Roubei o título do livro de Rubem Alves para falar de um assunto que tem ocupado meus pensamentos. De fato, em um encontro informal com os amigos, perguntaram-se se acredito em Deus e minha resposta imediata foi que sim, que acredito. Meu primo (nos seus poucos 17 anos), dizia que estava descrente e repleto de dúvidas quanto a sua fé. Logo ele, que frequentava a igreja semanalmente e que possui tanta intimidade com a bíblia dizia que agora já não acredita mais em nada.
Passei por um momento semelhante na vida quando cheguei a dizer, diversas vezes que se Deus existisse coisas ruins não aconteceriam. Minhas dúvidas eram parecidas com as dele: por que as pessoas de boas ações e bom coração estão igualmente sujeitas ao sofrimento como pessoas de má índole e pouca fé? [Por que uma pessoa pobre, que já não tem quase nada perde sua casa em uma enchente? Porque uma mulher tão boa está sofrendo com um câncer terminal? Por que uma pessoa morre sentindo dores terríveis? Por que uma jovem teve AVC e nunca mais recuperou a fala e os movimentos? Por que não consegui aquilo que queira/precisava tanto? Por que ele e não eu? Quando eu vou ser feliz?].
A verdade é que nunca consegui responder a nenhuma dessas perguntas e acho que nunca o farei (elas crescem se multiplicam e continuam ali na minha mente e no meu coração). Quando mais nova, eu frequentava a igreja e liderava um grupo de jovens (eu marcava os horários, trazia as pautas e participava das discussões). Uma vez, disse ao padre que falaríamos de certo assunto (que não me lembro) e ele me repreendeu afirmando que eu levantaria as dúvidas dos jovens que procuravam por respostas. Ao invés de me ajudar a respondê-las, o padre as sufocou. Pouco tempo depois, eu soube que não fui batizada naquela igreja por ser filha de mãe solteira. Deixei de frequentar as missas e guardei uma raiva enorme.
Senti falta das minhas orações. Se a religião não responde minhas perguntas, o que devo fazer? Eu poderia ter trocado de religião, mas acho que Deus é superior a leis humanas e não acredito que alguém consiga responder minhas perguntas senão Ele. Todos os dias, antes de dormir, apresento a Deus meus conflitos e agradeço pelas bênçãos [tem me feito tão bem!]. Mais do que isso: Deus tem respondido as minhas preces e não me abandonou em nenhum momento que precisei D’Ele. As vezes, só consigo pensar que esses problemas que sobrecarregam nossos ombros diariamente são necessários: eles nos ensinam a viver, nos ensinam a amar uns aos outros. Não é preciso sentir a dor do outro para compreendê-la e sentir compaixão. Aprendemos com o sofrimento.
Nossa Senhora do Pilar:
Sempre que inicio um texto como esse, onde deixo escorrer minhas emoções mais sinceras, acabo perdendo o rumo. Não queria terminá-lo sem antes comentar de uma das figuras religiosas que mais me comove e em que mais acredito. Todos os dias em que precisava ir ao centro de Nova Lima tinha o costume de observar a beleza da igreja matriz sem me dar ao trabalho de entrar. Um dia, não sei por que, resolvi orar por Nossa Senhora e ao entrar na igreja, senti uma paz imensa.
Desde então Nossa Senhora tem sido uma companheira (e uma confidente). Me agarro a ela quando sinto que preciso de ajuda. Entrego a vida dos meus entes mais queridos e peço (todos os dias) que ela os proteja. Peço proteção para mim e para minha mãe. Oro por minha avó, pelos meus amigos, meus tios, primos e só então, me sinto segura. [Sei muito pouco da história dela e só hoje fiz uma pesquisa. Segundo os artigos que encontrei na internet, Nossa Senhora (quando estava viva, durante o século I) apareceu para o apóstolo S. Tiago que enfrentava dificuldades enquanto pregava o evangelho no rio Ebro [Espanha]. Ela o acalentou e pediu que ele construísse uma basílica e depois, partisse para Jerusalém – ela também o avisou que sua morte estava próxima. Nossa Senhora estava cercada de luz e de flores (que formavam seu pilar), usava um véu que cobria-lhe a cabeça e ia até os pés.
