A vilã de Wentworth: Joan Ferguson

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Estou apaixonada pela Joan Ferguson (é minha personagem favorita do momento!). Descobri Wentworth pelo Filmow, numa lista sobre séries “alternativas” e não americanas que merecem atenção do público. Fiquei tão viciada que assisti a série sem pausa, foram madrugadas em claro com muita ansiedade para descobrir os novos acontecimentos – e olha, eu estava na reta final do TCC, portanto, escrevia duas páginas do trabalho e assistia um capítulo. Se eu pudesse definir, diria  que a Joan é uma psicopata sádica (e genial). São tantas as crueldades que ela comete em relação aos colegas do trabalho e às detentas, que fica difícil imaginar seus próximos passos.   

A “Freak” (como foi apelidada pelas detentas), antes de qualquer coisa, é uma jogadora inteligentíssima e não mede esforços para enganar os outros em troca de poder e benefícios. Em uma entrevista, Pamela Rabe (a atriz que interpreta o personagem) fez algumas observações: “Joan é extraordinariamente forte. altamente fundamentada, muito exigente, alguém que acredita que os fins justificam os meios – todos são dispensáveis. Eu acho que ela está totalmente convencida de que ela faz as coisas pelo motivo correto, ela absolutamente exige fidelidade. E também gosta de extrair os fatos das pessoas.” (e gosta mesmo, mas através de umas formas bem violentas).

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A personagem surge no primeiro capítulo da segunda temporada e sua aparição é um divisor de águas na cadeia. Diferente de todas as outras governadoras, ela tem uma postura militar em suas relações profissionais e comanda Wentworth com mãos de ferro. Ela é dominadora, fálica, misteriosa, decidida e com uma sexualidade indefinida. O que é muito interessante, pois o tema já foi assunto para algumas reportagens: o toque andrógeno é também uma estratégia de caracterização – (da mesma forma, a gravata, a ausência da maquiagem e dos brincos). Como se sabe, a série fala abertamente sobre homossexualidade feminina e Joan, em especial, é um personagem com um “passado sexual obscuro”. (Dentre os mistérios, não se sabe muito bem sobre a relação amorosa dela com uma detenta ou sobre os possíveis abusos que sofreu do pai).

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Wentworth é baseada na série Prisoner Cell Block H, transmitida na Austrália entre 1979 e 1986 (a série foi um sucesso, com mais de 600 episódios e pode ser encontrada no Youtube). A Joan Ferguson “original”, interpretada por Maggie Kirkpatrick, também teve um romance com uma das detentas e era igualmente sádica. As luvas são marcantes e existem desde a primeira versão, Joan sempre as coloca quando decide cometer alguma maldade, e por isso, se tornou um símbolo do poder da governadora.

Há muito tempo não encontrava uma vilã que me chamava tanto atenção. Ela é muito má (muito mesmo), e a gente só vai descobrindo isso aos poucos. Mas Joan é também engraçada: ela possui uma fixação absurda por limpeza e adora “jogar” com as palavras. Existe por aí na internet um time que torce para que ela tenha uma relação amorosa com Vera, sua “assistente” (e as teorias são muito divertidas!).

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Eu gosto mesmo é do choque, de ver os personagens em situações de deixar o coração palpitando. Ouvi várias entrevistas da Pamela Rabe e achei demais quando ela disse, no início da série, que faria o que fosse preciso. E ela fez mesmo… as cenas do chuveiro são impactantes! E a do dentista nem se fale. (já escrevi sobre essa cena aqui)

Portanto temos uma junção bem boa de: drama, suspense e comédia.E umas reviravoltas absurdamente interessantes! [SPOILER] Todas as reviravoltas em sua história são fundamentais para descobrir o quão rico é o personagem. Joan, que chegou a ser a principal diretora de Wentworth, passa a ser uma detenta comum. Ela, que tinha uma das maiores políticas contra as drogas, passa a ser a principal contrabandeadora, a “Top Dog” e trava uma batalha contra a Vera, aquela que achávamos que teria um relacionamento amoroso!

Resumindo: eu sei que essa publicação ficou meio sem sentido, acho que eu disse muito, sem dizer nada. A verdade é essa, eu tô apaixonada pela série e não consigo parar de assistir! Fica a dica para quem se interessar, é muito legal! (Prometo que, futuramente, vou fazer uma publicação mais interessante sobre o assunto).

O dia em que Joan Ferguson arrancou a língua de Juicy Lucy

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Ainda estou sem fôlego por causa do último episódio de Wentworth. A ascensão de Joan ao cargo de Top Dog não poderia ter sido tão triunfal (e sangrenta). Com o histórico de atrocidades que Joan carrega, não seria difícil imaginar que estivesse planejando alguma vingança. Ainda que a frieza e a inteligência do personagem sejam características marcantes, sua atitude no último episódio, tão drástica e bem calculada, chocou até o mais atento espectador. O que me encanta no “Freaky”, mais que sua calma desconcertante, é o toque de humor negro e absurdo que a faz ser tão deliciosamente maquiavélica. Da mesma forma, Juicy carrega consigo um ar de deboche que nos faz rir de situações que, em diferente contexto, poderiam ser retratadas de maneira extremamente dramática.

