Adoro ler e comprar livros. Aliás, compro mais do que consigo ler. Mas tenho um medo, talvez irracional, de que a leitura constante me faça sã demais. Quero dizer. Me imagino velha, doente, horrível e presa a uma cama, completamente lúcida. Não acho que exista castigo maior.
Quero envelhecer com loucura, esquecer o nome de todos, me comportar como criança, esquecer de onde eu vim e de quem eu sou. Entre a loucura e a lucidez, eu fico com a loucura. Porque ela me fascina. E, venhamos e convenhamos, perto das possibilidades da loucura, a lucidez soa como algo sem graça.
Tenho um livro na minha casa chamado “O Bigode”, do escritor francês Emmanuel Carrère. Confesso que ainda não li, mas sei a sua essência. Trata-se de um homem que durante grande parte da vida usou um bigode. Um dia, depois de um bom banho, ele decide tirá-lo. Ele aguarda ansiosamente a chegada da esposa para surpreendê-la com a nova aparência e de repente ela diz: “Mas que bigode você tirou? Você nunca usou bigode”.
Uma trama tão simples, com um enorme argumento existencialista. É assim que eu vejo a loucura, talvez um pequeno e fino fio que nos separa de outras vidas. E se o que vivemos agora não passar de um sonho? Já pensou nas possibilidades que a vida oferece e que, mesmo não sendo aproveitadas, não deixaram de existir? Concorda que a imaginação e a loucura, em qualquer plano, são irmãs? E que no fundo, todo mundo possui um quê de louco?
Quero dizer, acho que todo mundo já deve ter se perguntado: “Mas, e se naquela noite a minha mãe e meu pai não tivessem se conhecido?” ou “E se eu tivesse feito aquela viagem”, “E seu tivesse me casado com aquele cara?” Vidas paralelas, que existem na imaginação: Somos apenas uma versão de nós mesmos.
Mas apesar de encantadora, a loucura também me assusta. Lembro, que em um dos estágios que fiz durante a faculdade, trabalhei em atendimento e comunicação com o público (tratava-se de uma estatal). Um dia atendi uma senhora, visivelmente cansada (e com os olhos bem marcados por olheiras) que pedia encarecidamente por ajuda. Ela ouvia vozes e seu marido não acreditava nela. E pior, ela tinha certeza que implantaram um chip na cabeça do marido e do filho. Quando perguntei quem implantou, ela respondeu: “Meu ex chefe e a sua secretária. Ele me mandou embora, mas eu ainda escuto as vozes dos dois no meu ouvido”.
Isso me lembra, e peço desculpas por citá-la mais uma vez (consecutivamente), uma frase da Rosa Montero, em A Louca da Casa:
“Os chamados loucos são os indivíduos que moram de maneira permanente no lado sombrio: não conseguem encaixar-se na realidade e carecem de palavras para se expressar, ou então suas palavras interiores não coincidem com o discurso coletivo, como se falassem uma língua alienígena que não se pode sequer traduzir. A essência da loucura é a solidão. Uma solidão psíquica absoluta que produz um sofrimento insuportável. Uma solidão tão superlativa que não cabe dentro da palavra solidão e que não pode ser imaginada por quem não a conheceu. É como estar enterrado vivo no interior de um túmulo.
Quando, segundo contam, o czar Pedro I pronunciava contra algum inimigo de sua poderosa nobreza a sentença: “Eu te faço louco”, o poder da palavra e a palavra do poder, neste caso, acabavam transformando o infeliz nisso, porque, quanto todos os outros o tratavam como demente, ele vivia a realidade da sem-razão e perdia toda a cordura, explicou Carmen Iglesias no já mencionado discurso de posse na Academia. E este é um exemplo perfeito. A loucura é viver no vazio dos outros, numa ordem que ninguém compartilha.”