguei muito nessa publicação, mas não consegui resistir. O curta é muito interessante e por sorte, ele está disponível na internet. Deixo o link do vídeo de “Lost Crossing” abaixo:
Um canto de esperança/Paradise Road (de 1997, dirigido por Bruce Beresford) é aquele tipo de filme que fica marcado na memória. Lembro de tê-lo assistido há anos atrás e algumas das cenas não saíram da minha cabeça. A história é extremamente forte e apresenta um tom realístico que é intensificado por uma produção sensível e por atuações marcantes. Glenn Close encabeça o elenco feminino que também conta com Cate Blanchet, Pauline Collins e Frances McDormand.
A trama se passa na década de 1940, japoneses invadem Cingapura e forçam várias crianças e mulheres a viverem em um campo de concentração onde realizam inúmeros trabalhos, sofrem agressões físicas e psicológicas. Entre essas mulheres encontra-se Adrienne Pargiter (Close) formada na Academia Real de Música que, junto a Daisy ‘Margaret’ Drummond (Collins) organiza um coral e enfrenta a resistência do exército japonês.
Gosto do clima inicial do filme onde um grupo de aristocratas e suas respectivas mulheres comentam e ironizam a guerra. As opiniões se dividem quando falam sobre os japoneses: uns acreditam que eles são perigosos, outros de que não há nada a temer. O início da trama nos dá ideia do padrão de vida dos protagonistas: mulheres lindas e maquiadas, homens em ternos caros, mesas bem servidas e uma deliciosa música ao fundo. O ar de desconforto e incerteza aumenta quando escutam barulhos de bombas que invadem o salão. As mulheres [que estavam visitando os maridos] precisam voltar imediatamente para casa, a cidade está sendo atacada.
No navio, somos apresentados às personagens principais: Adrienne (Glenn Close), Susan Macarthy (Cate Blanchet), Mrs. Tippler (Pamela Rabe), Mrs. Roberts (Elizabeth Spriggs), Topsy Merritt ( Julianna Margulies), Daisy ‘Margaret‘ Drummond (Pauline Collins) e Rosemary Leigthon Jones (Jennifer Ehle).Há um pequeno e engraçado diálogo onde elas se apresentam umas as outras: sou esposa do dono de uma empresa de café, sou esposa do dono de uma empresa de tecidos (…). O navio (repleto de mulheres e crianças) é surpreendido por um novo ataque e todos são obrigados a abandona-lo. Adrienne, Susan e Rosemary ficam horas na água, até que conseguem chegar em terra firme.
Repletas de ferimentos na pele, as três conseguem uma carona de um militar japonês (aparentemente gentil) que as deixa em um local desconhecido. Adrienne chega a discutir com o militar, dizendo que o navio que atacaram só levava pessoas indefesas. Sem perceber, Adrienne, Susan e Rosemary são abandonadas em um campo de concentração e lá encontraram várias mulheres (inclusive algumas que estavam no navio) vivendo em terríveis condições.
Desde então, elas são obrigadas a acordar cedo para trabalhar, precisam dividir pouca comida e viver com água escassa. Além de apanhar diariamente, ficam expostas ao mau cheiro e a diversas doenças que assolam o grupo. Elas sofrem um choque de realidade, antes acostumadas com uma vida repleta de luxo e agora vivendo como escravas. Não demora para que os conflitos comecem a surgir, tanto externamente quanto dentro do grupo.
Personagens maniqueístas: a luta do bem e do mal
Talvez por apresentar um grande número de personagens (e não ter tempo nem espaço suficiente para desenvolvê-los) Beresford tenha escolhido apresentá-los com características muito marcantes – não sei afirmar se no livro a abordagem é feita da mesma maneira. Adrienne é a líder, justiceira e corajosa. Susan é atrevida, jovem e enérgica. Mrs. Roberts é avarenta (e a personagem que mais ironiza/critica a burguesia). Não há como questionar a presença da seguinte relação maniqueísta: os japoneses são maus e as prisioneiras são do bem, mas essa relação ainda bifurca-se e divide os personagens dos dois grupos:
No ambiente das prisioneiras Mrs. Tippler e Daisy são fortes personalidades em contraponto. Enquanto Daisy (a missionária que parece ainda mais gentil com aqueles grossos óculos) apazigua as companheiras, é paciente com as crianças e com os militares. Mrs Tippler é desonesta com as outras mulheres, incita as brigas e desestimula o coral. No final, Daisy recebe a redenção do sofrimento através da morte enquanto Mrs Tippler é separada dos filhos.
No grupo dos militares japoneses o Capitão Tanaka (Stan Egi) é cruel com as prisioneiras, impõe diversos castigos e proibições. Em uma cena fortíssima, ele obriga Susan a se ajoelhar por horas diante de estacas que podem perfurá-la a qualquer momento. Em contrapartida, o intérprete (David Shung) tenta ser gentil com as mulheres e sempre mantém a calma quando conversa com elas (Adrienne chega a chamá-lo de covarde).