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A tensão entre Juicy e Joan é antiga, desde os tempos em que a então “governadora” travava uma batalha contra a entrada das drogas na cadeia.  Eu achava que o ápice dessa relação teria acontecido naquele momento em que Juicy e seu grupo encurralou Joan no banheiro e a estuprou de uma maneira tão violenta que a deixou sangrando e sem andar por dias. Eu achava… até que Joan, sorrateiramente, deu um jeito de se passar por dentista, drogar Juicy e arrancar sua língua. As coisas não aconteceram assim, tão rapidamente. Joan foi estuprada no terceiro capítulo da quarta temporada e apenas no sexto capítulo da quinta temporada é que a vingança foi concluída. Ou seja, levamos aí um ano e tantos meses para o tão surpreendente acontecimento.

A construção do episódio me deixou de queixo caído. A primeira cena, em que Joan está no dentista, já indica que algo grande vai acontecer. A ideia de fazer Joan dormir na cadeira do dentista, de tão relaxada, é quase uma dica para o espectador, como se os autores da série falassem: “essa mulher é tão diferente e anormal, que consegue relaxar em um lugar em que a maioria das pessoas ficam tensas”.  De repente, todas as suas relações são articuladas com as da Vera, mostrando que desde o momento em que foi presa, Joan não se esqueceu de sua principal inimiga.

Sally-Anne Upton, a atriz que interpreta a Juicy, contou que a famosa cena demorou 7 horas para ser filmada. Ela também disse que ficou extremamente preocupada com o fato da personagem perder a língua: era uma de suas características, ela adorava sair andando pelos corredores, mostrando a língua para outas detentas para indicar que era uma predadora sexual: “Eu fiz algumas pesquisas sobre línguas. Descobri que nove em cada dez pessoas que sofrem um acidente como esse, morrem. A língua é extremamente vascular. Cheguei a ler um artigo sobre um homem que teve a língua cortada porque ele sabia demais… Ele contou que foi a coisa mais dolorosa que sentiu, mas que ele não podia gritar, não podia vocalizar aquela sensação. Por isso a cena foi daquele jeito: ela grita no início, mas depois do corte, já não consegue gritar mais”.

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Joan já era um personagem sombrio, mas foi ficando cada vez mais assustadora ao longo das temporadas. E a Pamela Rabe é tão, tão, tão foda que mudou não só a postura corporal como também trouxe um tom de voz diferente para o personagem. Fica difícil imaginar o que vem pela frente, mas o que já sabemos é que Joan não sabe perder. Ainda que não exista possibilidades de voltar a assumir o cargo de “governadora”, ela não irá descansar até ver Vera aniquilada. Outro dia vi uma matéria sobre ela e a frase era mais ou menos assim: “Joan é mais que uma psicopata. É uma psicopata brilhante”. E agora é a Top Dog!!

Um canto de esperança

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Um canto de esperança/Paradise Road (de 1997, dirigido por Bruce Beresford) é aquele tipo de filme que fica marcado na memória. Lembro de tê-lo assistido há anos atrás e algumas das cenas não saíram da minha cabeça. A história é extremamente forte e apresenta um tom realístico que é intensificado por uma produção sensível e por atuações marcantes. Glenn Close encabeça o elenco feminino que também conta com Cate Blanchet, Pauline Collins e Frances McDormand.

A trama se passa na década de 1940, japoneses invadem Cingapura e forçam várias crianças e mulheres a viverem em um campo de concentração onde realizam inúmeros trabalhos, sofrem agressões físicas e psicológicas. Entre essas mulheres encontra-se Adrienne Pargiter (Close) formada na Academia Real de Música que, junto a Daisy ‘Margaret’ Drummond (Collins) organiza um coral e enfrenta a resistência do exército japonês.

tumblr_mo1gxnQTZS1rs3i49o1_500Gosto do clima inicial do filme onde um grupo de aristocratas e suas respectivas mulheres comentam e ironizam a guerra. As opiniões se dividem quando falam sobre os japoneses: uns acreditam que eles são perigosos, outros de que não há nada a temer. O início da trama nos dá ideia do padrão de vida dos protagonistas: mulheres lindas e maquiadas, homens em ternos caros, mesas bem servidas e uma deliciosa música ao fundo. O ar de desconforto e incerteza aumenta quando escutam barulhos de bombas que invadem o salão. As mulheres [que estavam visitando os maridos] precisam voltar imediatamente para casa, a cidade está sendo atacada.

