A mulher paulista e a Revolução de 32

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Tá aí um assunto que me interessa muito, por isso fiz uma pequena pesquisa sobre a participação feminina na Revolução Constitucionalista. Depois, sobre a participação feminina na Revolução Mexicana… descobri e aprendi muitas coisas e, aproveitando o Dia da Mulher, compartilho algumas delas com vocês.  

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A atividade feminina na campanha constitucionalista foi intensa, elas escreviam e assinavam petições, recolhiam roupas e verbas para as tropas, se pronunciavam nas rádios, dirigiam hospitais, cuidavam dos feridos, criavam fundos para ajudar a sustentar a família dos inválidos. Por isso este é considerado o primeiro movimento com a presença maciça da mulher brasileira, muito diferente das revoluções anteriores (como a de 1930) cujo assunto militar não contava com a participação direta da população e menos ainda das mulheres.

Interessante observar que a imagem da paulista foi construída e inspirada nas mulheres dos bandeirantes, essa era uma das justificativas utilizadas pelos jornais para exaltar o caráter “especial” e o espírito de luta das mulheres de São Paulo. Conforme a história, as bandeirantes não participavam das Bandeiras ao lado dos homens, mas tinham o mérito do sustento e da defesa do lar, sem a presença masculina.

 ‘Na construção histórica da Mulher Paulista no período colonial também são destacados episódios em que mulheres individuais pegaram em armas e entraram na guerra para proteger a santidade do seu lar. Ela, às vezes, é explicitamente comparada à Mulher Espartana, o padrão de força e estoicismo femininos. […] Esse tema tornou-se particularmente popular e útil na fase do movimento constitucionalista, no qual houve alistamento militar” (WEINSTEIN, 2004:5)

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Mas elas, além de personificarem a imagem do reencontro com o passado e com a tradição, eram encaradas também como o rosto do futuro, o espelho da modernidade que chegava ao estado. São Paulo se destacava como uma das regiões mais avançadas do país, e as mulheres paulistas despontavam como sendo mais conscientes de seus deveres cívicos e de seus direitos.

A força dessa participação trazia novos ares para o discurso público e parecia ainda mais aceitável a participação da mulher (branca, instruída e de classe média) na política. Não se pode negar, porém, que o machismo rondava a revolução. Um exemplo interessante era o empenho dos jornais para promover um discurso vexatório contra os homens que se negavam a participar da luta, uma das propostas era obriga-los a sair na rua vestido de mulheres ou de bebês.

Mesmo com os esforços para serem terem o mesmo reconhecimento dos homens, a força feminina quase era retratada na figura da mãe, esposa ou namorada, não como guerrilheiras. As referências sobre o heroísmo feminino limitavam-se a mencionar a costura de uniformes e a manutenção dos alimentos.

A participação das mulheres negras

Um estudo acadêmico realizado por Jonatan Uilly, Paulo Fernando de Souza Campos e publicado na Revista Trilhas da História, levanta um questionamento importante sobre os documentos histográficos sobre a mulher negra na Revolução de 1932 e ajuda a esclarecer alguns pontos.  Ainda que mulheres negras tenham participado ativamente da revolução, a maioria das referências femininas do movimento são representadas pelo estereótipo da mulher paulista, “branca, filha dos bandeirantes”.

Conforme o estudo, a imprensa se referia às mulheres negras como enfermeiras, ainda que tenham confeccionado as roupas dos soldados e lutado nos fronts de batalha. Na época, o termo “enfermeira” era, na maioria das vezes, relacionado a mulheres brancas, com boa situação financeira e estudo.

Considera-se ainda o Decreto n. 20. 109-31 que impedia o ingresso das mulheres negras na enfermagem. Para os autores, naquele momento (ao chamar as mulheres negras de enfermeiras), São Paulo mais uma vez impulsionava os outros estados para o progresso:

“Como sugerido, no contexto, a tradicional Escola de Enfermagem Ana Nery, no Rio de Janeiro, mantinha uma política de exclusão de mulheres negras em razão dessas não se enquadrarem no perfil desejado para a enfermeira padrão. […] Seria uma resposta de São Paulo em ditar de modo emancipado a suas próprias diretrizes em relação à enfermagem? ” (CAMPOS, UILLY. 2014:19)

Duas mulheres negras que ficaram marcada por suas atuações na Revolução de 32 foram Palmyra Calçada e Maria José Bezerra. A primeira foi considerada a madrinha da Legião Negra, em 1930 ela encabeçou um projeto para a arrecadação de proventos e promoção em prol da Revolução.