A história que inspirou o filme
O filme baseia-se no livro de Helen Colijn: “Song of Survival: Women Interned” onde ela descreve com detalhes a vida de mulheres que foram prisioneiras em um campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra. Helen e a irmã Antoniette ficaram presas nesse campo de concentração e juntas, presenciaram o trabalho de Margaret Dryburgh e Norah Chambers: duas inglesas que no início de 1943, se uniram para amenizar o duro cotidiano das prisioneiras e criaram um coral.
Margaret era uma missionária e Norah havia estudado piano, violino e canto na Academia Real de Música em Londres. Margaret se lembrava das partituras e as escrevia escondido em um pedaço de papel, os ensaios eram feitos com muito cuidado para não chamar atenção dos japoneses. As mulheres cantavam várias músicas clássicas como as de Chopin, Beethoven e Dvorak. Reproduzo o texto do Paulo Franke onde ele detalha com mais riqueza os acontecimentos:
Helen comentou: “Imagine-se em um campo de prisioneiros com fome, camundongos, baratas, com aquele cheiro terrível de banheiros e a gritaria dos guardas à sua volta! E de repente você ouve essa música. É algo magnífico que dá o sentido de união, mas também de força para continuar vivendo em uma situação que parece não ter fim. É algo positivo surgindo de uma experiência muito negativa. Por essa razão posso falar do campo sem ter que passar por todos os pesadelos novamente.” Margaret faleceu no dia 21 de abril de 1945 e foi sepultada em um cemitério perto do campo, sob as palmeiras. Mais tarde, Norah escreveu em seu diário: “Ela foi admitida no hospital e poderia ter melhorado, mas, como muitas outras pessoas, estava fraca demais e por isso não houve chance de recuperação. Ao visitá-la, ela me reconheceu e tentou falar. Tentou repetir o seu salmo preferido, o 23, o que eu fiz por ela tão bem quanto pude.”
Há muito tempo estou com vontade de ver esse filme e ontem, por sorte, o encontrei em promoção nas Lojas Americanas por R$ 4.99. Antes de vê-lo, li alguns artigos relacionados à trama e acabei tendo boas surpresas. Albert Nobbs é uma produção de 2012, estrelada por Glenn Close e dirigida por Rodrigo García (García, aliás, é filho de Gabriel Garcia Marquez e possui ótimos trabalhos no currículo, um deles: ‘In Treatment’ já foi tema de duas publicações aqui do blog e é um dos meus preferidos).
O filme baseia-se na obra do romancista irlandês George Moore e conta a história de Albert Nobbs, uma mulher que por trinta anos se vestiu de homem e trabalhou como garçom em um hotel. Albert tinha uma personalidade contida e, justamente por sua dedicação ao trabalho, conquistou o respeito dos colegas e dos moradores do local. Durante todo esse tempo, Albert juntou suas economias visando abrir seu próprio negócio: uma tabacaria.
A vida de Albert vira de cabeça para baixo com a chegada do pintor Hubert Page. A Sra Baker (proprietária do hotel) ordena que Hubert e Albert durmam no mesmo quarto e logo na primeira noite, Hubert descobre que Albert é uma mulher. Albert implora a Hubert que guarde seu segredo e Hubert o faz. No outro dia, Hubert revela a Albert que também é uma mulher e que está casado com Cathleen, uma costureira.
Por curiosidade, Albert vai à casa de Hubert para saber como ele conseguiu se casar com outra mulher. Em uma conversa informal, Albert conta a Hubert sua história: Albert era filha de uma prostituta, foi criada em um convento (e foi expulsa de lá quando sua mãe morreu). Aos quinze anos, foi estuprada por cinco homens e pouco tempo depois, encontrou um terno masculino e resolveu vesti-lo para trabalhar como garçom. Albert achou que não conseguiria enganar ninguém, mas acreditaram que se tratava de um homem e desde então, ela passou a se vestir assim. Albert confidenciou a Hubert seu desejo de ter uma mulher e abrir seu próprio negócio, durante a conversa, os dois são interrompidos por Cathleen e Albert se esquece de perguntar a Hubert como ele fez para se casar com uma mulher.
Nesse meio tempo, Joe Mackins chega ao hotel e é contratado pela Sra Baker para arrumar a caldeira. Joe começa a namorar Helen Dawens (uma das empregadas), mas logo apresenta um comportamento violento e controlador. Ironicamente, Albert acredita que Helen será uma perfeita esposa e a convida para sair. Joe se aproveita da situação e faz com que Helen tire dinheiro de Albert (que lhe dá vestidos e chapéus novos). Após alguns meses, Albert revela a Helen que pretende abrir um negócio e Helen lhe confessa que seu desejo é deixar a Irlanda e ir morar nos Estados Unidos.
Glenn Close e Albert Nobbs
Fiquei desnorteada quando descobri que, apesar de ter cinco indicações, Glenn Close nunca recebeu um Oscar. Close possui diversos trabalhos importantes no cinema americano e Albert Nobbs não é diferente. Aliás, ela já havia interpretado Albert Nobbs nos teatros e lutou por mais de dezoito anos para fazê-lo virar filme (no longa, chegou a trabalhar no roteiro e na produção), portanto é fácil entender porque esse filme foi feito especialmente para ela, que carrega nos ombros a carga dramática e está presente nas cenas mais sublimes. [Glenn Close recebeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz, mas acabou perdendo para Meryl Streep por ‘A Dama de Ferro].