No navio, somos apresentados às personagens principais: Adrienne (Glenn Close), Susan Macarthy (Cate Blanchet), Mrs. Tippler (Pamela Rabe), Mrs. Roberts (Elizabeth Spriggs), Topsy Merritt ( Julianna Margulies), Daisy ‘Margaret‘ Drummond (Pauline Collins) e Rosemary Leigthon Jones (Jennifer Ehle). Há um pequeno e engraçado diálogo onde elas se apresentam umas as outras: sou esposa do dono de uma empresa de café, sou esposa do dono de uma empresa de tecidos (…). O navio (repleto de mulheres e crianças) é surpreendido por um novo ataque e todos são obrigados a abandona-lo. Adrienne, Susan e Rosemary ficam horas na água, até que conseguem chegar em terra firme.

Repletas de ferimentos na pele, as três conseguem uma carona de um militar japonês (aparentemente gentil) que as deixa em um local desconhecido. Adrienne chega a discutir com o militar, dizendo que o navio que atacaram só levava pessoas indefesas. Sem perceber, Adrienne, Susan e Rosemary são abandonadas em um campo de concentração e lá encontraram várias mulheres (inclusive algumas que estavam no navio) vivendo em terríveis condições.

Desde então, elas são obrigadas a acordar cedo para trabalhar, precisam dividir pouca comida e viver com água escassa.  Além de apanhar diariamente, ficam expostas ao mau cheiro e a diversas doenças que assolam o grupo. Elas sofrem um choque de realidade, antes acostumadas com uma vida repleta de luxo e agora vivendo como escravas. Não demora para que os conflitos comecem a surgir, tanto externamente quanto dentro do grupo.

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Personagens maniqueístas: a luta do bem e do mal

Talvez por apresentar um grande número de personagens (e não ter tempo nem espaço suficiente para desenvolvê-los) Beresford tenha escolhido apresentá-los com características muito marcantes – não sei afirmar se no livro a abordagem é feita da mesma maneira. Adrienne é a líder, justiceira e corajosa. Susan é atrevida, jovem e enérgica. Mrs. Roberts é avarenta (e a personagem que mais ironiza/critica a burguesia). Não há como questionar a presença da seguinte relação maniqueísta: os japoneses são maus e as prisioneiras são do bem, mas essa relação ainda bifurca-se e divide os personagens dos dois grupos:

No ambiente das prisioneiras Mrs. Tippler e Daisy são fortes personalidades em contraponto. Enquanto Daisy (a missionária que parece ainda mais gentil com aqueles grossos óculos) apazigua as companheiras, é paciente com as crianças e com os militares. Mrs Tippler é desonesta com as outras mulheres, incita as brigas e desestimula o coral. No final, Daisy recebe a redenção do sofrimento através da morte enquanto Mrs Tippler é separada dos filhos.

No grupo dos militares japoneses o Capitão Tanaka (Stan Egi) é cruel com as prisioneiras, impõe diversos castigos e proibições. Em uma cena fortíssima, ele obriga Susan a se ajoelhar por horas diante de estacas que podem perfurá-la a qualquer momento. Em contrapartida, o intérprete (David Shung) tenta ser gentil com as mulheres e sempre mantém a calma quando conversa com elas (Adrienne chega a chamá-lo de covarde).

A história que inspirou o filme

Song of Survival2O filme baseia-se no livro de Helen Colijn: “Song of Survival: Women Interned” onde ela descreve com detalhes a vida de mulheres que foram prisioneiras em um campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra. Helen e a irmã Antoniette ficaram presas nesse campo de concentração e juntas, presenciaram o trabalho de Margaret Dryburgh e Norah Chambers: duas inglesas que no início de 1943, se uniram para amenizar o duro cotidiano das prisioneiras e criaram um coral.

Margaret era uma missionária e Norah havia estudado piano, violino e canto na Academia Real de Música em Londres. Margaret se lembrava das partituras e as escrevia escondido em um pedaço de papel, os ensaios eram feitos com muito cuidado para não chamar atenção dos japoneses. As mulheres cantavam várias músicas clássicas como as de Chopin, Beethoven e Dvorak. Reproduzo o texto do Paulo Franke onde ele detalha com mais riqueza os acontecimentos:

Helen comentou: “Imagine-se em um campo de prisioneiros com fome, camundongos, baratas, com aquele cheiro terrível de banheiros e a gritaria dos guardas à sua volta! E de repente você ouve essa música. É algo magnífico que dá o sentido de união, mas também de força para continuar vivendo em uma situação que parece não ter fim. É algo positivo surgindo de uma experiência muito negativa. Por essa razão posso falar do campo sem ter que passar por todos os pesadelos novamente.” Margaret faleceu no dia 21 de abril de 1945 e foi sepultada em um cemitério perto do campo, sob as palmeiras. Mais tarde, Norah escreveu em seu diário: “Ela foi admitida no hospital e poderia ter melhorado, mas, como muitas outras pessoas, estava fraca demais e por isso não houve chance de recuperação. Ao visitá-la, ela me reconheceu e tentou falar. Tentou repetir o seu salmo preferido, o 23, o que eu fiz por ela tão bem quanto pude.”