Entre Abelhas

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Estava louca por assistir esse filme, fiquei encantada com o tom surrealista e existencial da trama e pelo fato de ser uma produção nacional. Atendeu todas as minhas expectativas, recomendo muitíssimo, principalmente pela reflexão que sugere. Entre Abelhas foi idealizado por Fabio Porchat e por Ian SBF, e tem um tom bem dramático e sério.  Não sei porque, mas me lembrou um pouco da essência de “O Anjo Exterminador”, do Buñuel e de “O Bigode” de Emmanuel Carrére.

O filme conta a história de Bruno, um homem profundamente afetado pela recente separação. Aos poucos para de enxergar as pessoas que lhe cercam, começa a tropeçar no ar e trombar com coisas que não vê e não escuta. Ele fica obsessivo pela ideia de encontrar a causa de seu problema, e começa a criar pequenos mapas fotográficos para ativar sua memória. Ouvi uma entrevista que o Porchat cedeu ao programa Pânico na Rádio e ele dizia que há anos queria filmar esse filme e problematizar o individualismo. É também um filme sobre depressão e solidão, nos faz repensar as consequências da conectividade (ela realmente aproxima ou distancia as pessoas?).

– Irene Ravache interpreta a mãe do Bruno, ela é incrível e é sempre um prazer assistir qualquer coisa que ela faz. Neste filme ela está muito divertida!

– Só pra esclarecer: Em “O Anjo Exterminador” um grupo se reúne para jantar e não consegue mais sair da sala, nada os impede de sair, o lugar nem porta tem, mas eles não conseguem atravessa-la. Passam dias sem comida e sem água. Em “O Bigode” um homem que sempre ficou conhecido por ter bigode resolve raspá-lo e surpreender a família e os amigos. Mas depois de tirá-lo, é ele que se surpreende, afinal seus amigos e sua família dizem que ele nunca usou bigode.

Que bom te ver viva

“Lição de cadeia fica e muito mais fica a mancha que a cadeia deixa na vida do homem

Que bom te ver Viva, Irene RavacheAdoro esse título e adoro a concepção desse filme. “Que bom te ver viva” é um documentário brasileiro, dirigido por Lúcia Murat e lançado em 1989. Vinte e seis anos depois, os relatos contidos no filme continuam assustadores e atuais. De fato, “Lembrar é resistir”.  Sabemos que a ditadura e os seus “frutos” não podem e não devem ser esquecidos – nem pela nossa geração, nem pela geração futura.

Murat reuniu um grupo de mulheres militantes, que entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970 foram presas e torturadas. Neste entrelaçar de histórias e vozes narrativas, aparece Irene Ravache que encarna vários personagens fictícios e dramatiza alguns acontecimentos. Mescla a ficção e a realidade, por exemplo, com a história da própria diretora. (Particularmente, não gostei muito da dramatização da Irene Ravache. Não dela, é claro. Mas acho que a parte fictícia ficou sem sintonia com os depoimentos, além disso, me pareceu agressivo demais).

A perspectiva feminina da ditadura é chocante e ao mesmo tempo interessante. Ver a força daquelas mulheres, todas visivelmente traumatizadas, é se dar conta de que ainda há muita obscuridade na história do Brasil a ser revelada. Essa bagagem violenta e essa memória dolorosa são algumas, das tantas bandeiras, a serem levantadas. A noção do corpo, da liberdade, dos valores familiares e da vida parecem que pulsam a cada história narrada.

Me impressiona a história daquela senhora que descobriu-se grávida quando presa e que deu a luz dentro da cadeia – e, posteriormente, teve a notícia de que seu companheiro havias ido assassinado. Imagine o terror, a sensação de desproteção, a humilhação. Fora os inúmeros relatos de abuso sexual, moral e psicológico. Outra história também me chama atenção, a da médica que se viu obrigada a delatar os amigos e depois, quando solta, sofreu sanções dos companheiros…

Éramos Seis


“Enquanto ia andando, descendo a Avenida Angélica, comecei a lembrar que os meus também foram embora, a vida levou-os e se espalharam pelo mundo, menos Carlos que já não existe. Esse eu visito sempre, está deitado no cemitério S. Paulo, dormindo sossegado entre quatro roseiras que florescem todos os anos, em Setembro. São rosas brancas, bem grandes, das que ele mais gostava. Carlos eu sei que está bem, os outros não sei onde andam. Estão aí, pelo mundo.”