Quase não reconheci Janet McTeer quando a vi em cena e tive dúvidas se era de fato uma mulher. McTeer também recebeu uma indicação a melhor atriz coadjuvante, mas quem levou a estatueta foi Octavia Spencer por ‘Histórias Cruzadas’. Não há dúvidas quanto ao seu brilhante desempenho nem sobre a importância do seu papel a trama: foi Hubert que acordou os desejos adormecidos em Albert e lhe deu esperança. Chamo atenção para a cena em que Albert Nobbs e Hubert Page, depois de anos, se vestem de mulher novamente. Abaixo há uma reflexão sobre o texto de Simone Benmussa onde ela aborda a importância das roupas. De fato, quando Albert se veste de mulher e corre pela praia, há um enorme simbolismo em sua feição: por um momento, Albert está livre.
Tecnicamente, a trama apresenta uma fotografia maravilhosa e um inquestionável trabalho de maquiagem e figuro. [SPOILER] O que me incomodou um pouco foi certa lentidão quanto ao desenvolvimento e um final mal explorado. Albert falece e logo depois descobrem que se tratava de uma mulher. Mas não tivemos tempo de saborear a reação dos outros personagens, nem mesmo ter raiva da Sra Baker, que rouba todo o seu dinheiro.[SPOILER]
Suas roupas se tornaram seu corpo
Sensibilizada pelo filme, passei a noite de ontem pesquisando sobre o trabalho de George Moore e acabei esbarrando em um texto escrito por Simone Benmussa (diretora francesa que adaptou “The Singular Life of Albert Nobbs” ao teatro em 1978). Tomo a liberdade de reproduzir algumas de suas reflexões que apresentam aspectos interessantes para a interpretação da obra. Logo no início, Benmussa afirma que as roupas possuem um papel tão importante quanto o dos atores. As roupas não são apenas uma reconstrução histórica ou peças de decoração, elas são parte do texto, dos gestos e são pontos de partida para discussões mais importantes.
Albert pegou as roupas de seu antigo chefe lhe deu para vender e só assim (vestido de homem), foi capaz de conseguir um emprego que lhe desse a oportunidade de ganhar um pouco mais de dinheiro. Sua ambiguidade é percebida já no início da trama: Albert usa a roupa do único homem que poderia ter amado e assim, impede que outros homens a ame. Masculinizada, ela ganha uma autoridade e participa da rede hierárquica dos empregados do hotel (mas continua marginalizada por ser a única a saber o que se tornou). Mesmo que Albert tenha começado a se vestir de homem por um mero acidente, as roupas masculinas lhe deram algo além do dinheiro, do respeito e do trabalho: Albert se distanciou do próprio corpo.
Em contraste, somos apresentados a Hubert Page ( uma mulher que se livrou de um casamento opressor e passou a vestir roupas de homem, conseguiu um trabalho e se uniu a outra mulher). Benmussa chama atenção para um aspecto: Page é uma pintora e suas roupas são mais informais, ela decidiu largar o marido e se unir a outra mulher, como pintora não precisa seguir hierarquias e diferente de Albert, Page é feliz. Ao tentar fugir da sociedade, Nobbs fez de seu disfarce uma prisão, suas economias, ao invés de trazer segurança se transformaram em uma mania obsessiva.
Benmussa sugere outra reflexão importante, ela chama atenção para o fato de que Albert não tem um problema quanto ao próprio sexo, ele não quer alterar o corpo e sim: escondê-lo. Sua imagem de felicidade é ter uma casa e se adaptar a sociedade burguesa. Pela complexidade do personagem, Benmussa pedia que suas atrizes atuassem em dois níveis: elas precisavam ser extremamente reais, simples e ao mesmo tempo, explorassem o imaginário do espectador. As atrizes precisavam ter voz grossa, firme e tinham que convencer que aquela história surreal era algo concreto e que, de fato, se passava no cotidiano.
Sua feminilidade ainda estava debaixo daquelas roupas. Quando Helen se aproxima, Albert tem duvidas que são normais a uma mulher, enquanto serve os empregados ela não percebe que possui certos gestos femininos – seu maior objetivo é impedir que atos falhos apareçam. Benmussa afirma que até mesmo George Moore foi um pouco violento com Albert: ele criou uma mulher feia, com cerca de cinquenta anos, muito magra e com os dentes amarelados. Moore escreveu a trama como uma comédia, para ele esse tipo de situação só acontecia com mulheres feias (que não podiam ser amadas).
Apesar de parecer óbvia e simples, a história possui grande força social e política (a peça traz a tona temas como: solidão, marginalidade, sexualidade, paternidade e descriminação) – e por isso, continua tão atual.
Confira a transformação de Glenn Close em Albert e de Janet McTeer em Hubert: