
Como prometido, reli “Mamãezinha Querida” e assim que terminei, corri para escrever no blog sobre a sensação que tive. Voltar a essa história é quase como reassistir um filme de terror, daqueles que a gente deliberadamente esquece algumas cenas e memoriza umas outras tantas.
Desde que conheci a Joan Crawford, tenho a admirado por sua força e por sua beleza… Há nela algo misterioso, uma obscuridade assustadora. Seja por sua infância extremamente pobre e sofrida, por sua loucura pelo sucesso ou por sua necessidade de mostrar para o público uma vida perfeita (que nunca teve). Nunca saberemos se a relação de Joan com a filha foi tão problemática quanto narrada no livro, mas é realmente difícil ficar indiferente à perspectiva de Christina.
Algo me leva a acreditar na obsessão que a Joan tinha por limpeza por vê-la, em diversos vídeos e entrevistas, comentando sobre como fazia questão de limpar a própria casa e sobre como era uma “cuidadosa dona-de-casa”. Ela chegou até a brincar sobre essa questão em um episódio de I love Lucy, gravado em 1968. Das coisas que li, acredito que essa fixação da Joan por limpeza foi um reflexo da relação conflituosa com a mãe, que também era viciada em arrumar as coisas e que trabalhou durante anos em uma lavanderia.
O comecinho do livro da Christina me surpreendeu porque eu não lembrava que ele se iniciava com a narrativa sobre a morte da Joan. No primeiro capítulo ela conta que foi a última pessoa a ver a mãe morta, que a atriz estava muito magra e que sentia certa ironia no fato de uma mulher tão controladora ter o seu destino entregue às mãos dos outros. Ao longo da narrativa, ela fala muito sobre a carreira da Joan, desde o seu surgimento como dançarina, ao Oscar (e aos momentos tenebrosos que passou quando Crawford foi considerada veneno de bilheteria, isso porque a mãe ficava extremamente nervosa e passava mais tempo em casa).
Acho interessante a Christina contar como a mãe foi se moldando e criando suas próprias marcas ao longo do tempo, a ponto de fazê-la parecer uma pessoa completamente diferente da que era no começo da carreira. Sejam pelas grossas sobrancelhas, pela boca marcada e pelas famosas ombreiras. Joan foi a responsável por criar sua própria imagem.

Um dos grandes argumentos que ela usa contra a mãe é que Joan não queria que seus bebês crescessem. Tudo estava bem, até que eles foram crescendo, se informando e tendo suas próprias vontades. Os primeiros abusos que sofreu começaram quando tinha cinco anos, nessa época ela já apanhava, sofria pequenas humilhações, já era obrigada a limpar a mansão e preparar drinks para os convidados. Segundo ela, a mãe a treinou para ser uma menina perfeita: rica, polida, bonita e inteligente.
Tá, mas… vamos ao livro:

Christina demonstra sentir muita raiva pelo fato da mãe afastá-la de casa, afinal ela passou muito tempo em internatos e perdeu momentos importantes em família: aniversários e natais… E sua mãe era muito ausente também, comunicava-se com ela através de pequenas cartas e bilhetes, não participou de suas formaturas.
Das polêmicas, acho que quatro delas são as mais interessantes: 1) Ela fala com muita naturalidade da bissexualidade da mãe, que diversas vezes foi à noite no quarto da babá, exigindo que elas dormissem juntas. 2) Christina diz que presenciou a mãe apanhar de um dos seus namorados, a quem tinha que chamar de “tio”. Numa das brigas que a Joan teve com um de seus namorados, ela chegou a subir no telhado fugindo dele. 3) Ela conta que carregou a mãe diversas vezes ao quarto pois ela tinha sério problemas com álcool, e sempre ligava para a escola da Christina enquanto estava bêbada e inventava mentiras sobre a garota.4) Christina dizia que muitos não entendiam porque uma mulher tão saudável como Joan não conseguia engravidar e sempre sofria abortos: ela os provocava.

Outro detalhe sórdido: ela diz que a mãe era tão insuportável que nenhum empregado aguentava ficar um longo período trabalhando para ela. Então, Joan começou a permitir que suas fãs fizessem certos trabalhos (como limpar os sofás, ajudar no envio das cartas) e ainda não pagava por eles. Joan xingava e humilhava os fãs e mesmo assim eles continuavam lá, a servi-la. Mais uma coisa: Para Christina, a mãe usava a beleza como alpinismo social. Não é atoa que depois que se casou com o dono da Pepsi Cola, conseguiu pagar todas as dívidas que tinha. Durante anos fez o marketing da empresa e recebia muito bem por isso.
Ainda sobre esse assunto, ela conta que a mãe, enquanto esteve casada com Douglas Fairbanks, lutava bravamente para ser aceita pela sogra: Mary Pickford (que dizia não gostar de Joan por achá-la vulgar!).
Se Christina sofreu nas mãos da mãe, Christopher que o diga. Segundo o livro, ele batia de frente com a mãe e sempre levava a pior. Como era inquieto, Joan chegava a fazê-lo utilizar o “
sono-seguro”, que o prendia à cama e deixava imóvel durante toda a noite.
O fim da vida da mãe parece ter sido terrível, e Christina deixa evidente que não o acompanhou de perto. Segundo ela, Joan bebia muito e levava muitas quedas. Chegava a ficar com o corpo todo machucado.
Baby Jane foi o último sucesso de Joan e Christina conta que esse filme foi fundamental para que a atriz pudesse pagar suas contas atrasadas.
Ainda que muitos momentos narrados causem repulsa, o livro oferece uma oportunidade de conhecer uma nova perspectiva sobre Joan; muitos fãs não acreditam em nada que a Christina diz e em certa parte eu entendo (nós nunca vamos comprovar se o que ela disse é verdade). Mas de qualquer forma, é interessante ter acesso a tantas informações sobre a carreira desta atriz, que em alguns momentos, criou uma personalidade para si que foi se misturando com suas personagens. Joan teve uma infância muito pobre e uma juventude cercada de luxos… Outro dia vi um documentário e num dos depoimentos, falava-se exatamente sobre essa “fome” pelo sucesso que ela tinha, como um medo visceral de voltar à miséria. Acredito que existiu uma rivalidade terrível entre as duas e acho que a Joan fez algumas coisas “ruins”, tentando acertar… na minha interpretação, ela reproduziu os rígidos ensinamentos que teve quando criança. [Falando nisso, ainda cabe lembrar que Christina disse que Joan não tinha boa relação com a mãe, que a deixou morrer sozinha e com poucos auxílios financeiros.]