Desde as primeiras cenas, este filme tem um toque extremamente feminino (e feminista). Além de falar sobre tabus que atingem especialmente as mulheres, como o aborto e as diferenças de oportunidades no mercado de trabalho, tem como protagonista uma mulher forte, séria e inteligente. Pouco li sobre a história da diretora Pilar Miró, mas fica muito claro que o filme também tem um tom metalinguístico e autobiográfico.
Mercedes Sampietro está linda, mais linda do que nunca (especialmente porque transmite muita calma e parece dominar o personagem). Na trama ela é Andreia, uma diretora televisa que sonha em produzir um filme, mas que enfrenta muitas dificuldades para tal. Apesar de ser uma mulher com sucesso profissional, sua vida pessoal é cheia de fracassos: possui uma mãe extremamente vaidosa e que a sufoca e está grávida de um homem que exige que ela faça um aborto.
Gosto especialmente das cenas iniciais, quando Andreia caminha pelos corredores da emissora e é cercada por auxiliares que precisam de sua opinião ou autorização para fazer algo. Mesmo assumindo um cargo de chefe, Andreia é visivelmente engolida por um ambiente dominado pelos homens. Também há uma cena sensacional, onde ela olha diretamente para a câmera, como se conversasse com o espectador, e conta as dificuldades de se realizar um filme (só para observar, “Gary Cooper que está en los cielos” foi lançado em 1981, um ano depois, Pilar Miró se tornou Diretora Geral de Cinematografia na Espanha).
O filme possui muitos momentos reflexivos, quando a personagem (que descobre que está doente e prestes a morrer) começa a pensar em sua vida e nas coisas que construiu. Ela passa horas observando fotos antigas (algumas delas do ator americano Gary Cooper). Imagino que aquelas fotos antigas e em preto e branco representem o seu carinho pelo passado e medo pelo futuro.
Carmen Maura: uma aparição pequena, mas importante
Carmen aparece muito pouco, apenas em duas cenas. Na primeira delas, fica claro que ela não gosta de Andreia, na segunda (já no final do filme), há um confronto entre elas, dentro do banheiro. Andreia relembra que as duas estudaram juntas e questiona se a colega tinha algum desejo sexual (reprimido) por ela. No livro, “Discurso Femenino Actual”, Kathleen M. Vernon começa o seu texto analisando exatamente essa cena e diz:
[…] A protagonista Andrea enfrenta uma única colega feminina nos estúdios televisivos, a realizadora Begoña (Carmen Maura). Em seus comentários sobre as cenas, vários críticos afirmaram que o acontecimento tinha base na vida real de Pilar e até identificaram Begoña como Josefina Molina. O fato é que o conteúdo dessa tempestuosa discussão está repleta de referências e experiências paralelas, primeiro como estudantes e segundo como empregadas de uma rede de televisão governamental, o que corresponde à biografia das duas mulheres. Molina foi a primeira diretora mulher que se graduou pela Escuela Oficial de Cine, a mesma em que Miró se formou como roteirista.
A autora ainda explica que mesmo não sendo a intenção da diretora e mesmo com a disputa entre as duas personagens, existia ali um clima de “sororidade” entre as duas mulheres, reprimidas por um ambiente completamente dominado por homens.