A vilã de Wentworth: Joan Ferguson

dc9ff26a442f6c4249bbfbef4753501a

Estou apaixonada pela Joan Ferguson (é minha personagem favorita do momento!). Descobri Wentworth pelo Filmow, numa lista sobre séries “alternativas” e não americanas que merecem atenção do público. Fiquei tão viciada que assisti a série sem pausa, foram madrugadas em claro com muita ansiedade para descobrir os novos acontecimentos – e olha, eu estava na reta final do TCC, portanto, escrevia duas páginas do trabalho e assistia um capítulo. Se eu pudesse definir, diria  que a Joan é uma psicopata sádica (e genial). São tantas as crueldades que ela comete em relação aos colegas do trabalho e às detentas, que fica difícil imaginar seus próximos passos.   

A “Freak” (como foi apelidada pelas detentas), antes de qualquer coisa, é uma jogadora inteligentíssima e não mede esforços para enganar os outros em troca de poder e benefícios. Em uma entrevista, Pamela Rabe (a atriz que interpreta o personagem) fez algumas observações: “Joan é extraordinariamente forte. altamente fundamentada, muito exigente, alguém que acredita que os fins justificam os meios – todos são dispensáveis. Eu acho que ela está totalmente convencida de que ela faz as coisas pelo motivo correto, ela absolutamente exige fidelidade. E também gosta de extrair os fatos das pessoas.” (e gosta mesmo, mas através de umas formas bem violentas).

13_10.gif

A personagem surge no primeiro capítulo da segunda temporada e sua aparição é um divisor de águas na cadeia. Diferente de todas as outras governadoras, ela tem uma postura militar em suas relações profissionais e comanda Wentworth com mãos de ferro. Ela é dominadora, fálica, misteriosa, decidida e com uma sexualidade indefinida. O que é muito interessante, pois o tema já foi assunto para algumas reportagens: o toque andrógeno é também uma estratégia de caracterização – (da mesma forma, a gravata, a ausência da maquiagem e dos brincos). Como se sabe, a série fala abertamente sobre homossexualidade feminina e Joan, em especial, é um personagem com um “passado sexual obscuro”. (Dentre os mistérios, não se sabe muito bem sobre a relação amorosa dela com uma detenta ou sobre os possíveis abusos que sofreu do pai).

tumblr_ntdzd1zHpk1slt09to9_400.gif

tumblr_nr4v1pZhHR1usnj8do1_400.gif

Wentworth é baseada na série Prisoner Cell Block H, transmitida na Austrália entre 1979 e 1986 (a série foi um sucesso, com mais de 600 episódios e pode ser encontrada no Youtube). A Joan Ferguson “original”, interpretada por Maggie Kirkpatrick, também teve um romance com uma das detentas e era igualmente sádica. As luvas são marcantes e existem desde a primeira versão, Joan sempre as coloca quando decide cometer alguma maldade, e por isso, se tornou um símbolo do poder da governadora.

Há muito tempo não encontrava uma vilã que me chamava tanto atenção. Ela é muito má (muito mesmo), e a gente só vai descobrindo isso aos poucos. Mas Joan é também engraçada: ela possui uma fixação absurda por limpeza e adora “jogar” com as palavras. Existe por aí na internet um time que torce para que ela tenha uma relação amorosa com Vera, sua “assistente” (e as teorias são muito divertidas!).

3o7TKCRuZBvMssPCy4.gif

Eu gosto mesmo é do choque, de ver os personagens em situações de deixar o coração palpitando. Ouvi várias entrevistas da Pamela Rabe e achei demais quando ela disse, no início da série, que faria o que fosse preciso. E ela fez mesmo… as cenas do chuveiro são impactantes! E a do dentista nem se fale. (já escrevi sobre essa cena aqui)

Portanto temos uma junção bem boa de: drama, suspense e comédia.E umas reviravoltas absurdamente interessantes! [SPOILER] Todas as reviravoltas em sua história são fundamentais para descobrir o quão rico é o personagem. Joan, que chegou a ser a principal diretora de Wentworth, passa a ser uma detenta comum. Ela, que tinha uma das maiores políticas contra as drogas, passa a ser a principal contrabandeadora, a “Top Dog” e trava uma batalha contra a Vera, aquela que achávamos que teria um relacionamento amoroso!

Resumindo: eu sei que essa publicação ficou meio sem sentido, acho que eu disse muito, sem dizer nada. A verdade é essa, eu tô apaixonada pela série e não consigo parar de assistir! Fica a dica para quem se interessar, é muito legal! (Prometo que, futuramente, vou fazer uma publicação mais interessante sobre o assunto).