A segunda ficou conhecida como Maria Soldado e virou símbolo de luta por combatido nas trincheiras. Maria veio de Limeira, se alistou, fingiu ser homem e lutou arduamente pela causa. Ela só foi descoberta quando foi ferida, após combater na linha de frente. Em sua homenagem, a edição de 05 de setembro do jornal A Gazeta publicava:

Uma mulher de cor, alistada na Legião Negra, vencendo toda a sorte de obstáculos e as durezas de uma viagem acidentada, uniu-se aos seus irmãos negros em pleno entrincheiramento na frente do sul, descrevendo a página mais profundamente comovedora, mais cheia de civismo, mais profundamente brasileira, da campanha constitucionalista, ao desafiar a morte nos combates encarniçados e mortíferos para o inimigo, MARIA DA LEGIÃO NEGRA! Mulher abnegada e nobre da sua raça.”


Breve contexto da Revolução Constitucionalista

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Entre julho e outubro de 1932 um grupo armado de São Paulo se dedicou a derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas, eles também lutavam para instituir um novo regime constitucional. Dentre outros motivos, a Revolução Constitucionalista era uma resposta à Revolução de 1930, um golpe de estado feito por Getúlio Vargas que impediu a posse de Júlio Prestes e tirou Washington Luís, então presidente, do poder.  No dia 23 de maio acontece o estopim da revolta; são assassinados cinco jovens estudantes no centro da cidade:

“Na noite de 23 de maio de 1932 a multidão que tomara conta das ruas se multiplicava cada vez mais e a agitação era intensa na Praça da República e foi assaltada a sede do Partido Popular Progressista de Miguel Costa e depredado o prédio do Jornal A Razão. A grande massa convergiu para o prédio da Legião; os legionários estavam armados e receberam os manifestantes à bala. Quatro jovens foram mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Das iniciais de seus nomes surgiu o MMDC, entidade importante na organização da guerra. Esses mortos seriam cultuados como sendo os únicos naquela noite, mas os mortos totalizavam 13, segundo a enciclopédia “Brasil Nosso Século”. (NUNES, 2005:9).

O patriotismo cresce no coração dos paulistas, o Estado consegue mobilizar milhares de pessoas de diferentes classes sociais (muitas doaram bens, joias e pratarias para ajudar a revolução financeiramente). A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) incumbiu as empresas brasileiras de fabricar armamento militar, por outro lado, organizações civis forneciam fardas, auxílio e alimento.

Em 9 de julho eclode o movimento revolucionário, com ele mais de 200.00 voluntários saem às ruas, destes, 60.000 combateram nas fileiras do exército. Os revoltosos, que sabiam da superioridade do exército federal, contavam com a participação de outros Estados, mas após a eclosão, tanto o governo do Rio Grande do Sul (comandado por Flores da Cunha) quanto o de Minas Gerais (comandado por Olegário Maciel) decidiram apoiar Getúlio Vargas.

Durante a luta armada, São Paulo era asfixiada pelo bloqueio do porto de Santos, fora a instabilidade social, agravada pelo enfraquecimento das forças paulistas. Em setembro as condições dos combatentes já eram precárias. Em 2 de outubro, a liderança revolucionária se rende.


Referências:

(Desculpe, mas eu copiei e colei fora de ordem.  Os textos são muito bons e o melhor é que estão disponíveis na rede. Vale a pena a leitura!)

SILVA, Tânia Maria Gomes: Trajetória da historiografia da mulher no Brasil, 2008.  [Acesso em 18 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://periodicos.uesb.br/index.php/politeia/article/viewFile/276/311

UILLY, Jonathan e CAMPOS, Paulo Fernando: Pérola Negra, a participação das mulheres negras na Revolução Constitucionalista de 1932. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, nº6 jan-jun, 2014.p.121-148. [Acesso: 19 de fevereiro de 2016].  Disponível em: http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/view/470/271

WEINSTEIN, Bárbara:  Inventando a Mulher Paulista: Política, Rebelião, e a Generificação das identidades regionais brasileiras, 2014. Revista Gênero [Acesso em 17 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/viewFile/222/146

SILVA, Tânia Maria Gomes: Trajetória da historiografia da mulher no Brasil, 2008.  [Acesso em 18 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://periodicos.uesb.br/index.php/politeia/article/viewFile/276/311

UILLY, Jonathan e CAMPOS, Paulo Fernando: Pérola Negra, a participação das mulheres negras na Revolução Constitucionalista de 1932. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, nº6 jan-jun, 2014.p.121-148. [Acesso: 19 de fevereiro de 2016].  Disponível em: http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/view/470/271

WEINSTEIN, Bárbara:  Inventando a Mulher Paulista: Política, Rebelião, e a Generificação das identidades regionais brasileiras, 2014. Revista Gênero [Acesso em 17 de fevereiro de 2016]. Disponível em: http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/viewFile/222/146

AZEVEDO, Frances. Heroínas de 32, a participação da mulher na Revolução de 32 é marco importante para o legado feminino no país, 2014. [Acesso em 19 de fevereiro, 2016]. Disponível em: www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI204015,61044-Participacao+da+mulher+na+Revolucao+de+32+e+marco+importante+para

BUNICORE, Augusto. As mulheres e os direitos políticos no Brasil, 2015. [Acesso em 19 de fevereiro, 2016]. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=2115