Tomboy é um filme simples, que trata de um assunto complexo sem rodeios e com muita naturalidade. O longa de 2011, dirigido por Céline Sciamma, conta a história de Laura (Zoé Héran), uma menina de onze anos que gosta de se vestir (e se comportar) como menino. A trama acompanha a adaptação de Laura e de sua pequena irmã Jeanne (Malonn Lévana) à nova casa. Seus pais se mudam constantemente e Laura se vê obrigada a fazer novos amigos. Aproveitando o fato de ser desconhecida, Laura se faz passar por um garoto. Ela se apresenta aos vizinhos como ‘Michael’ e na turma das crianças conhece Lisa (Jeanne Disson) por quem se apaixona.
Diferente das outras garotas, Laura/Michael ainda não desenvolveu seu corpo e sua fisionomia confunde-se com a de um garoto. Ela percebe a diferença, mas sente-se insegura ao se aproximar das outras crianças. Seus questionamentos e dúvidas ficam visíveis quando Laura, em frente ao espelho, analisa se pode ou não se juntar aos outros meninos e jogar futebol sem camisa. Não há dúvidas quanto sua sexualidade e sim quanto ao seu comportamento. Laura gosta de Lisa e isso fica evidente logo nas primeiras cenas. O que a incomoda, o que lhe faz chorar sozinha no quarto, é o fato, por exemplo, de não conseguir fazer xixi em pé como os outros.
É interessante como a curiosidade infantil sobre a sexualidade nasce espontaneamente. Em um cena repleta de delicadeza, Sciamma mostra Laura em frente ao espelho, observando sua fisionomia em silêncio. Ela tira a camisa, tira o short e fica lá, por um longo tempo. Suas atitudes são de uma criança tímida e em contraponto, de uma garota decidida. Não há diálogos que abordam a sexualidade de Laura, em nenhum momento a personagem aparece conversando sobre o assunto, mas as imagens dizem tudo: Laura é um menino, presa no corpo de uma menina.
A atitude de naturalidade dos pais é reforçada quando a mãe descobre que Laura se passa por menino para os amigos. Ela não lhe repreende por se vestir como homem, mas por mentir sobre sua identidade. Laura é obrigada a ir à casa de Lisa e contar que é uma menina. Toda a crueldade (e a curiosidade das crianças) se aflora e Laura é humilhada e afastada do grupo. E é dessa forma que Sciamma, com muita destreza nos dá uma bela lição que vem através de um carismático personagem, que chama a atenção durante todo o filme: Jeanne.
Com apenas cinco anos, Jeanne não se questiona sobre a irmã. Ela a ama e a defende independente de qualquer circunstância. Tem a pureza de uma criança pequena e diferente das outras, não foi contagiada por pré-conceitos. Portanto, Jeanne mantém a mentira de Laura e diz aos amigos que tem um irmão chamado Michael. Apesar da complexidade do papel, Zoé Héran fica menor em tela quando está ao lado de Malonn Lévana. A garotinha chama atenção pela destreza e pelo rostinho cativante.
Queria também chamar atenção para um detalhe. Desde que vi Albert Nobbs, me interessei por artigos que abordam a transexualidade e em muitos há uma observação interessante que, definitivamente, se adéqua ao filme. Tomboy (ou ‘menina moleque’) refere-se a meninas que se vestem como homens, mas não é um termo que está condicionado a homossexualidade. O que os artigos querem dizer é que nem toda lésbica gosta de se vestir de homem e nem toda mulher que gosta de se vestir de homem é lésbica. Um detalhe que parece muito evidente, mas que não é. Pelo contrário, é muito comum que as pessoas façam essa ligação que não deveria ser encarada como uma ‘regra’.