Os perigosos – Autobriogafias e AIDS

8586579416Gr

“Os perigosos” é um daqueles livros que se guarda para sempre, o encontrei perdido em uma das estantes da Leitura e o trouxe junto na mala na minha mudança para São Paulo. Li fazendo inúmeras anotações, tentando ficar atenta a tudo. Marcelo Secron Bessa tem um texto dinâmico, delicioso e muito esclarecedor. Foram 379 páginas de muito aprendizado.  O livro realiza uma análise sobre as produções literárias com temáticas relacionadas à AIDS e dá uma ênfase nas autobiografias.  Mais do que isso, oferece uma oportunidade de compreender como a imprensa reagiu em relação a doença e como reforçou alguns estigmas (tinham uma narrativa baseada em medo e preconceito, mas ao mesmo tempo, alertavam e informavam os leitores).

Este é um tema que me interessa muitíssimo, por vários motivos. Me impressiona como a minha geração desconhece a história relacionada à doença e por vezes, acredita estar imune a ela. Como eu disse, este livro me ensinou muito e me fez ter conhecimento sobre histórias e fatos que não imaginava. Nos primeiros capítulos, o autor conta que a epidemia foi tratada como um “câncer gay” e que muitos acreditavam que ela não chegaria ao Brasil. Na época, a imprensa direcionava matérias sobre a AIDS para as seções de saúde.

Uma das grandes discussões, que prevaleceu por muito tempo, é a de como encarar o doente. Eram vítimas ou culpados¿ Existia ali uma inocência ou uma vilania? Como a doença foi diretamente ligada aos homossexuais, existia todo um discurso moralista que os tinha como pervertidos. Os médicos e os enfermeiros, por outro lado, eram tratados como heróis. Na metáfora militar, eles encarnavam os soldados na linha de frente de combate. Ao longo dos anos foram surgindo narrativas literárias e matérias com tom romanesco. Um exemplo interessante é o de um jornalista que se passou por médico para acompanhar o dia a dia de um hospital que tratava desses pacientes.

O autor dialoga com muitos outros autores que realizaram um trabalho literário sobre a AIDS, como Susan Sontag, Michel Foucault, Jean-Claude Bernardet, e Valéria Polizzi. Também entre eles está Hebert Daniel.  Sobre Herbert, o autor afirma: se Cazuza foi a cara da doença, Hebert Daniel foi a voz. Sobre Hebert há um apontamento interessante, ele não gostava do termo “aidético” dizia: “Não sou aidético, estou com AIDS”. Sobre isso, reescrevo uma citação que marquei no meu livro:

“Nas reportagens jornalísticas anteriores, a pessoa com AIDS é chamada de vítima, doente, condenada e similares. Usualmente, ao serem interpelados sobre o porquê do uso de aidético em detrimento de termos menos tendenciosos, os jornalistas esclareciam que seria imposição dos editores para ocupar menos espaço. Decerto que isso faz sentido, já que, geralmente, os textos jornalísticos têm espaços contadíssimos e, por isso, devem prezar pela síntese. Mas, hoje, relendo uma fotocópia daquela edição do jornal, penso que além da intenção (e necessidade) de ocupar menos espaço nos textos, parece também que sua criação pelo tal “ABC da AIDS”, naquele momento e naquele contexto, visavam dar um tom, digamos, mais científico e, portanto, neutro do que parece indicar a justaposição desse termo com outros mais médicos e técnicos”.

O capítulo que mais gostei, que está todo marcado e cheio de post its, fala sobre Caio Fernando Abreu (um dos meus autores favoritos). Caio foi um homem extremamente sensível e marcado como um “escritor pesado e de baixo astral”. Por volta de 1994, quando se descobriu soropositivo, ele se tornou uma “celebridade”, o que de certa forma lhe causou certo incômodo:  “Sinto que houve, primeiro, quando me declarei soropositivo, um espanto, depois um movimento meio de solidariedade, misturado de piedade e escândalo. E acho que Ovelhas negras não recebeu atenção da crítica. Ganhou muita nota, teve muita entrevista e aí os caras só queriam saber sobre AIDS, era um absurdo. Depois (de aparecer no programa) do Jô Soares, parei. Porque o meu trabalho literário continua. O resto da crítica falava sobre um escritor com AIDS e tal, inclusive nas críticas da reedição de Morangos Mofados. O texto não foi levado em consideração”.

Durante a doença, Caio busca inspiração em Frida Kahlo e se identifica com a dolorosa vida da pintora que, depois de um acidente, passou por sérias intervenções cirúrgicas e sentiu muitas dores. “Tenho lido muito. Sofri e chorei com O diário de Frida Kahlo que me dá muita força: se ela suportou tanta, tanta dor, porque eu não suportaria também?”