Salvajes

Salvajes-320x457

 

Carlos Molinero é conhecido no cenário espanhol por seu trabalho como roteirista em séries televisivas como “Querido maestro” e “Antivício”.  Salvajes, 2001, marca a sua estreia na direção de longas metragens. O filme conta a história de Berta (interpretada por Marisa Paredes), uma enfermeira que enfrenta maus bocados para criar os sobrinhos; sua irmã falecera anos antes.

 Um dia ela conhece um investigador policial, Eduardo, que vai até o posto onde ela trabalha para tratar de uma doença. Berta e Eduardo iniciam um intenso relacionamento amoroso, que está prestes a desmoronar já que Eduardo (interpretado por Imanol Arias) deseja prender um grupo de skinheads que está assombrando o bairro e cometendo crimes aterrorizantes. O grupo é composto pelos sobrinhos de Berta.

ph2.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxx

O filme me surpreendeu por seus diálogos impactantes, pelos rápidos movimentos de câmera, pelos closes exagerados. Tudo ali parecia acentuar a sensação de desconforto dos personagens e colocar em cheque a percepção do espectador sobre o tema. A casa de Berta é um ambiente extremamente sufocante, o quarto dos garotos cheio de armas e com bandeiras do nazismo, a cozinha minúscula, repleta de móveis…   Não é um filme que me agrada exatamente por ter me dado essa sensação de angústia. Mas muito me admira o experimentalismo de Molinero, que investiu muito em movimentos irregulares da câmera, em cortes secos e cenas em preto e branco, o tom documental que aparece no fim do filme.

Ver Marisa Paredes e Imanol Arias juntos me faz lembrar “A flor do meu segredo”, onde os dois viveram um casal também. Mas aqui, tudo é muito diferente. Em “A flor do meu segredo” o personagem de Imanol foge do personagem de Marisa o tempo inteiro, aqui ele a busca. Há todo um desejo por parte dele que não é correspondido por ela (até certo momento porque, em primeiro lugar, seu objetivo é proteger os sobrinhos). A figura de Imanol é impactante, forte, seguro de sí. Não foi só a personagem da Marisa Paredes que ficou balançada, HAHA.

É um filme com um forte questionamento social, que toca na ferida de muitos espanhóis que não enxergam os imigrantes com bons olhos. Acho legal observar que a filha da Marisa, María Isasi, participa do filme. Ela interpreta Lúcia, uma das sobrinhas de Berta, traficante de drogas.

 

O deus de madeira

eldiosdemadera

Gente, eu adoro histórias que envolvem casais de idades diferente, especialmente mulheres mais velhas com homens mais jovens, pode? Também amo a Marisa Paredes, então acho que esse filme foi feito sob medida para a minha pessoa. Quer dizer, mais ou menos.

“El dios de Madera” foi produzido em 2010 e dirigido por Vincente Molina Foix e conta a história de Yao, um rapaz do Senegal que fugiu para Madrid com o objetivo de conseguir algum dinheiro e mandar para a família. Vivendo a triste e difícil realidade dos imigrantes ilegais, Yao passa a vender produtos artesanais na rua e volta e meia, se escondendo da polícia. Ele faz amizade com Rachid, um mulsumano que, por necessidade, trabalha como cabeleireiro. Rachid é gay e está envolvido com o jovem Roberto, um webdesigner. Um dia Yao conhece María Luísa, uma vizinha viuva e logo cai de amores por ela, sem saber que María Luísa é mãe de Roberto.

el-dios-de-madera-fotos

O filme é um romance água com açúcar agradável, mas deixa a gente na mão quanto a dinâmica do enredo. É um filme lento demais, sem aquele clímax marcante e parece até um pouco artificial, sabe? É porque foi meio difícil identificar uma química entre Marisa e Madi Diocou (o ator que interpreta Yao). Diocou parecia  confuso,sem saber o que tava fazendo ali naquele filme…

De qualquer forma, é sempre bom ver Marisa. Aqui ela está bem delicada, alegre e incorpora bem a mulher madura aventureira, que deseja viver as loucuras de amor novamente. Maria Luíza só peca por ser homofóbica. 

Onde Fanny e Marisa se encontram

FannyeMarisa

Pausa para uma rápida observação…

Se eu contasse que estou para fazer essa publicação há mais de um ano vocês acreditam? Eu sempre quis falar sobre isso, mas um assunto vai substituindo outro e vou me esquecendo, ou me perdendo em meio ao caos de ideias. Eu acho que, se existem duas mulheres no cinema que possuem uma beleza ímpar, elas são a Fanny Ardant e a Marisa Paredes. Eu realmente não sei se o termo correto seria beleza, é como se as duas tivessem “aquilo” que as outras não tem.

