Quando soube que “Atrás da porta” estava em cartaz no Belas Artes em Belo Horizonte, não pensei duas vezes e fui ao cinema no mesmo dia. Duas coisas me chamaram a atenção: Helen Mirren e Istvan Szabo, que dentre outros filmes, dirigiu o belíssimo “Adorável Júlia”. A produção é inspirada na obra da escritora húngara Magda Szabo e roteirizada por Andrea Vészits. Apesar de apresentar uma boa história, o filme deixou certo desconforto quanto ao desenvolvimento técnico, principalmente pelas cenas desnecessárias e pela ambientação questionável.
A história se passa na Hungria na metade do século XX e retrata a vida Magda (interpretada por Martina Gedeck), uma escritora que precisa de uma empregada para cuidar da casa onde mora com o marido Tibor (Károly Eperjes). Depois de muito procurar, Magda encontra Emerenc (Mirren), uma senhora que atende a todas as qualificações exigidas mas que é misteriosa e rabugenta. Emerenc aceita o trabalho mas impõe duas condições: que não questionem seu passado e que nunca entrem em sua casa.
No início, Emerenc é apenas uma estranha. Ela limpa, cozinha e sai sem dizer nada. A relação das duas começa a ficar mais íntima quando Magda ganha um cachorro e apenas Emerenc consegue domesticá-lo. O cão se torna um pretexto para que as duas iniciem uma conversa e finalmente se tornem amigas. Tibor está sempre ausente (aliás, a figura masculina é secundária na trama) e a presença de Emerenc na casa se torna cada vez maior.
Magda e Emerenc são duas mulheres completamente diferentes. Enquanto Magda vive em uma casa confortável, com um marido que a ama, é jovem e feliz, Emerenc é uma velha solitária e rancorosa, que tem um passado misterioso e que trabalha duro para conseguir o próprio sustento. Apesar da distância, as duas estabelecem uma bela relação de empatia e de confiança.[As estranhas manias de Emerenc são o principal chamativo da personagem. Todos os dias, durante anos, ela varre as ruas (mesmo com uma tempestade de neve caindo). Silenciosa, ela caminha pelo bairro sem deixar que se aproximem da residência. Ela morre de medo de chuva e de trovões. Na casa de Magda, é ela que determina o que está sujo e o que não está, ela discute com os patrões e aos poucos invade um espaço que não é seu – Tibor não concorda com tanta intimidade e chega a demití-la, mas Magda percebe que não consegue mais viver sem Emerenc].
A curiosidade de Magda sobre a vida de Emerenc cresce cada vez mais. Por diversas vezes ela tenta descobrir o que há de tão secreto na casa e sempre é impedida pela empregada. Emerenc confessa alguns detalhes sobre o seu passado que, talvez, justifiquem seu estranho comportamento. Quando pequena resolveu fugir de casa e levar a irmã mais nova consigo. No meio do caminho as duas enfrentaram uma tempestade e sua irmã acabou falecendo (atingida por uma árvore), fato que nunca foi perdoado por sua mãe. Durante a guerra, trabalhou como empregada em diversas casas e teve um romance ‘proibido’. Emerenc adotou uma criança e foi mandada pra fora de casa pelo pai por ser mãe solteira.
Nesse meio tempo, enquanto a carreira de Magda começa a decolar, a saúde física e mental de Emerenc começam a cair. Totalmente fragilizada, Emerenc se nega a ser internada, com medo que invadam sua casa e descubram seu segredo. Ela pede que Magda prometa nunca deixar que ninguém entre no local. Ironicamente, no dia em que Magda vai a uma premiação, os vizinhos e a polícia decidem entrar na casa de Emerenc para forçá-la ir ao Hospital.
De fato a fotografia é um destaque da produção, principalmente nos flashbacks que recontam o passado de Emerenc e onde percebe-se um cuidado quanto aos cenários ao ar livre. Ainda assim, há uma sensação persistente de que alguma coisa está faltando ali (e que se acentua quando descobrimos o que está atrás da porta). Percebe-se um desconforto por parte dos atores e pouca química acontece quando Mirren e Martina Gedeck estão em cena. Apesar dos enganos e de não ser tão marcante, ‘Atrás da Porta’ é um filme interessante de assistir.