RAMOS_SEIS_1260649451PEntão, finalmente e depois de tanto tempo, terminei de ler “Éramos Seis” – estou encantada! Maria José Dupré (ou Sra. Leandro Dupré, como assinava seus livros) nos presenteou com uma história belíssima, daquelas que merecem ser lembradas por toda a posteridade. A trama é bem famosa, até porque já foi adaptada para a televisão (se não me engano, duas vezes). Quem não sofreu junto com a Irene Ravache, que encarnava a Dona Lola? Pois é…

Eu pensei em escrever inúmeras coisas sobre o livro, mas em princípio, gostaria de chamar atenção para o título, que é de uma poesia tão linda e de uma tristeza… Em suma, resume perfeitamente a dor de uma mulher, mãe e esposa, que acompanha e sofre com o distanciamento de cada um dos membros da sua família. “Éramos Seis” é um livro triste e nostálgico, e também uma aula de história, um convite a conhecer (ou lembrar) o Brasil da década de 1930, repleto de turbulências políticas e conservadorismo.

O livro guarda o gostinho gostoso da “época da vovó”, das brincadeiras no terreiro, dos bondinhos, dos laços de fita, das panelas de tacho, dos doces de laranja e mamão, da era do rádio, dos chapéus…da inocência perdida.

1e78eb458f4d73ebb511bcf0183ff4ccDona Lola, casada com seu Júlio, faz de tudo para manter o equilíbrio familiar e educar seus filhos: Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel. Os quatro possuem personalidades muito diferentes e são a tônica da narrativa, já que o leitor acompanha suas histórias de infância até a vida adulta. Em determinado momento, a  família é abalada com a morte de Júlio e é Dona Lola a principal responsável por enfrentar as dificuldades financeiras.

Me recordo muito da novela, e há diversas diferenças entre a adaptação e o livro. No livro, a família é muito mais pobre do que aparenta na novela. Eles quase passam fome e a D. Lola (que aliás, se chama Eleonora), conta que escolheu ficar sem os dentes para poder comprar o presente de casamento do filho.

Júlio, o pai, é uma figura muito conservadora e por vezes violenta… Alfredo é um cafajeste da pior raça, daqueles que tira dinheiro da mãe, da tia e dos irmãos, sem se preocupar com a dificuldade financeira da casa. Isabel, se envolveu com um home casado e foi duramente criticada pela família, a ponto de ser impedida de voltar para casa – tinha apenas vinte anos. E a morte de Carlos (sem dúvidas, um dos momentos mais tristes do livro), acontece por causa de uma úlcera. Ele morre da mesma doença que matou seu pai.


Separei algumas citações:

“Fiquei pensando em como é misteriosa a natureza humana; quando pensamos que conhecemos a alma dos nossos filhos, suas vontades, seus gostos, suas reações, suas debilidades, vemos que estamos longe da verdade, não conhecemos nada, estamos diante do inexplicável. Mesmo sondando com tato e cautela, deparamos sempre o desconhecido e ficamos surpreendidos diante do inesperado”

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“Nunca disse aos  meus filhos para serem honestos. Sabe por quê? Porque sempre pensei que a gente já nascesse honesta e isso não se ensinasse. Imagine dizer a eles todos os dias: Não roube, não mate. Você acha que isso ensina? É o mesmo que dizer: a boca é para falar, os olhos são para olhos. Isso ensina, Clotilde?”

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“Mi hijo ha muerto ayer. Durante tres dias y tres noches he estado luchando con la muerte, queriendo salvar esta pequena y tierna vida y durante cuarenta horas he permanecido sentada junto a sua cama, mientras la gripe agitaba su pobre cuerpo, ardiente de fiebre dia e noche.  A la tercera noche he caído desplomada. Mis ojos no podían ya más y se me cerraban sin que yo me di cuenta. He dormido durante tres o cuatro horas en la dura butaca y mientras he estado dormida se lo ha llevado la muerte” – Zweig