Perguntaram-me se acredito em Deus – O LIVRO
Os cacos de vidro separados não tem tanto valor. Porém, quando alguém os une e cria um mosaico ele acaba transformando fragmentos em obra de arte. Assim também acontece com a música: se o compositor unir as notas, elas passam a dizer algo. E porque não dizer que é o que acontece com a vida?

É com essa reflexão que Rubem Alves (psicanalista, escritor, teólogo e educador) inicia seu livro “Perguntaram-me se acredito em Deus”, escrito em 2007. Reproduzo aqui, um texto publicado pela Folha de São Paulo em abril de 2007, onde Alves justifica o título e a criação do livro:
” Aconteceu ao final de um debate sobre educação promovido pela Folha. Chegada a hora das perguntas uma senhora me perguntou algo que nada tinha a ver com educação. Perguntou porque lhe doía: “O senhor acredita em Deus?” Houve tempo em que era mais fácil acreditar em Deus. Hoje até o Papa se atrapalha. Na sua visita ao campo de concentração de Treblinka perguntou o que não deveria ter perguntado: “Onde estava Deus quando esse horror aconteceu?” Heresia porque a pergunta silenciosamente afirma que Deus não estava lá. Se estivesse não teria deixado aquele horror acontecer. Pois Deus não é amor e todo poderoso? Se estava lá e deixou acontecer ou ele não é amor ou não é todo poderoso. Por outro lado, se ele não estava lá ele não é onipresente…
Depois do atentado terrorista ao World Trade Center o “New York Times” publicou um artigo com essa mesma pergunta: Onde estava Deus? Se estava lá, por que deixou acontecer? Dietrich Bonhoffer, pastor protestante que foi enforcado por haver participado de um frustrado atentado para assassinar Hitler -às vezes não há como fugir: ou matar um único, para que muitos não sejam mortos, ou, para preservar a pureza pessoal, não matar esse único e deixar que milhares sejam mortos; a inocência pode ser mais criminosa que o crime…, lutou com essa pergunta: “Onde está Deus?” Sua resposta foi simples: “Deus está aqui, mas ele é fraco…”
Se Deus existe e é forte, como perdoá-lo por permitir que aconteça o horror de sofrimento que não deveria acontecer? Mas se Deus é fraco ou não existe, então seria possível perdoá-lo e amá-lo. Aí choraríamos e diríamos: “Se Deus existisse e fosse forte isso não aconteceria…” A gente fica, então, com saudade do Deus que não existe. Mas eu não disse nada disso para aquela senhora. Apenas perguntei de volta, pedindo um esclarecimento: “Acreditar em qual Deus? Há tantos…
Homens ferozes e vingativos têm um Deus feroz e vingativo que mantém, para sua própria alegria, uma câmara de torturas chamada Inferno para vingar-se dos seus desafetos. Há o Deus jardineiro que criou um Paraíso e mora nas árvores e nas correntes cristalinas. Há o Deus com alma de banqueiro que contabiliza débitos e créditos… Há o Deus da Cecília Meireles que se confunde com o mar… Há o Deus erótico que inspira poemas de amor carnal… Há o Deus que se vende por promessas e faz milagres… E há também o Deus criança de Alberto Caeiro e Mário Quintana. Qual deles?”
Ela ficou em silêncio, meio perdida. Então lhe respondi com os versos do Chico: “Saudade é o revés do parto. É arrumar o quarto para o filho que já morreu”. E perguntei: “Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que chegará amanhã ou a que arruma o quarto para o filho que nunca chegará?”. E acrescentei: “Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os construo com poesia e beleza. Os fogos que acendo sobre eles iluminam o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso…”
Aí, provocado pela pergunta daquela mulher desconhecida escrevi um livrinho cujo título é a pergunta que ela me fez: “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Àquela mulher o meu muito obrigado…