O ano que não terminou

Uma colega me emprestou “1968, O ano que não terminou” de Zuenir Ventura, obra clássica moderna, indicada para qualquer estudante de jornalismo (e para qualquer um que se interesse pela história política e cultural do Brasil). Devorei o livro em dois dias… Zuenir tem um poder narrativo muito profundo, que envolve o leitor (e que exige agilidade), apesar da clareza na exposição das ideias.

A história que começa na famosa “festa na casa da Helô” e envolve figuras públicas e populares que através de muita luta, representaram um expoente para a democracia.

Toda essa narrativa se somou ao documentário que assisti ontem no Belas Artes: Tropicália, dirigido por Marcelo Machado – um recorte sobre o movimento que com a conturbada situação política, enriquecia o cenário musical, os festivais e a juventude.

De fato, as duas obras possuem semelhanças esperadas. O que eu poderia dizer é que: o livro e o filme são complementares. Gosto muito da maneira em que Zuenir começa a sua obra analisando a participação da figura feminina, uma pena eu não ter o livro aqui para reproduzir uma de suas ideias: mas é mais ou menos assim: o autor explica que a efervescência política acabou com muitos casamentos. As mulheres saiam de casa pois aquela percepção de “dona do lar”, cuidando dos filhos, começara a mudar.

Em Tropicália, fica muito claro que 1967 e 1968 foram anos conturbados, mas de certa forma, bem diferentes, uma delas é o Ato Institucional nº 5 (ainda não decretado).  A televisão já cumpria um papel de massificação e de divulgação (mas não tão evidente: nem todos acreditavam em seu poder).

A morte do estudante Edson Luiz por Ventura ficou ainda mais clara para mim no documentário. Pelo que entendi, Edson Luiz foi um espécie de mártir do movimento, o cortejo para o enterro foi seguido por milhares de pessoas. (Zuenir conta um fato interessante, ele relata que durante o caminho ao cemitério as luzes se apagaram (não se sabe se foi um boicote), e mesmo assim, as pessoas não desistiram de seguir o corpo – foram pegando jornais e fazendo tochas – que queimavam muito rápido.

 

Ainda sobre o livro: a missa de sétimo dia de Edson Luiz recebe uma descrição fantástica e chama atenção para o papel dos padres. Naquele dia a polícia cercou toda a igreja, eram mais de cem cavalos. As pessoas que estavam dentro ficaram temerosas de sair. Alguns militantes (inclusive ateus) foram a missa propositalmente, conscientes da possibilidade de  um enfrentamento. Percebendo a situação, os padres saíram na frente das pessoas, fazendo uma corrente protetora e acabaram apanhando da polícia, como muitos que ali estavam.

Sobre a passeata dos cem mil, também há um detalhe interessante: o que me chamou atenção foi a forma em que a população acabou por abraçar a causa. As pessoas jogavam objetos das sacadas das janelas para atingir os policiais.

O documentário é lindo, mais linda ainda: Gal Costa. Sabe, adoro aquela mulher, aquela voz. A minha amiga que estava comigo disse baixinho (ela é demais não é?, concordei sem nem um pingo de dúvidas). Ainda muito novinha, conta como foi a apresentação em 1968 da música “Divino Maravilhoso”, alguns aplaudiam, outros vaiavam. Ela contou que durante a apresentação um homem gritava: Fora! Fora! E ela cantava ainda mais forte, cantava para ele… e ele percebeu, se sentou: “aí, não teve jeito”.  Maria Bethênia linda, poderosa, jovem… em uma apresentação agressiva de “Carará” e os Mutantes, Rita Lee Jones, simpática como sempre e doce.

Documentário incrível, livro igualmente incrível… super indico. 🙂