Pra falar a verdade, se você for reparar bem, elas nem são tão “bonitas” assim (e não que isso importe), é que elas possuem um charme, uma postura, uma elegância… ou sei lá o quê, que as faz diferentes. Desde que as conheci faço essa relação e juro que essa impressão existe antes mesmo (muito antes!) de eu ter essa súbita paixão pela Fanny. Paixão aliás que tenho e mantenho pela Marisa. Confesso que eu colocaria a Daniela Romo nessa lista também, se não fosse por um detalhe que muda todo o cenário. 

Fanny e Marisa possuem pouca diferença de idade. Marisa tem 69 anos e a Fanny 66. Marisa é espanhola e Fanny francesa; As duas são magras, altas, possuem uma voz grave e costa grandes. Em resumo, possuem um pouco da essência que a Joan Crawford tinha. É aquele aspecto meio atlético, masculino e híbrido… um aspecto que nos confunde já que, ao mesmo tempo, nenhuma das duas abre mão de sua feminilidade. Se você reparar, a Daniela é exatamente assim, tem voz grossa, é alta, atlética… e possui unhas grandes e sempre pintadas de vermelho, os cabelos na cintura e usa os vestidos mais sensuais possíveis. Ou seja, você vê uma mulher, mas enxerga os traços masculinos.

Fanny, no entanto, parece que gosta (ou necessita) de alimentar aquela postura de “femme fatale”. Ela é mais imaculada, intocável. É serena, séria, fala baixo, faz charme quando conversa, anda sempre de óculos escuros e não abre mão de usar roupas de grife. Marisa parece mais simples, mais real. Possui aquela imagem matriarcal, forte, sentimental… ligada muito mais à arte do que aos holofotes.

Daniela é linda, mas perde para as duas em um quesito fundamental: a liberdade de ser, interpretar e criar. Fanny e Marisa, por um conjunto de aspectos (mas especialmente pelo cinema e pela cultura de seus países), são mais livres em seus personagens. Daniela recua quanto se fala sobre sexualidade, porque como todo mundo já sabe, há um enorme boato que ronda a sua vida. E mesmo se não fosse isso, é claramente uma artista conservadora e eu diria, menos corajosa. Admiro profundamente o seu trabalho em Victor Victoria, trabalho aliás… que ela disse que foi um dos melhores de sua vida. Mas infelizmente há poucos registros e por ser uma espetáculo grandioso (e caro), ficou centralizado em um público muito específico. Não é como um filme do Almodóvar ou do Truffaut que se encontra em todo o canto.

Azar da Daniela, sorte da Marisa e da Fanny

Fannyardant marisa paredes

Gigola

Imagem

Gigola (a gigolô feminina) não é uma mulher de beleza exuberante, não é daquelas que escancaram as revistas, daquelas que aparecem nas telas ou passarelas. Ousaria dizer que nem bonita ela é… mas é irresistível, sensual, glamourosa, voraz. Gigola é um charme – e aprendeu a lidar com os prazeres sexuais com uma professora do colégio, época em que se entendia como ‘George’ e já era maliciosa.

Apaixonou-se perdidamente pela professora, envolveu-se até o último fio de cabelo. Decepcionou-se logo no primeiro amor, a professora morreu. Gigola, viúva, nunca mais foi a mesma e nunca mais encontrou alguém que substituísse a altura o amor perdido.

Jogou-se na rua, ovelha negra, largou a faculdade de medicina, chocou os pais católicos, tornou-se garota de programa. Fez sucesso, subiu rapidamente na carreira, tornou-se uma poderosa cafetã. Não ficava atrás de nenhum homem, sabia mandar, sabia negociar. Enriqueceu.

Comedora, pegava todas, até aquelas que estavam dispostas a pagar milhões, a presenteá-la com carros importados e lhe comprar joias caríssimas. Rica, independente, com mulheres aos seus pés, respeitada… o quê lhe faltava? Gigola sentia falta de um amor.

Tentou suicídio, sobreviveu. No hospital conhece uma mulher, a própria reencarnação da única pessoa que mexeu com seu coração. Ela era igual a professora, mas não… não era ela. Médica, heterossexual e casada. Gigola se apaixonou por uma mulher impossível.

Marisa Paredes84093548Gigola é um filme gostoso, bonito. Daqueles que tem um clima de glamour, de ‘amor de cabaret’. Mas deixa a desejar em alguns pontos, peca pela tentativa caricata  de reconstrução de época. Laura Charpentier, a diretora, bem que se esforçou – e seu esforço é evidente em cada cena, mas alguma coisa faltou… um ‘it’, um climax, um rumo.

Lou Doillon é um verdadeiro presente para os olhos, fria, segura, séxy. Encarna uma Gigola irresistível – mas, confusa. Afinal, o quê a Gigolô feminina quer da vida? E, nesse universo lésbico, nessa vida noturna, o que a faz querer não ser quem é?

