“Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas” (Oscar Wilde)
“E quem olha, se fode” (Lori Lamby)
O caderno rosa de Lori Lamby é, de longe, o meu livro favorito da Hilda Hilst. Em poucas páginas, Hilst consegue assustar, envergonhar, confundir e manipular o leitor de uma maneira simples e direta: utiliza uma linguagem infantil e, assim como as histórias libertinas, se apoia em uma narrativa epistolar e apresenta um personagem inocente que aos poucos vai se corrompendo.
Lori é uma garotinha de oito anos que descreve em seu diário, os encontros sexuais que tem com adultos a mando de seus pais. Ao contrário do convencional, Lori não se sente abusada, ela gosta de se envolver com os homens, sente prazer e adora os presentes que ganha depois dos encontros. Gosta tanto, que os narra no diário e com uma linguagem sensorial, constrói cartas e histórias obscenas.
Fácil entender porque se trata de um livro polêmico e pouco popular, a crítica caiu matando, encararam a história como um registro insensível sobre a pedofilia. E o próprio público também se manifestou negativamente. Hilst conseguiu colocar o leitor em um lugar extremamente desconfortável com uma narrativa erotizada, mas com um narrador
improvável. O fato é que além do incômodo e controverso, o livro ainda consegue ser cômico.
A menina descreve as tardes em que passa esperando pelo próximo “tio” e narra, com uma inocência enlouquecedora, as taras de cada um deles. Impossível ler essa páginas e passagens tão obscuras, sem pensar no papel da autora, que de certa forma, traz a tona, uma obra moralizante.
O pai de Lori é um escritor que não consegue fazer sucesso com seus livros e passa grande parte da narrativa, se esforçando para criar uma história que atenda aos interesses da editora. Seria a própria Hilda Hilst? Que chegou a reclamar que “Poesia no Brasil não dá dinheiro” e, por isso, resolveu escrever textos obscenos? Difícil saber.
No diário de Lori, existe uma transcrição de uns escritos de um adulto. “O caderno Negro” – Corina, a moça e o jumento, conta uma história erótica, suja e bruta sobre o envolvimento de um homem do interior, com uma ninfeta viciada em sexo. O texto não está ali, atoa, ele dá certos indícios. Alguns críticos e estudiosos da obra de Hilst acreditam que a narrativa de Lori Lamby, na verdade foi escrita pelo pai, que criou o diário, como se fosse uma menina de oito anos para conseguir fazer sucesso. Genial, não?

“Eu tenho oito anos. Eu vou contar tudo do jeito que eu sei porque mamãe e papai me falaram para eu contar do jeito que eu sei. E depois eu falo do começo da história. Agora eu quero falar do moço que veio aqui e que mami me disse agora que não é tão moço, e então eu me deitei na minha caminha que é muito bonita, toda cor de rosa. E mami só pôde comprar essa caminha depois que eu comecei a fazer isso que eu vou contar. Eu deitei com a minha boneca e o homem que não é tão moço pediu para eu tirar a calcinha. Eu tirei. Aí ele pediu para eu abriras perninhas e ficar deitada e eu fiquei. Então ele começou a passar a mão na minha coxa que é muito fofinha e gorda, e pediu que eu abrisse as minhas perninhas. Eu gosto gosto muito quando passam a mão na minha coxinha. Daí o homem disse para eu ficar bem quietinha, que ele ia dar um beijo na minha coisinha. Ele começou a me lamber como o meu gato se lambe, bem devagarinho, e apertava gostoso o meu bumbum. Eu fiquei bem quietinha porque é uma delícia e eu queria que ele ficasse lambendo o tempo inteiro, mas ele tirou aquela coisona dele, o piupiu, e o piupiu era um piupiu bem grande, do tamanho de uma espiga de milho, mais ou menos. Mami falou que não podia ser assim tão grande, mas ela não viu, e quem sabe o piupiu do papi seja mais pequeno, do tamanho de uma espiga mais pequena, de milho verdinho. Também não sei, porque nunca vi direito o piupiu do papi. O moço pediu pra eu dar um beijinho naquela coisa dele tão dura. Eu comecei a rir um pouquinho só, ele disse que não era para rir nem um só pouquinho, que atrapalhava ele se eu risse, que era pra eu ficar quietinha e lamber o piupiu dele como a gente lambe um sorvete de chocolate ou de creme.”
“Mami me ensinou que a minha coisinha se chama lábios. Ache engraçado porque lábio eu pensei que era a boca da gente, e mami me disse que tem até mais de um lábio lá dentro, foi isso que ela disse quando eu perguntei como era o nome da coisinha. Quem será que inventou isso da gente ser lambida e porque será que é tão gostoso? Eu quero muito que o moço volte. Tudo isso que eu estou não é pra contar pra ninguém porque se eu conto pra outra gente, todas as meninas vão querer ser lambidas e tem umas meninas mais bonitas do que eu, aí os moços vão dar dinheiro pra todas e não vai sobrar dinheiro pra mim, pra eu comprar coisas que eu vejo na televisão e na escola. Aquelas bolsinhas, blusinhas, aqueles tênis e a boneca da Xuxa.”