E, convenhamos, Gigola tem sorte. Nas mãos, duas mulheres belíssimas: Odete e Alice. Como resistir a Ana Padrão e a Marisa Paredes? (Paredes, que aliás, participa de uma cena quentíssima!).  Impossível também, não ter olhos para Rossy de Palma – que aparece pouco, mas aparece bem – marcante.

 

A flor do meu segredo

Rever Almodóvar é uma necessidade, um brinde a milhares de homens e mulheres que existem dentro da gente, mas que ficam adormecidos. Em suas cores, em seus diálogos, em seus planos e enquadramentos, o diretor brinca com a tragédia humana, nos cerca de questionamentos sobre assuntos existenciais: amor, morte, sexo, dinheiro, medo, solidão, loucura. EXAGERO. É inegável, Almodóvar tem sua marca, domina o que faz e o faz muito bem.

Assisti um de seus filmes outro dia; decidi rever um que fosse estrelado por Marisa Paredes. Também estava com saudade dela, daquela voz charmosa e irresistível. Fiquei na dúvida, muitas opções. Maus Hábitos? Tudo Sobre Minha mãe? A pele em que Habito? De salto alto? Não… A Flor do meu segredo!

Imagem“A flor do meu segredo” é um daqueles filmes que deixam o coração apertado, que causa catarse já nos primeiros instantes. Na história, Leo Macias (Marisa Paredes) é uma escritora famosa que enfrenta uma crise criativa. A ausência do seu esposo, Paco – que é militar, a deixa depressiva e melancólica. Leo, é uma mulher sedenta por amor.

Ao mesmo tempo em que a editora a pressiona a produzir outro romance, ela se afoga em bebidas e apresenta um comportamento suicida. Um detalhe interessante é que Leo não assina as obras em seu nome, ela usa o heterônimo: Amanda Gris. Nas pequenas subtramas: a empregada da casa enfrenta um impasse, ou continua trabalhando com Leo, ou se dedica a companhia de dança. A mãe e a irmã da personagem principal vivem em guerra. Um editor do jornal El País aceita Leo como colunista do jornal e sua melhor amiga estuda estuda a melhor forma de noticiar a morte.

Indefenso frente al acecho de la locura

Assisti uma entrevista onde a Marisa Paredes resume perfeitamente sua personagem, ela afirma que Leo é uma mulher que não está disposta a seguir se enganando, que ela tenta de todas as formas – desde o fundo de sua alma,  a recuperar um amor que já morreu. Em suma,   essa é a essência do longa, a dor provocada por uma busca inútil. Leo entra em uma guerra que já está perdida.

Não acho que essa perspectiva sobre o “perder” se limite só ao amor. Somos, todos nós, perdedores em alguma coisa- e é difícil reconhecer isso. Pode parecer pessimismo, mas não é. Ninguém pode vencer em tudo, essa é uma condição humana. No caso do filme, Leo chegou “a beira da loucura”, isso porque não sabe viver sem amor e para ela, Paco significa amor.

tumblr_mq7sop3CBE1rif7tro1_500Difícil conversar tecnicamente sobre o trabalho do Almodóvar, isso porque ele é único – desculpe se eu repeti essa expressão várias vezes, HAHA, mas é bem isso. Em “A flor do meu segredo” o diretor está mais trágico, mais lento e muito mais romântico -diferente das comédias exageradas que fez anteriormente.

Se existe uma cena que me encanta no longa se passa no momento em que Leo, depois de tentar o suicídio, vai para o centro da cidade e se depara com a greve feita pelos estudantes de medicina. Ela caminha entre milhares de pessoas vestidas de branco, que entoam uma canção. Leo veste vermelho, está de óculos escuros e está visivelmente abalada. A cena me remete logo a uma canção do Legião Urbana: “É solitário andar por entre a gente”.

É incrível como Almodóvar sabe usar metáforas, ele tem uma delicadeza ímpar e consegue encaixá-las perfeitamente na trama. Nas cenas iniciais, por exemplo, Leo aparece sentada em seu escritório, escrevendo mais um de seus romances e usando uma bota que o marido lhe dera de presente. As botas doem e estão tão apertadas que ela não consegue tirar. Tal qual acontece em seu casamento, há um amor absurdo, insuportável, tão grande e tão forte, que a sufoca.

Marisa ParedesHoje calcei as botas
que me ofereceu há dois anos.

Lembra que teve de me tirar
porque, sozinha, eu não conseguia?Ao vê-las, esta manhã, me lembrei
de você e calcei-as em sua homenagem.
Estão apertadas.

Por vezes, lembranças de você,
como estas botas
apertam-me o coração
e mal posso respirar…
Não consigo descalçá-las